Para Nanette Blitz Konig, minha eterna criança.
Em “Valsa para uma menininha”, o poeta Vinícius de Moraes nos traz os seguintes
versos “Menininha do meu coração / Eu só quero você / A três palmos do chão /
Menininha, não cresça mais não / Fique pequenininha na minha canção / Senhorinha
levada / Batendo palminha / Fingindo assustada / Do bicho-papão…”. Gosto de ouvir
esta canção, mas também me lembro das dores de muitas crianças incompreendidas no
mundo inteiro e isso dói no meu coração.
Hitler, o bicho-papão, matou criancinhas e as que se salvaram tiveram roubadas as suas
infâncias cheias de bonitezas e sonhos, e diferente da canção de Vinícius de Moraes,
elas não fingiam estar assustadas, elas viviam assustadas nos guetos e onde se
escondiam para não serem pegas pela polícia nazista.
Tantas crianças foram vítimas do nazismo e perderam seus pais, seus familiares e
deixaram para trás memórias e histórias de vidas que antes do nazismo era bonitas e
cheias de risinhos verdadeiros. O medo tomou conta delas naqueles vagões de trens
fétidos e cheios de uma gente assustada clamando a Deus pela salvação, por algum
milagre, por piedade e orando em voz alta para que não fosse morta.
Crianças foram arrancadas dos seus pais, outras foram colocadas para trabalhos
forçados e ainda tiveram aquelas que foram levadas para câmeras de gás ou fuziladas
sem a menor piedade. Uma maldade que chega a doer, a dar medo, a nos assustar
terrivelmente nas noites de insônia e quando lemos os vários depoimentos dos
sobreviventes hoje com mais de noventa anos de idade e poucos ainda vivos.
Já escrevi sobre esta temática em outra publicação neste site: www.neipies.com/as-
criancas-de-auschwitz/
Já escrevi sobre esta temática em outra publicação neste site: www.neipies.com/as-criancas-de-auschwitz/
Ainda há pouco completamos oitenta anos do holocausto e o mundo inteiro viveu de novo as memórias tristes contadas pelos seus sobreviventes. A história não pode ser repetida nunca mais. Eles ainda estão vivos para nos lembrarem dos seus sofrimentos e dores. Nós precisamos acordar para um futuro melhor e cheio de sonhos às nossas crianças sem discriminação ou preconceito.
Crianças não somente judias, mas filhas de ciganos ou aquelas que não eram consideradas de raça pura alemã foram brutalmente mortas ou castigadas pela polícia nazista. Algumas serviram para experimentos científicos horríveis. O medo corria pelos seus pequeninos olhos assustados daqueles soldados de cara fechada que as levavam para serem mortas sem a menor piedade ou misericórdia. Eles diziam seguir ordens. Matar criancinhas para eles não era mal nenhum, pois as ordens vinham de seus superiores e eles apenas as cumpriam.
Um raro soldado salvou uma criancinha da polícia nazista escondendo-a no galinheiro da sua casa. O professor dono de um orfanato de quem sou fã verdadeira Dr. Janusz Korczak que escreveu o livro “Como amar uma criança” não deixou as suas sozinhas e quando elas foram presas ele também foi junto e morreu ao lado delas. Talvez o amor exista, ele existiu no coração do Dr. Korczak. Ele existe nos corações de professores que dão as suas vidas pelas crianças em atos terroristas como a professora Heley de Abreu Silva Batista de Janaúba em Minas Gerais.
O dia a dia das crianças judias que viviam escondidas da polícia nazista não tinham o direito de ir à escola ou brincarem em parques e praças. Viviam escondidas como Anne Frank a desenharem e lerem alguns livros que seus protetores lhes traziam. Os esconderijos eram os mais diversos até mesmo dentro de barris de madeira.
I
Nos campos de concentração, as criancinhas guardavam os seus brinquedos com afeto e como se fossem algo a que podiam se apegar na hora de dormir para esquecer a dor e a saudade dos pais e demais familiares. Os nazistas castigavam as crianças mais fracas imprensando suas unhas contra alicates. Elas tinham as cabeças raspadas para não criarem piolhos e tomavam apenas uma sopa horrível que mal servia para nutrir seus corpinhos, por isso muitas morriam de desnutrição.
As criancinhas tiveram que conhecer a morte de perto ao verem seus pais serem fuzilados nos campos de concentração. Nem quero lembrar do sofrimento do Primo Levi em depoimento no seu livro autobiográfico “É isto um homem?” sobrevivente do holocausto que já era um adulto, fico a imaginar uma criança vivendo os mais terríveis sofrimentos dentro de Auschwitz.
Aquelas criancinhas que eram presas pelas ruas da Polônia, Alemanha e outros países que viveram o holocausto de perto, não sabiam o motivo de tanto ódio e violência pela polícia nazista quando tinham seus brinquedos tomados abruptamente das suas mãos e quando era levadas embora de perto dos seus pais. Elas choravam e isso causava raiva nos soldados que só sabiam castigá-las e xingá-las como se fossem culpadas por serem especiais com problemas emocionais e físicos, judias e ciganas.
Escondidas em orfanatos, escolas e igrejas que tinham piedade delas, as criancinhas choravam assustadas e perguntavam a todo instante por que não podiam voltar para casa ou onde estavam seus pais. Assim conta a história, assim dizem os sobreviventes, assim lemos nos livros e graças a Deus nunca mais deixaremos existir outro Hitler.
Essas crianças judias que viveram na época do holocausto viviam assustadas andando pelos guetos escondidas dentro de caixas ou caixotes que as escondiam, quietas, tremendo de medo, cheias de interrogação e sem saberem o motivo de terem que viver o tempo todo presas dentro de um galinheiro ou chiqueiro. Quem chora é porque sente a dor, o medo, a saudade… eu já chorei por tudo isso, mas nunca estive lado a lado com um sobrevivente do holocausto porque se Deus me permitisse este encontro daria um forte abraço e um urso de pelúcia para esta pessoa. Tantas crianças brutalmente mortas com fuzis, com falta de ar, desnutridas, vítimas de castigos severos! Tantas infâncias levadas pelo tempo e deixadas de serem vividas no acaso de um tempo bruto e malvado! Hitler parece que nunca foi criança e se foi ele não experimentou o amor de um pai ou uma mãe que o cuidasse verdadeiramente e o ensinasse a respeitar o próximo.
No dia em que comemoramos os oitenta anos da Memória do Holocausto, 27 de janeiro, devemos lembrar também que essa história não pode ser repetida como nos diz o filósofo Alain Badiou e devemos ficar vigilantes a todo instante. As crianças que foram mortas pela polícia nazista inocentemente mereciam uma vida plena e cheia de sonhos com príncipes e princesas, todavia, sofreram as mais brutais violências que um ser humano pode viver. Sem brinquedos, sem bolas de futebol, ursinhos de pelúcia, sem bonecas e sem pijamas elas dormiam em camas duras e lugares escuros. Elas não tinham vida de criança e nem de bicho, elas não viviam simplesmente. Estavam ali porque existiam como gente contando os dias para o sofrimento acabar. E que dor! E que dor!
Em seus dias de sol lindo as crianças não podiam brincar nos pátios ou parques porque poderiam ser presas pela polícia nazista a qualquer descuido, e por isso viviam escondidas em lugares desumanos onde mal podiam se mexer para correrem atrás de uma bola, não podiam criar gatos ou cachorros para não chamarem atenção dos nazistas e não podiam ver seus amiguinhos costumeiramente e viviam sozinhas…sozinhas.
Há dor estranha no meu peito quando falo de solidão e medo! Eu me sinto como uma criança assustada presa no escuro todas as noites quando apago as luzes e tento dormir… dormir enquanto criancinhas foram mortas brutalmente pelas mãos de soldados malvados… dormir… eu choro.
Anne Frank ainda pôde criar e ter a companhia do seu gatinho Mouschi, contudo muitas delas não podiam criar nenhum bichinho, pois eram escondidas por pessoas de bom coração que tinham medo de serem presas também e todo o cuidado era pouco para não deixar pistas à polícia nazista.
Se o tempo nos conta bem a história, a cada dia os sobreviventes do holocausto estão morrendo e já são poucos no mundo inteiro. Eu quero mandar um abraço apertado para criança que mora dentro dos seus corações. Talvez se eu disser para esses velhinhos e velhinhas que escaparam de tanto sofrimento possa levar um pouco de carinho e afeto aos seus dias de memórias cruéis e malvadas.
Outro dia estava lendo a biografia do poeta português Fernando Pessoa e não sei por que me veio a lembrança das crianças vítimas do nazismo, talvez por ele também não ter tido amiguinhos na infância, ter levado uma infância solitária ao lado da sua mãe sem a presença do seu pai. Penso que Pessoa reescreveu a frase famosa dos antigos navegantes para nos deixar uma mensagem “tudo vale a pena se alma não é pequena”. Que Deus salve as vítimas do holocausto que ainda estão vivas e que as nossas crianças sejam amadas sempre! Eu choro e as minhas lágrimas caem em cima do meu gato deitado aos meus pés. Deus nos abençoe!
Autora: Rosângela Trajano. Também escreveu e publicou no site “As crianças das guerras”: www.neipies.com/as-criancas-das-guerras/