Se as pesquisas apontam que o ensino remoto
está prejudicando a forma como os alunos compreendem
os conteúdos didáticos, imagine aqueles alunos especiais
que não ouvem, não veem e nem conseguem
aprender sem o auxílio do professor presencialmente.
Desde o início da pandemia, nosso ensino tem passado por grandes transformações. São professores se esforçando para aprenderem a dominar as novas tecnologias, são alunos de um lado procurando se concentrar diante das telas dos computadores durante quase cinco horas ininterruptas e são escolas fazendo de tudo para oferecerem o melhor possível à comunidade escolar. No entanto, uma parcela dessa comunidade tem sido parcialmente esquecida: os alunos especiais. Sim, são eles os mais prejudicados com o ensino remoto.
A distância por si só já nos traz sérios problemas de comunicação, imagine um deficiente auditivo assistir as aulas pelo computador sem intérprete e mesmo que haja o intérprete, o que na maioria das escolas do Brasil quase não existe muitas vezes a conexão da internet atrapalha essa comunicação com travamentos, luminosidade e tantos outros problemas que acarretam na dificuldade cada vez maior do deficiente auditivo ter o seu ensino-aprendizagem garantido. Ele até se esforça e muito para compreender o que está sendo ensinado, mas nem sempre consegue.
Necessitamos olhar com mais cuidado para as diversas deficiências que têm os nossos alunos. Aqui, refiro-me ao deficiente auditivo, mas também temos aqueles alunos com déficit de atenção, autistas, deficientes visuais e tantas outras deficiências que já conseguem ser bem cuidadas nas salas de aulas presenciais, mas no ensino remoto como tudo foi nos colocado de forma rápida e sem tempo para elaboração de planejamento parece que esquecemos dessas pessoas especiais que tanto necessitam de cuidados.
Quando falo de cuidados, não me refiro somente aos que vão dar condições de um ensino-aprendizagem adequado, mas cuidados também com as suas emoções, pois esses têm sempre mais dificuldades para se acostumarem com o novo. Se o novo nos afeta de maneira tal que chegamos a pensar em desistir de tudo, como vemos muitos alunos trancarem disciplinas porque não conseguem se adaptar ao ensino remoto, imagine para aquele aluno que não consegue acompanhar a aula porque a tela do computador trava e o intérprete fica congelado por minutos.
Devemos imediatamente nos preocuparmos com um ensino remoto que se preocupe com as pessoas especiais ou estaremos fadados a perdermos muitos alunos. A oferta de mais intérpretes às escolas, conexões com a internet mais velozes e computadores mais modernos poderia ser o caminho. Mas, também não adianta ter nada disso se os nossos professores não souberem o que vão ensinar a esses alunos remotamente. É preciso um plano de aula que consiga abranger a todos os alunos.
A deficiência física não deve em momento algum ser um empecilho para o ensino-aprendizagem, porém é o que estamos observando no ensino remoto. Alunos sendo desafiado pela distância com o professor, numa sala de aula virtual, onde o ensino tenta por várias formas se aproximar do real, mas falha e falha porque não temos tido um cuidado com esses alunos que tanto precisam de nós.
Conheço uma professora que tem um aluno com uma rara deficiência mental e física que mal consegue compreender o que é ensinado em sala de aula, esse aluno vai à escola para se socializar com os demais, porque assim estará exercitando o seu direito garantido por lei de estudar. A sua professora me contou que as aulas dele são diferentes das dos demais alunos. Ela não pode mandar vídeos para ele ver porque não entenderia nada. Então, ela prepara atividades por escrito e envia para escola que chama os pais ou responsáveis para levarem a atividade até o aluno. O problema é que na escola, a professora tem a didática e o cuidado de como ensinar a esse aluno, porém em casa ninguém sabe ou tem jeito de ensinar-lhe. Para os seus familiares ele só vai à escola para ficar junto das outras crianças, nunca aprenderá nada. Mas, para a professora dedicada ela sabe que, de uma certa forma, ele aprende quando ela o ajuda a fazer as tarefas mesmo com todas as dificuldades de movimentos físicos que ele tem devido a sua deficiência.
Vemos os nossos professores se reinventarem todos os dias para atenderem as necessidades dos seus mais diversos alunos, os cuidados sempre atentos ao ensino-aprendizagem, contudo nada pode ser feito se não tiverem apoio das coordenações e direções escolares. Tudo tem sido muito difícil para todos nós, e isso precisa ser entendido pelas autoridades educacionais. Não está sendo fácil se adaptar a um tipo de ensino que exige o tempo todo uma reinvenção de outros eus que nem sabíamos que existiam em nós.
De certa forma, conheço vários professores que estão se deslocando até as escolas para entregarem as atividades dos alunos especiais pessoalmente aos pais ou responsáveis, pois chegou-se a conclusão que o ensino remoto não consegue alcançar esses alunos no que diz respeito a aprendizagem.
Quando o professor mora perto da escola, não é do grupo de risco da covid-19 e pode se deslocar da sua casa com o mínimo de risco de ser infectado, ele faz isso para atender ao seu aluno especial que não consegue acompanhar o ensino remoto, ou seja, temos visto esforços por parte dos nossos professores e não são poucos desde que começamos nesse tipo de ensino, mas chegou um momento que exige maiores cuidados por parte dos gestores educacionais porque os alunos especiais estão ficando para trás no que diz respeito ao ensino-aprendizagem.
Se as pesquisas apontam que o ensino remoto está prejudicando a forma como os alunos compreendem os conteúdos didáticos, imagine aqueles alunos especiais que não ouvem, não veem e nem conseguem aprender sem o auxílio do professor presencialmente.
O cuidado à distância é completamente diferente do cuidado presencial. Se o aluno começar a chorar em sala de aula o professor poderá abraçar-lhe e acalmá-lo dizendo que logo tudo vai ficar bem, mas no ensino remoto ele só poderá dizer palavras que serão transformadas em bytes e viajarão por fibras ópticas.
As palavras nem sempre chegam com o mesmo carinho das palavras presenciais. Afinal, nós brasileiros gostamos de calor humano. E estamos acostumados a receber cuidados que ultrapassam conexões de alta velocidade, telas de computadores e sistemas de ensino que por mais bem elaborados que possam ser não nos tirarão nunca o desejo de sentir a presença do professor ao nosso lado.
Vamos criar um jeito de cuidar dos nossos alunos especiais com mais amor e mais respeito às suas dificuldades. Infelizmente, da minha turma de vinte alunos do curso de Inteligência Emocional que eu ministrava remotamente no início da pandemia, restam apenas três porque os demais não têm conexão wi-fi em casa, todos acessam pelos dados móveis dos seus aparelhos telefônicos sendo que um deles ficou de fora do curso porque é deficiente auditivo e não há intérprete para o curso. Eu perdi a minha turma no meio do curso. Sinto que perdi um pouco de mim em meio a tudo isso porque esforcei-me para oferecer esse curso aos meus alunos que tanto necessitam de cuidados emocionais.
Peço aos meus amigos professores que não desistam nunca dos seus alunos especiais e que busquem junto aos seus gestores e coordenadores uma forma de incluir esses mesmos alunos nas aulas remotas, apesar de todas as dificuldades que nós enfrentamos. Somos nós que salvamos todos os sonhos das nossas crianças e jovens. Continuemos salvando!
“Pela tela do computador abraço os meus alunos, mas um deles me diz que não é a mesma coisa do abraço presencial e manda um emoji triste para mim. Fico a pensar em quantos abraços deixei de dar nesses últimos cinco meses, em quantos desabafos e conselhos ficaram perdidos por trás da tela do meu computador”. Leia mais aqui.
Formidável, querida Danda! Trabalhei 20 anos com alunos especiais. Conheço essas dificuldades. A Pandemia prejudica essas crianças com esse atendimento remoto. Se durar muito, nem sei o que acontecerá. É difícil para professores e alunos.
Parabéns pela sua percepção e rico texto!