O castelo de cartas marcadas da educação

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A prova não é um instrumento de justiça, mas um mecanismo de exclusão. Reforça desigualdades, perpetua privilégios e transforma a educação num castelo de cartas marcadas — cujo desfecho, qualquer um com um mínimo de lucidez é capaz de antecipar.

“Prova”. Essa palavra tem rondado meus pensamentos nas últimas semanas. Visualizo-a como uma placa de néon pulsante, anunciando que algo está fora do lugar. Prova para quê? Para quem? Provar o quê — e por quê?

Sou professor de Filosofia. Desde que entrei para o ensino público, lecionando nos anos finais do fundamental, nunca apliquei provas. Minhas avaliações eram feitas por meio de resumos no caderno e outras atividades escritas, que os alunos podiam realizar ao longo de um mês, com tempo para pesquisar e refletir.

Era uma logística complicada — afinal, temos apenas uma aula semanal —, mas funcionava. Ao corrigir os trabalhos, aproveitava para revisar os cadernos como um todo, observando o envolvimento real de cada estudante com os conteúdos.

Este ano, decidi experimentar o formato tradicional. Organizei tudo: quatro aulas de conteúdo, uma de prova e, depois, um período livre como recompensa.

Parecia simples. Mas a vida, como sempre, detesta planos meticulosos — e logo comecei a me incomodar. Em vários sentidos.

O primeiro incômodo veio da previsibilidade. Antes mesmo de aplicar as provas, eu já sabia quem se sairia bem. Cartas marcadas. Consegui até prever, com certa precisão, a nota de cada um dos bons alunos.

O segundo desconforto surgiu mais sutilmente, mas logo se tornou claro: a prova não ensina nada. Serve apenas para confirmar o que já sabemos sobre os estudantes. Não acrescenta desafios aos mais preparados nem oferece oportunidade de avanço aos que mais precisam.

O terceiro problema é prático. Com uma aula por semana, a aplicação de provas é inviável. Façamos as contas: 28 turmas, 22 alunos em cada, totalizando 616 provas. Quem corrige tudo isso? E, mesmo que o tempo exista, vale o esforço? Francamente, duvido.

No fim, confirmei aquilo que já intuía: provas não valem a pena. Mas precisava sentir na pele. Sou do tipo que prefere a experiência direta, tirar minhas próprias conclusões.

Aqueles que ainda defendem a ideia de que a prova é um retrato fiel da capacidade dos alunos ignoram — ou fingem ignorar — as brutais desigualdades sociais do Brasil. Não estamos no mesmo ponto de partida. Enquanto alguns navegam em barcos confortáveis, a maioria segue a nado, lutando contra a corrente.

Nesse cenário, a prova não é um instrumento de justiça, mas um mecanismo de exclusão. Reforça desigualdades, perpetua privilégios e transforma a educação num castelo de cartas marcadas — cujo desfecho, qualquer um com um mínimo de lucidez é capaz de antecipar.

Autor: Aleixo da Rosa. Também escreveu e publicou no site “Um professor fracassado”: www.neipies.com/um-professor-fracassado/

Edição: A. R.

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