O Ensino Médio na sala de aula da recuperação

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O grande aprendizado que escapa ao Ensino Médio
e, por isso, sua frequência à sala de recuperações,
é se assumir como etapa importante,
central, dos processos de ensino.


A sala de aula é um espaço privilegiado para desenvolver experiências, relações, conhecimentos, pesquisas, diálogos e comunicar a ciência e seus aspectos, visto que a totalidade – nas suas diversas compreensões – é sempre uma busca. Sala de aula, no sentido aqui expresso, não são apenas quatro paredes. Lembremos À sombra desta mangueira, de Paulo Freire e, também, de Aprender pela vida cotidiana, de Gilles Brougère e Anne-Lise Ulmann, entre outros não menos relevantes. 

O Ensino Médio é uma etapa da Educação Básica que expõe, com gravidade, as mazelas da educação pública no Brasil e, não diferentemente, no Rio Grande do Sul. Ao serem considerados índices como reprovações, abandonos, não matrículas e defasagens idade-série, pouco mais da metade da população de jovens entre 15 e 17 anos consegue estar na escola. O Ensino Médio está na sala de recuperação. Uma etapa que, como a particularidade psico-física da adolescência, implica a sociedade e seus indivíduos. 

Participar desse grande debate e estar inserido diretamente nesse horizonte de nebulosas compreensões, ações, distanciamentos, epistemologias, metodologias e, talvez, teleologias, responsabiliza, compromete e, simultaneamente, ativa o sentido da necessária ocupação dos espaços, da urgente inserção nos processos político-educacionais, do elementar protagonismo científico, cultural e social que é primordial redescobrir. Assim compreendo minha participação no RCGEM: o EM está na sala de aula em recuperação.

O contexto complexo da propositura dos referenciais para o Ensino Médio e a possibilidade de estar na redação do Referencial Curricular Gaúcho para o Ensino Médio, se colocam para mim, como possibilidades de diálogo mais intenso acerca da problemática do EM e, por decorrência, da Educação Básica e nesse sentido, de alguma forma contribuir com a sua construção.

Ciente, consciente e, mesmo, incapaz de alterar as grandes estruturas sistêmicas e hegemônicas que se impõem tanto na realidade macro quanto micro, a possibilidade de inserção no grande diálogo que implica o mundo da educação com suas pluralidades, dificuldades, mas também com suas responsabilidades e potencialidades, contribuir na linguagem, na elaboração de um texto com abertura democrática e, na minha ótica, ocupar um espaço e interferir nas processualidades que se distanciam das salas das/dos Professoras/es. Pode-se lembrar, neste sentido, de Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, ao ensinar as dimensões dos problemas que, talvez, não criados por nós, são globais e implicam uma ação local.

Como Professor da rede estadual do Rio Grande do Sul há 26 anos, aceitei o desafio para pensar a educação básica e especificamente o ensino médio no horizonte do conhecimento para todos e todas, da ciência, da emancipação; assumi a urgência de debater nosso ensino e suas metodologias a partir das juventudes, de suas demandas e de seus contextos. 

A vida, a existência dos indivíduos, a sociedade e a solidariedade, bem como a excelência intelectual e sentimental passam pelo protagonismo das/dos professoras/es, de cada indivíduo que vê a escola com desejo de saber.

Me senti comprometido e diretamente implicado em meu fazer pedagógico e com as juventudes, com os rumos e implicações da educação e, especificamente, do ensino e me envolvi nesse grande diálogo que pode salvar indivíduos e a sociedade. Mas que, para isso precisa estar consciente de que, conforme dados do PNAD (2015), somente 61% das juventudes brasileiras e 59% das juventudes gaúchas, concluem o EM; 12%, no Brasil, e 14%, no RS, deveriam estar cursando o EM e estão fora da escola; 24% das juventudes do EM, matriculadas no RS, trabalham durante o dia, enquanto 17% na média brasileira. Daquelas juventudes que não estão na escola, 44% estão trabalhando, no RS, e 33%, na média brasileira. Não bastasse isso, é preciso ainda compreender que 20,1% das juventudes do EM enfrenta a reprovação em escolas públicas, enquanto, apenas 5,1%, na rede privada (INEP, 2018). Mas é preciso pensar, também, que a rede pública acolhe 88% das juventudes das classes trabalhadoras, explica a Professora Dra. Jaqueline Moll (https://fb.watch/2j1x5pHrJH/ )

Realidades que fazem pensar, comprometem e impulsionam reflexões e ações. O compromisso ético-político e pedagógico com a educação e, especialmente, a escola básica da rede pública do Rio Grande do Sul, me move para contribuir nas instâncias disponíveis e desenvolver lutas para conquistar novos espaços de colaboração sem abandonar as convicções e o objetivo da qualificada escola pública que acolha a todas e todos com ensino satisfatório e realização pessoal. 

Compreendo que o compromisso com a educação não elimina os tensionamentos; antes, tem condições de expor as divergências, as pluralidades e diversidades do debate, das compreensões e, nesse campo, promover o diálogo que faz crescer, aponta limitações, dificuldades, ingerências e, desse modo, visualiza possibilidades propositivas. 

Tradicionalmente, os processos educacionais brasileiros não são dialógicos, por isso, não são políticos; são ideológicos e, daí, rumam para violências. É na política que ocorrem os debates para estruturação do sistema de educação, dos projetos para a sociedade brasileira e é nesta seara que aparecem as pluralidades, as diversidades, porque a política exige o debate e, enquanto tal, uma racionalidade dialógica com capacidade de dar voz às diferenças.

Outro problema histórico que tem afetado as construções democráticas no mundo da educação, é referente ao descaso com que professoras/es tratadas/os: mal compreendidas/os, incompreendidas/as, não recebem o reconhecimento merecido e, parecem, inclusive, não serem reconhecidos/as como agentes do Estado; não são incorporadas/os, envolvidas/as, nas processualidades que lhe são próprias. Desse modo uma categoria indispensável na construção social, sofre com a desprofissionalização pois é retirada do seu lugar. É tomada, em contrapartida, da desesperança e do desencantamento. Isso acontece sempre que a discussão educacional, pedagógica, do ensino, se processa distante dos quadros docentes e é delegada a alguns/algumas poucos/as especialistas, experts, como denuncia fartamente, Gaudêncio Frigotto.

A lógica do afastamento docente da centralidade dos debates que envolvem a educação afeta também a formação continuada e a democracia no pensar e decidir sobre os assuntos do ensino. A/O Professora/or perde protagonismo que, neste horizonte, é cidadania, emancipação. Ainda que paire uma concepção paternalista que delega, outorga, na sociedade, a educação precisa aprender novas lições e, o Ensino Médio, inclusive, de uma alfabetização com sentido dialógico, científico e relevante centralidade. 

O EM não pode se contentar em ser uma etapa de transição, pois grande parte das juventudes, lamentavelmente, não seguem seus estudos. O grande aprendizado que escapa ao EM e, por isso, sua frequência à sala de recuperações, é se assumir como etapa importante, central, dos processos de ensino. Uma etapa em si, não quer dizer, isolada, mas interrelacionada, especialmente, com as demandas das juventudes para compreender e enfrentar o mundo do trabalho. Isso implica não submissão ao mercado do trabalho e às precarizações decorrentes dos projetos neoliberais. Então surgem as juventudes do Ensino Médio que são caladas pelas estruturas do sistema e imposituras burocráticas. 

As vozes precisam ecoar, as demandas expressas, ouvidas e atendidas; as Professoras e os Professores, também. A comunidade, célula do Estado, precisa gritar e instituir canas efetivos, fóruns permanentes de diálogo. É preciso formar cidadãos e cidadãs para que a cidadania aconteça. E desse modo, assumir espaços, assumir a condição de profissionalização, de emancipação, pelos canais pedagógico, político, científico e afetivo.

Professoras e Professores se constituem nos processos, e processos são fronteiras de conhecimento, de autoconhecimento e de possibilidades. Constituir, então, implica consciência de si, do outro/a, do mundo, da contingência/ambivalência e da pluralidade. Me vejo nisso enquanto redator do RCG: uma espécie de Professor que precisa aprender junto com o EM, precisa recuperar junto; mas uma recuperação que opere pedagogicamente para salvar o EM, a escola pública e a educação.

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