O Caso da Vovó Gertrudes   

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Vó Gertrudes não olhava para cima. O mundo dela era pra baixo, isto é, muito mais para o inferno do que para o céu. Ela parecia ser O Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon, pois onde tocava com a bengala nascia uma nova e linda flor.

 

Escondidinha na janela do sótão, movida pela curiosidade e pela comiseração, a garota Roselinda observava a rotina de uma vovó solitária. Não sabia o nome. Então nominou-a Vovó Gertrudes. Pouco sabia sobre a idosa. É que ela não falava e não acolhia ninguém. No entanto, tinha a companhia dos passarinhos e de um gato sem rabo.

Vovó Gertrudes saia de casa uma vez por dia. Buscava sua comida no asilo próximo de sua modesta cabaninha, que tinha uma porta, uma janela e uma chaminé. À frente uma hortinha de temperos, chás e flores. Curvada e com uma velha bengala de madeira, lá passava grande parte do dia. Parecia a letra U invertida.

Vó Gertrudes não olhava para cima. O mundo dela era pra baixo, isto é, muito mais para o inferno do que para o céu.   Ela parecia ser O Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon, pois onde tocava com a bengala nascia uma nova e linda flor. 

A garota Roselinda, observando os movimentos da Vovó, perguntava à mãe:

– Até quando assim desse jeito!? Tão sozinha, franzina e tão plantadeira de flores?!

– Há pessoas especiais de todo tipo, filha!

Quando havia forte ameaça de temporal, Vovó Gertrudes ouvia as saracuras, os grilos e os sabiás. Dependendo dos sinais de temporal, Vó Gertrudes, bem devagarinho, recolhia alguns ramos bentos para jogá-los com sal grosso, para dentro na boca do forno. E, logo a chaminé largava uma fumacinha branca com aquele cheiro típico, que diziam ser do céu. E a fúria da natureza logo se aquietava.

E assim, enquanto Roselinda ia ficando mocinha, observava os ciclos da lua, os movimentos da Terra, o crescimento das plantas, o voo dos pássaros e a formação das nuvens.  Via que a Vó Gertrudes ficava cada vez mais lenta, fraca e curva.

– Parece que a Vó vai sumindo aos poucos, dizia para sua mãe.

– A vida é assim mesma, Fofa! A gente vem ao mundo, vive e vai desaparecendo, tipo a Vó Gertrudes.

– Olha Mãe, há tantas coisas mudando: cidades, ruas, carros, computadores, celulares e pessoas. Será que não tem um jeito de a gente não morrer?

– Fofa! Acabei de ler o livro HOMO DEUS: Uma breve história do amanhã, do Yuval Noah Harari. A obra trata sobre a possibilidade de as ciências irem prolongando a vida da gente assim aos pouquinhos. Aliás, hoje, com o avanço da Medicina e dos fármacos, a vida média dos homens e das mulheres avançou muito! No teu caso, o que importa é que tens muita vida pela frente! Basta vivê-la intensamente e com qualidade. Aliás, noutro dia ouvi, na Rádio Emplastro Vaporup, a frase:

Carpe Diem e Carpe Nox.  Quer dizer aproveita o dia e a noite.

– Ih, Mãe, Vó Gertrudes acaba de cair sobre a bengala. Chama a ambulância, por favor!

Três homens a depositaram sobre uma maca, levando-a ao hospital.  Passada uma hora, a Rádio Emplastro Vaporup anunciou que a Vó Gertrudes tinha falecido de morte natural. Então a mãe e a filha Roselinda oraram pela alma daquela Vó. Algumas lágrimas de sentimento testemunharam o fato.  

– Morte e vida, minha filha!  

– Mãe, eu não quero morrer desse jeito, assim tão repente, sozinha e franzina! A história lembra a sina da Macabea, aquela do livro A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.  Parece que a arte imita a vida!

– É, pois é, Fofa!

Autor: Eládio V. Weschenfelder. Também escreveu e publicou no site “Rios do céu e da terra”: www.neipies.com/rios-do-ceu-e-da-terra/

Edição: A. R.

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