No debate entre ciência e religião, em geral, sobressaem-se posições antagônicas, a favor ou contra, especialmente quando, no centro das discussões, está o confronto evolucionistas versus criacionistas, que, ao fim e ao cabo, tudo parece se resumir.
O assunto, por mais apaixonante que possa parecer, não dispensa a necessidade de reflexões um pouco mais aprofundadas, quer seja em manifestações de concordância ou de discordância, em favor de um lado ou de outro.
Afinal, é possível conciliar a prática científica com a fé religiosa?
Uns dizem que sim e outros, obviamente, que não. No grupo dos cientistas que trabalharam no mapeamento do genoma humano, por exemplo, Francis Collins é, declaradamente, um cristão fervoroso, e Craig Venter é taxativo em afirmar que não é possível alguém ser um cientista de verdade e acreditar em Deus. Quando um cientista passa a acreditar em Deus ele deixa de fazer a pergunta certa, segundo ele. Creig Venter diz que não acredita em Deus, mas tem fé em Darwin.
O caso Galileu Galilei e, aos olhos de hoje, a abominável condenação que sofreu dos tribunais da Inquisição, no século XVII, que o obrigava, inclusive, a recitar sete salmos penitenciais uma vez por semana durante três anos, é interpretado, por muitos, como exemplo de que o conflito entre ciência e religião é inevitável. Esses, em maioria, costumam rotular a comunidade científica como de mentalidade aberta e a comunidade religiosa como de mentalidade fechada. Nada mais falso que isso. Há exemplares destes espécimes tanto na comunidade científica quanto na religiosa.
Quem conhece a comunidade científica de perto, talvez até concorde que o conservadorismo na ciência é um lugar mais comum do que se pensa, especialmente nos chamados colégios invisíveis, cujos membros, apegados a visões disciplinares, não medem esforços para aniquilar quem pensa ou age diferente das suas (deles) visões corporativas.
O conflito entre ciência e religião, certamente, não é inevitável, até porque quem está em ascensão no mundo contemporâneo é a ciência e não a Igreja de Roma, apenas para confrontar com os tempos áureos da Inquisição.
Também é falsa a crença de que a prática científica é baseada exclusivamente em experiências e testes envolvendo o mundo natural. Fique certo que apenas uma pequena fração daquilo que você conhece depende de observações próprias, quer seja um cientista ou exerça qualquer outra atividade.
A aprendizagem dá-se de muitas maneiras e o papel da ciência, que trata da sistematização do conhecimento, é mostrar que as coisas nem sempre são como parecem. É preciso acreditar, sem ver, em algo que é, aparentemente, implausível.
Tomemos como exemplos a teoria da evolução e a mecânica quântica (dualismo onda e partícula). A ancestralidade comum parece correta? Que teríamos eu e você em comum com aquele cãozinho que nos espreita sorrateiramente ou com aquela planta em cujo caule desce mansamente um caracol? De fato, cientificamente, as coisas não são como parecem.
Não lhe parece mais sensato aceitar o Gênesis e a criação do mundo e de toda a vida em alguns poucos dias de 24 horas cada um? Mais sensato e mais cômodo, acrescento eu.
Aceitar Darwin é tirar do homem o privilégio de ter sido especialmente criado, relegando-o a um mero descendente do mundo animal. Algo, para muitos, inaceitável diante do tamanho do nosso egoísmo.
A evolução não é um progresso previsível, que atua em prol de grupos e comunidades, avançando teleologicamente em direção a fins desejados. Ao contrário, lamento pela decepção, a evolução busca beneficiar o indivíduo (luta pelo sucesso reprodutivo, deixando maior descendência). É uma teoria clara do individualismo levado ao extremo, que nos mesmos moldes da “mão invisível do mercado”, na expressão clássica de Adam Smith, que acaba beneficiando toda a economia, também, biologicamente, a espécie, a partir dos indivíduos, acaba sendo privilegiada.
Deus, segundo dizem, escreveu dois livros. O livro da natureza, em que nos inserimos, e o livro das escrituras ditas sagradas. Pare e olhe para o céu, de preferência numa noite de Lua cheia. Depois de alguns minutos, é bem provável que você se conscientize da sua insignificância diante do cosmos e isso sirva para renovar a sua fé. Ou, alternativamente, procure o Dr. Freud para, em definitivo, romper com Deus.
(Do livro A ciência como ela é…, 2011)
Autor: Gilberto Cunha