O cemitério das almas fracassadas

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No cemitério das almas fracassadas impera um silêncio, literalmente, sepulcral. Imponentes mausoléus e tumbas com lápides apócrifas, em meio a alamedas acolhedoras, compõem o retrato de uma erma paisagem. Afinal, para que servem os nomes e as duas datas simbólicas de pessoas fracassadas? Quem quer saber delas? Por que fracassaram?

Se, para muitos, essas são respostas que, aparentemente, não interessam; esse não parece ser o caso de Nassim Nicholas Taleb. O famoso matemático libanês (do Levante), consultor financeiro bem-sucedido e escritor de bestsellers, que, em estudos sobre probabilidade e incerteza, dedicou especial atenção ao que ele rotulou de lógica do Cisne Negro, que, não raro, no caso dos Cisnes Negros negativos, condicionam fracassos no mundo dos negócios ou na vida pessoal. É sobre isso que ele tratou no livro “A lógica do Cisne Negro – O impacto do altamente improvável”, de 2007, segunda edição 2010.

Na acepção de Taleb, um evento Cisne Negro é aquele que reúne raridade, impacto extremo e previsibilidade retrospectiva (mas não prospectiva). Entenda-se que, por simetria, um evento altamente esperado, mas que não ocorre, também é um Cisne Negro. Ou seja, a ocorrência do altamente improvável é equivalente a não ocorrência do altamente provável. E por que Taleb optou por Cisne Negro para definir esse tipo de evento? Além de soar poético, simplesmente, justificou ele, até a descoberta da Austrália, as pessoas do Velho Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos. Essa crença que caiu por terra, quando os colonizadores europeus avistaram o primeiro cisne negro.

A questão central do livro de Taleb é a fragilidade do nosso conhecimento. Resumindo, os Cisnes Negros são eventos quase impossíveis de serem antecipados, mas, que, por inesperados, podem causar impactos enormes.

Os Cisnes Negros vicejam porque, quase sempre, estamos à mercê do inesperado. Focamos no que sabemos e deixamos de lado o que NÃO sabemos. Razão pela qual, a lógica do Cisne Negro é uma boa metáfora, engendrada por Taleb. Desperdiçamos muita atenção às minúcias, em vez de focar no relevante. Pela lógica do Cisne Negro de Taleb, o que NÃO sabemos é muito mais importante do que aquilo que sabemos. Por isso, devemos dar maior atenção ao anticonhecimento ou aquilo que não sabemos.

Ao estilo da antibiblioteca, conceito cunhado por Umberto Eco, ao realçar que uma biblioteca pessoal deve contemplar a maior quantidade possível de livros não lidos, que tratam de coisas que o dono não sabe. Para Eco, na sua biblioteca, os livros lidos eram menos valiosos do que os livros não lidos. Insistimos em reafirmar o nosso conhecimento e não a nossa ignorância. E, assim, ao levar a sério em demasia as coisas que sabemos, somos incapazes de compreender a probabilidade de surpresas, desconsiderando, quase sempre, a possibilidade de excepcionalidades.

No cemitério dos fracassados, ainda que sob lápides apócrifas, repousam pessoas que, comparadas a outras bem-sucedidas, no mundo dos negócios, compartilharam características como formação/habilidade em gestão, empreendedorismo, disposição para correr riscos, cultuadores de redes de relacionamento, otimismo, etc., denotando que, estão naquele Campo Santo, e tudo leva a crer, por mera obra do acaso.

Até pode ser, mas CEOs desastrados, alheios ao inesperado ou acostumados a obter sucesso correndo riscos, sem qualquer preocupação com estratégias de hedging (cobertura de risco), em meio a crises econômicas, podem dar causa à ruina de muitas empresas. Sobre esses, os ghost writers não escreverão livros contando as suas histórias de insucessos. Idem no mausoléu dos adoradores de Giacomo Casanova, o lendário sedutor e pretenso intelectual, cuja sorte, de fazer inveja, para escapar de situações comprometedoras e perigosas, pela chegada inadvertida de um marido traído, travestido de Cisne Negro, pode ter faltado e selado o destino de muitos que descansam naquele jazigo.

As nossas limitações epistêmicas, acrescidas de arrogância e preconceitos, ao nos impedir de discernir que ausência de evidências de risco não é a mesma coisa que evidências de ausência de risco, nos fazem vítimas preferidas dos Cisnes Negros.

Autor: Gilberto Cunha. Também escreveu e publicou no site “Astério, o cego”: www.neipies.com/asterio-o-cego/

Edição: A. R.

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