O que aprender e ensinar nas escolas a partir de tragédias ambientais como a do RS?

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Entendemos que a abordagem didática e pedagógica da tragédia ambiental no RS representa uma oportunidade única de construirmos sentido e relevância destes conteúdos nas salas de aula, trazendo elementos reflexivos que apontem possíveis soluções e ampliem a capacidade crítica e criativa dos nossos estudantes, razão maior da existência de nossas escolas.

Acreditamos numa educação contextualizada, que se importa e que trabalha, didática e pedagogicamente, temas emergentes e urgentes que impactam a sociedade, inclusive aqueles que surgem repentinamente, que podem estar fora dos nossos planos de trabalho ou planejamentos trimestrais ou mensais. É o caso da recente catástrofe ambiental que assola o sul do Brasil, impactando sob vários aspectos a economia, a vida social, cultural e educacional de nosso querido Rio Grande do Sul, do nosso querido e amado Brasil.

Nossas escolas não podem ficar alheias às realidades sociais e ambientais. Quando ocorrem eventos sociais ou ambientais que impactam a vida de nossas comunidades, precisamos ousar para incluir, efetivamente, este contexto como um tópico das discussões das nossas escolas, bem como uma interessante forma para nossos estudantes desenvolverem habilidades relevantes já previstas na nossa BNCC (Base Nacional Comum Curricular).

Este conteúdo pode ser abordado por diferentes componentes curriculares, por áreas de conhecimento ou mesmo constituir um trabalho de toda escola onde cada componente ou área de conhecimento colabora com uma abordagem específica. Se este conteúdo, da prática e da realidade social mais impactante e eminente não nos importa, o que nos importará?

A partir deste entendimento e convicção, decido socializar, neste ensaio, alguns apontamentos/sugestões de intervenção pedagógica, a partir de minha experiência vivenciada em salas de escolas públicas de anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Algumas sugestões e propostas foram sugeridas com colegas professores e professoras que, como eu, já ousaram trabalhar e problematizar o evento da tragédia ambiental que assola o RS em 2024 e das grandes e impactantes consequências para todos os gaúchos e gaúchas, brasileiros e brasileiras.

Lembramos que há habilidades específicas que versam sobre este tema. Citaremos algumas: (EF07CI08) Avaliar como os impactos provocados por catástrofes naturais ou mudanças nos componentes físicos, biológicos ou sociais de um ecossistema afetam suas populações, podendo ameaçar ou provocar a extinção de espécies, alteração de hábitos, migração etc. (EF09CI13):  Propor iniciativas individuais e coletivas para a solução de problemas ambientais da cidade ou da comunidade, com base na análise de ações de consumo consciente e de sustentabilidade bem-sucedidas.(EM13CNT301): Construir questões, elaborar hipóteses, previsões e estimativas, empregar instrumentos de medição e representar e interpretar modelos explicativos, dados e/ou resultados experimentais para construir, avaliar e justificar conclusões no enfrentamento de situações-problema sob uma perspectiva científica. (EF05GE10) Reconhecer e comparar atributos da qualidade ambiental e algumas formas de poluição dos cursos de água e dos oceanos (esgotos, efluentes industriais, marés negras etc.).

A educação ambiental está prevista em competência da BNCC, aparece entre as Competências Gerais: Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Enumeramos alguns tópicos que podem auxiliar os professores e professoras na organização de intervenções didáticas e pedagógicas.

1. Sensibilidade social do problema.

Percebemos que um grupo expressivo de estudantes ainda não está/ nem estão envolvidos e sensibilizados para a leitura, interpretação e intervenção do problema vivenciado no RS.

Os estudantes possuem, modo geral, informações muito superficiais, pouco refletidas e, muitas vezes, resultado de disseminação de Fake News, reproduzidas em diferentes redes sociais. Para tanto, necessitam de uma provocação para a leitura e estudo de matérias científicas e jornalísticas sobre o tema, para a socialização de informações e para o debate das questões que envolvem a maior tragédia ambiental já vivida no RS.

Sugestões de atividades:

Uma das maneiras de fazer esta sensibilização e aproximação com a realidade concreta das milhares de pessoas afetadas pela tragédia pode ser através da representação de imagens/desenhos/interpretação através da arte. Esta atividade rende muito para a formação da sensibilidade social do problema. Força os estudantes a buscarem imagens impactantes reveladas através da mídia e das redes sociais. Leva-os também a pesquisar pequenos textos ou imagens na internet, a fim de superarem a interpretação rasa dos fatos.

Estes trabalhos confeccionados pelos estudantes podem ser expostos em painéis no interior das escolas, bem como podem ser postadas em redes sociais utilizadas pelas comunidades escolares.

Outra estratégia é contar histórias ou convidar pessoas que já vivenciaram o drama de abandonar as casas, voltar para as casas para habitá-las novamente e recomeçar tudo de novo. Pode-se também assistir com estudantes pequenas reportagens que contenham relatos de pessoas/famílias que já passaram por esta realidade.

2.Problematização e aprofundamento de conhecimentos

Este tópico compreende a necessidade de eleger e elencar aspectos mais específicos para aprofundar e compreender a tragédia ambiental que ocorreu em nosso estado.

Sugestões de atividades:

No caso específico, estudar a geografia do nosso estado, as bacias hidrográficas, as estatísticas sobre o volume de chuvas, as cidades mais afetadas, os problemas e soluções já experimentados para sanar ou mitigar o problemas das enchentes. Envolve saber também qual é a dimensão do problema: número de mortos, quais são as populações mais atingidas, número de famílias desalojadas e fora de suas casas; número de pessoas diretamente afetadas, cifras e números sobre os custos da recuperação das áreas e dos estragados causados pela tragédia ambiental.

Pesquisar e problematizar sobre quais foram os eventos semelhantes que ocorreram no passado, que ações foram tomadas pelos governantes e como a população reagiu ao que aconteceu.

3.Intervenção e engajamento social

Este tópico representa o desafio do engajamento social, a partir do conhecimento adquirido e construído junto e com os estudantes. Pode prever ações concretas que envolvam atividades voluntárias, arrecadação de mantimentos ou comidas.

A depender da situação e do lugar onde moram os estudantes, pode resultar em visitas de conhecimentos a comunidades afetadas diretamente pela tragédia ambiental.

Pode suscitar também o estudo sobre alternativas para a mitigação de consequências de uma tragédia ambiental deste porte como tratamentos para obter água potável, retirada de populações e cidades inteiras de áreas de risco, ocupação do solo urbano e riscos iminentes por ocuparmos áreas de preservação ambiental ou muito próxima de mananciais, rios ou lagos.

Entendemos, por fim, que uma tragédia ambiental como esta vivida por significativa parte da população gaúcha tem muito a ensinar a todos, sejam professores e professoras, como também aos estudantes. Entendemos, também, que a tragédia representa uma oportunidade única de construirmos sentido e relevância destes conteúdos nas salas de aula, trazendo elementos reflexivos que apontem possíveis soluções e ampliem a capacidade crítica e criativa dos nossos estudantes.

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Atividade para Educação Infantil (sugestão do professor Marciano Pereira)

Habilidade EI03EO01 (Demonstrar empatia pelos outros, percebendo que as pessoas têm diferentes sentimentos, necessidades e maneiras de pensar e agir)

Utilizar a história “E a Chuva” da autora Sabrina Fuhr ou “Céu, Sol, Sul de ”Cristina Saling Kruel.

Acesse aqui: https://educacaointegral.org.br/reportagens/livro-gratuito-apoia-dialogo-com-criancas-sobre-as-enchentes-no-rio-grande-do-sul/

PASSOS:

  1. Passo: ler a história para as crianças
  2.  Passo: explorar as ilustrações da história (pode- se mostrar as ilustrações enquanto se lê/ conta a história).
  3. Passo: pedir para as crianças falarem sobre o que sentem quando chove? O que fazem em dias de chuva?
  4. Perguntar para as crianças sobre o que já sabem a respeito de enchentes, o que ouviram e ou viram.
  5. Solicitar que elaborem desenho sobre a conversa feita. Aínda podem utilizar massinha de modelar para expressar sentimentos despertados pela história.

É importante que as crianças expressem sentimentos vivenciados com a história e o contexto. Pode ser que algumas delas já tenham tido experiências relevantes em dias de muita chuva, e até mesmo enchentes.

Onde for viável a Escola pode motivar campanha de doações junto a famílias e a comunidade do entorno da Instituição. Se cada criança fizer uma contribuição, ela mesma fazer a entrega vai estar aprendendo de forma prática a empatia.

Para valorizar a atividade didática feita com as crianças, é possível utilizar os desenhos delas como peça para campanha de doação, publicar nas redes sociais da escola também é uma maneira de motivar o estudo do contexto e possibilitar a ressignificação das realidades.

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Outros subsídios para a leitura dos professores e professoras.

Gabriel Grabowski, professor e colaborador convidado do site já escreveu, nos alertando sobre o papel das escolas para a educação ambiental: “…todas as instituição de ensino, da educação infantil à pós-graduação, precisam, emergencialmente, se transformarem em espaços integrais de educação ambiental sustentáveis. Uma educação ambiental permanente, não neutra, crítica, integradora, prática, transversal, inter e multidisciplinar, vivencial e com participação da sociedade e da comunidade”. Leia mais: https://www.neipies.com/crises-climaticas-e-educacao-ambiental/

Professora Ana Lúcia Vieira, em ensaio publicado no site, afirma que “precisamos pensar estratégias harmoniosas entre teoria e prática, entre o que se diz e o que se faz, caso contrário, nossos estudantes não entenderão o propósito e a importância de tratar das causas ambientais, e a forma de agir deles permanecerá inalterada”. Leia mais: https://www.neipies.com/educacao-ambiental-por-etica-ou-por-etiqueta/

Gládis Pedersen, pedagoga, tratando sobre a importância do cuidado com o Planeta Terra aponta que “atividades planejadas adequadamente, de forma multidisciplinar e interdisciplinar, enriquecem o processo ensino aprendizagem na escola. Encontramos, na Base Nacional Curricular Comum, entre as competências do Ensino Religioso que o aluno deve: “Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza enquanto expressão de valor da vida”. Leia mais: https://www.neipies.com/a-terra-nossa-mae-comum/

Rosângela Trajano, a partir de preocupação de como falar com as crianças sobre o clima, escreve:faça com que as crianças reflitam sobre clima e natureza e levantem questões críticas, de posicionamento favorável a proteção do meio ambiente e com mais rigor a quem prejudica a natureza. Crie uma cartilha de boas práticas junto a natureza”. Leia mais: https://www.neipies.com/como-falar-sobre-o-problema-do-clima-com-as-criancas/

Imagens: desenhos/gravuras feitos por estudantes da EMEF Zeferino Demétrio Costi e Instituto Estadual Cecy Leite Costa durante aulas da semana (06 a 10/05/2024)

Autor: Nei Alberto Pies, professor, escritor e editor do site.

Edição: A. R.

1 COMENTÁRIO

  1. Um tema bem pensado, também acredito que podemos fazer um trabalho de conscientização com os alunos, de maneira que eles possam refletir sobre o que está acontecendo no RS e por que acontece. Dando aos mesmos a oportunidade de trocarem ideias e pensarem em tomadas de atititudes como didadãos gaúchos para que alivie o sofrimento das pessoas afetadas. Abre um leque de atividades em sala de aula. Obrigada, Professor Nei!

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