Quando dizemos que estamos vivendo um novo obscurantismo religioso, facilitado pelos meios de comunicação e pela indústria das fake news, as ideias de Descartes se apresentam como um facho de luz para indicar caminhos que nos ajudem a enfrentar as terríveis trevas que acreditávamos ter superado.
Podemos dizer que a filosofia de René Descartes (1596-1650) inaugura de forma mais acabada o pensamento moderno propriamente dito. Tal pensamento foi longamente preparado pelo humanismo renascentista representado por Erasmo de Rotterdam e Thomas More, pelas concepções científicas de Giordano Bruno e Galileu Galilei e pela visão prática de conhecimento dos empiristas ingleses. Mas Descartes é certamente o mais lembrado quando se fala do sentido da modernidade e da forma como esse brilhante pensador rompe com uma forma de compreender o mundo e inaugura uma nova forma de fazer filosofia.
O tempo de Descartes é um tempo de profunda crise da sociedade e da cultura europeias; um tempo de transição que rompe com a tradição feudal e inaugura uma nova tradição não mais baseado na autoridade da divindade, mas na autoridade da razão. A decadência do sistema feudal e o surgimento do mercantilismo trazem uma nova ordem econômica baseada no comércio, na livre iniciativa e no individualismo. Na arte, os efeitos do renascimento possibilitam não só retomar os valores da Antiguidade clássica, mas também propor uma cultura leiga, secular e mesmo de inspiração pagã.
Descartes nasceu na França, de família pertencente à pequena nobreza, estudou no colégio jesuíta de la Flèche e onde se tornou um exímio conhecedor da matemática e das principais ciências valorizadas na época.
Homem de seu tempo, viajou por diversos países da Europa, engajou-se no exército onde foi soldado combatente, foi aliado tanto dos católicos quanto dos protestantes, foi homem da corte e habitante da província, pensador solitário e correspondente da intelectualidade europeia, autor de um manual de esgrima e de uma das mais profundas obras de metafísica da modernidade.
O projeto filosófico de Descartes constitui uma defesa do modelo de ciência inaugurado por Copérnico, Kepler e Galileu contra a concepção escolástica de inspiração aristotélica que vigorava nas escolas de formação da qual ele mesmo frequentou. Em sua obra O discurso do método, faz uma defesa desse modelo mostrando que a nova ciência se encontra no caminho certo, ao passo que a ciência antiga havia adotado concepções falsas e errôneas.
Para Descartes, o bom senso, isto é, a racionalidade, é natural em todos os homens, mas nem todos são capaz de fazer uso adequado da razão e assim aplicam de forma incorreta o conhecimento, causando inúmeros problemas e falta de discernimento sobre as escolhas melhores. Por isso, a finalidade do método é para o pensador francês a forma de colocar a razão no bom caminho, evitando o erro.
O método se constitui num conjunto de regras e princípios que possibilitam garantir o sucesso do conhecimento e a elaboração de uma teoria científica que nos ajude a vencer o mundo das sombras.
“Penso, logo existo”, do latim “Cogito, ergo sum” é uma das mais importantes e célebres expressões filosóficas ditas por Descartes, pois representa para ele o fundamento seguro para a construção do “edifício do conhecimento”.
Em tempo de notícias falsas, da manipulação realizada pelos grandes meios de comunicação, do fanatismo religioso e político, da forma como as pessoas são facilmente enganadas por falsas ideologias, a indicação do “pensar” cartesiano se torna um antídoto poderoso para neutralizar o falso pensamento que se anunciam em todos os lugares.
Quando dizemos que estamos vivendo um novo obscurantismo religioso, facilitado pelos meios de comunicação e pela indústria das fake news, as ideias de Descartes se apresentam como um facho de luz para indicar caminhos que nos ajudem a enfrentar as terríveis trevas que acreditávamos ter superado.
Autor: Dr. Altair Alberto Fávero – altairfavero@gmail.com
Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF, autor da crônica “O pensamento faz a grandeza do ser humano”: https://www.neipies.com/o-pensamento-faz-a-grandeza-do-ser-humano/
Edição: A.R.