O consumismo e a corrupção das crianças

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De que forma estamos educando nossas crianças para o espírito do Natal? As festividades de final de ano não poderiam ser algo diferente do que simplesmente correr às compras, comprometer boa parte do orçamento em gastos desnecessários?

Estamos próximos de comemoramos as festas de Natal e Ano Novo. Como já estamos “acostumados”, novamente o tempo frenético das compras, corrida às lojas, presentes, promoções, parcelamentos, propaganda intensa, brinquedos, eletrodomésticos, Papai Noel, espumantes, fogos e todo tipo de chamamento para o ápice do consumismo.

Os noticiários televisivos fazem referência aos índices de vendas, horários alternativos para as compras, felicidade de receber presentes e todos os outros acréscimos que se repetem a cada ano. Diante deste clima festivo, dificilmente nos damos conta que estamos sendo “condicionados” e “absorvidos” pela cultura do consumismo que tomou conta de nosso modo de viver, da maneira como nos relacionamos e da forma como gastamos o que ganhamos com nosso suado trabalho.

No livro Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos, traduzido para o português em 2007, o teórico político americano Benjamin Barber fala do ethos infantilista que tomou conta da sociedade contemporânea. Para Barber, o ethos infantilista tem tanto poder de moldar a ideologia do comportamento de nossa sociedade radicalmente consumista quanto o poder que a ética protestante teve para moldar a cultura empreendedora nos primórdios da sociedade capitalista moderna.

A tese de Barber é de que o hiperconsumismo que está tomando conta de nosso modo de viver constitui uma real e perigosa ameaça à democracia, à responsabilidade e à cidadania. Trata-se de uma ameaça à sociedade democrática porque além do ethos da infantilização não produzir cidadãos adultos responsáveis, está promovendo a perversão e a corrupção da infância. De que forma isso acontece? Por que o consumismo corrompe as crianças?

Na análise de Barber, vivemos hoje a fantasia de Peter Pan invertida. Todos conhecemos o desenho animado em que o herói Peter Pan não quer crescer e por isso foge para a Terra do Nunca. Crescer para Peter Pan significaria enfrentar o fardo da vida adulta responsável: emprego, família, trabalho, responsabilidades. “Eu não quero crescer, eu não quero ser homem”, exclama Peter com convicção. E conclui: “quero ser para sempre um menino e me divertir”.

Para Barber, os especialistas em modernos merchandising também não querem que Peter cresça: não para preservar sua inocência, não para preservá-lo do mundo do comércio, mas sim, para torná-lo cliente leal, para explorar sua suposta “autonomia” de comprar tudo o que estiver ao alcance das mãos ou que o dinheiro dos adultos possa pagar, e assim promover uma diversão sem fim que produz crianças cada vez mais estressadas e dependentes de medicação para conviver socialmente. “Voe para a Terra do Nunca (Shopping) Peter”, exclamam os mantenedores profissionais do ethos infantilista; “estamos esperando por você com tudo aquilo que o dinheiro possa comprar”; “deixe seus pais para trás, mas assegure-se de trazer com você sua carteira de dinheiro para comprarem tudo o que desejarem”.

A análise assustadora de Barber poderia provocar nosso pensamento para questionar algumas atitudes que simplesmente nos acostumamos a vivenciar sem refletir: de que forma estamos celebrando as festividades de final de ano? De que forma estamos educando nossas crianças para o espírito do Natal? As festividades de final de ano não poderiam ser algo diferente do que simplesmente correr às compras, comprometer boa parte do orçamento em gastos desnecessários?

Em termos educacionais, em vez de simplesmente abraçar a narrativa de que “a escola deve preparar para o mercado de trabalho cada vez mais competitivo” ou de que “cada um pode ser empreendedor de si mesmo”, não deveríamos ajudar nossas crianças e jovens a ter a capacidade crítica de dar-se conta que talvez devemos rever nosso modo de vida?

Talvez seja urgente dar-se conta, criar uma conscientização coletiva que a “vida cidadã” não se resume em ter dinheiro para gastar em tudo o que nos é oferecido pela sociedade consumista com a promessa de felicidade. O trabalho não deve servir apenas para ganhar dinheiro para consumir ou ter uma ocupação.

É possível pensar um modo de vida diferente do que estamos acostumados a viver, começando pela forma como escolhemos nossas prioridades, sobre o que realmente importa para ter uma vida melhor, mais saudável, mais pensante.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: Alex Rosset

altairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado em Educação – UPF

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