O que o mangue pode ensinar às crianças?

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No mangue, e a partir dele, as crianças podem aprender muitas coisas bacanas e serem instigadas a pensar de forma reflexiva sobre o cuidado com o planeta e a natureza.

Moro perto de um mangue bonito, desde minha infância. Foi nele onde aprendi a tornar-me mulher, sim, porque como disse a nossa filósofa Simone de Beauvoir, ninguém nasce mulher: é preciso uma força exterior, algo além de si, algo que vem do desconhecido, algo que surge do inquieto para tornar-se mulher além do que está escrito no registro civil.

O mangue me fez ser assim meio mulher desobediente às regras de uma sociedade que todos os dias me cobrava uma beleza física da qual eu não dispunha. Nunca aprendi a andar de salto alto porque meus pés cheios de calos e cortes se acostumaram a pisar na lama do mangue.

O meu mangue ainda resiste às ações humanas. Apesar das construções desenfreadas, do desmatamento, do aterramento e do lixo jogado todos os dias nas suas águas, ele resiste e me proporciona horinhas felizes onde eu posso poetizar vendo um caranguejo passear pelas suas raízes vermelhas, um chama-maré vir me desejar boa sorte ou um peixinho vir brincar comigo.

O meu mangue ainda tem vida e é nele onde renasço todos os dias quando o sol surge e corro para vê-lo se ainda está feliz, sim, porque ser feliz hoje em dia para o meu mangue é uma questão externa e vai além do que ele sente. O homem tem a felicidade do meu mangue nas suas mãos.

No mangue, as crianças podem aprender muitas coisas bacanas e serem instigadas a pensar de forma reflexiva sobre o cuidado com o planeta e a natureza. É preciso uma educação de respeito ao meio ambiente.

A educação ambiental inicia como educação da uma interioridade que gesta a sua comunhão com a exterioridade. E se faz consciência da pertença à teia da vida, em conduta amorosa e ativa, religando o cuidado de si ao cuidado com o derredor. Quem ama, cuida. Não porque necessita cuidar, mas porque deseja”. (Sérgio Augusto Sardi) Leia mais!

As nossas crianças precisam, urgentemente, saber que não se deve jogar lixo nas ruas e nem poluir os rios e mares com garrafas plásticas. Fico triste quando preciso entrar no meu mangue para tirar tanto lixo que as pessoas da minha comunidade jogam dentro dele. Tiro sacos e mais sacos de lixo todos os dias.

Vejo o mangue chorar com tanto lixo. Vejo a vida dos bichinhos serem perdidas por causa da poluição do lixo. Não podemos permitir que continuem invadindo o mangue dessa forma.

É importante que professores, pais e responsáveis ensinem às suas crianças que os mangues são ecossistemas que trazem muitas vidas frágeis. A fauna e a flora do mangue são importantes para a sustentabilidade da natureza.

Devemos educar desde cedo às crianças que moram próximas do mangue a não pescarem caranguejos fêmeas, também, pois poderemos contribuir para a extinção desses bichinhos. Também devemos ensinar às crianças que moram longe do mangue e até mesmo para aquelas que nunca conheceram um sobre a sua importância para as populações que moram em seu entorno de onde retiram os seus alimentos todos os dias.

Chamo atenção dos professores para conscientizarem os seus alunos a preservarem os mangues, pois são lugares onde existem muitas vidas e que se houver um desiquilíbrio ambiental corremos o risco de nunca mais vermos esses bichinhos passeando pela lama que hoje é suja e fétida devido a poluição que se instalou nesses locais onde antes eu podia passear de canoa com os meus pés descalços sem me preocupar de que me cortaria num caco de vidro.

Sim, o mangue está cheio de garrafas de vidro, de vasos sanitários velhos, de escombros e restos de materiais de construções. Quem está sujando o mangue? Nós, os humanos que reclamamos do calor, do tempo que ora esquenta ora esfria e nunca sabemos direito como vai ficar o dia. Por quê? Porque mexemos desenfreadamente na natureza.

Na infância, quando saía da escola a primeira coisa que eu fazia era correr para o meu mangue junto com o meu tio amado que me levava para passear de canoa. Havia muitos caranguejos naquele tempo no meu mangue, muitos camarões, muitos gaviões e urubus, alguns guaxinins e dezenas de chama-marés, lembro-me bem do tesoureiro que cortava as folhas do mangue para se alimentar.

Naquela época o mangue era enorme, parecia um outro mundo. Era um mundo só meu onde eu podia ser a sua princesinha. A coisa que eu mais gostava de fazer naquele passeio com o meu tio era cuidar dos caranguejos pequenos que não conseguiam subir nas raízes das plantas e eu, cuidadosamente, os ajudava a chegar lá no alto perto dos seus pais. Eu era a menina mais feliz do mundo no meu mangue.

Os professores podem ensinar aos seus alunos a como cuidarem do mangue através de vídeos, aulas passeio, ilustrações, poesias e tantos outros materiais que podem se tornar didáticos e ensinarem de uma forma lúdica a preservação desse ecossistema tão importante ao meio ambiente.

Sei que tem poucas poesias sobre o mangue para as criancinhas poderem assimilar com mais facilidade esse conhecimento, mas podemos mostrar para elas através de figuras dos bichinhos que vivem no mangue o quanto eles são importantes às nossas vidas. Do mangue muitas pessoas tiram os seus alimentos, e isso deve ser mostrado às crianças através da contação de histórias que envolvam marisqueiras e catadoras de caranguejos.

Tudo o que tem vida merece respeito. No mangue há uma diversidade de vidas. Os professores podem ensinar aos seus alunos através de vídeos como essas vidas surgem no mangue e o que elas significam para as nossas vivências.

Muitas vezes, a criança não sabe que o camarão que ela come nasceu num mangue ou que um bom goiamum comido numa barraca de praia veio do mangue também. É preciso educar a criança para preservar o mangue das ações humanas que cada vez mais estão o afetando. Se a criança puder fazer algo em prol da sua preservação já estará contribuindo para um mundo melhor e todos nós queremos que o mundo se torne melhor mesmo aqueles que acham fazerem algo quando na verdade só nos causam problemas desflorestando os nossos mangues para construírem casas dentro deles.

Na minha meninice, eu tinha um lugar na canoa do meu tio e um pequeno remo. Eu remava a canoa com os meus bracinhos frágeis e ia entrando mangue adentro à procura de dragões e unicórnios, mas me dava conta que ali existiam bichinhos mais especiais que precisavam da minha ajuda.

Vi, certa vez, um cardume de Tainhas pularem à frente da nossa canoa e quis pegar umas para mim. Eu sentia fome naqueles tempos, pois não tinha comida em casa. E o meu tio muito gentil pegou três Tainhas para eu almoçar naquele dia maravilhoso. Depois daquele dia, descobri que podia trazer comida para casa e alimentar a minha mãe e os meus três irmãozinhos menores. Eu tinha apenas oito anos e uma responsabilidade enorme pela frente.

No mangue, as crianças aprendem que se sujar faz bem à saúde. Aquela criança que vive presa dentro de casa e nunca brinca na areia corre sérios riscos de ter a sua imunidade baixa, ao contrário da criança que mora perto do mangue e se suja de lama, nada nas águas do rio, enfrenta o sol e a chuva para catar os seus caranguejos que se escondem dentro de buracos profundos. A mãozinha vai lá dentro do buraco e com jeito traz o bichinho para fora que servirá para o alimento do dia.

Não estou dizendo aqui que toda criança deva se sujar de lama para ser saudável, mas que um pouco de contato com a natureza propicia o desenvolvimento de um sistema imunológico muito mais forte para o corpo.

Crianças devem conhecer de perto a natureza. Se, desde cedo as crianças aprenderem que os mangues são locais de onde muitas famílias tiram os seus alimentos e precisam deles para continuarem vivendo, claro que elas terão cuidado de os preservarem, porque é desde a tenra idade que formamos o nosso espírito para o bem, ou seja, atentamos para as coisas que precisam de nós, da nossa compreensão e respeito.

Respeitar o mangue é uma questão de ética e não só ambiental, por isso esse respeito deve ser trabalhado de forma interdisciplinar.

Os professores que adotam nas suas aulas materiais didáticos de preservação ao meio ambiente também podem incluir nesses materiais novas formas de ensino-aprendizagem sobre a preservação dos nossos mangues e a importância dos mesmos para o meio ambiente. É o que peço. É o que espero de um ensino muitas vezes que é pautado em currículos que nunca servirão à vida prática da criança e até mesmo da sua vida adulta.

Muitas vezes vi o sol de pôr no mangue. Eu sabia que era hora de voltar para casa, mas queria colocar o mangue para dormir antes de deixá-lo sozinho. Depois de amarrar a canoa junto com o meu tio num tronco de árvore, sempre dava um último olhar para o mangue para saber se ele estava dormindo mesmo e como via os caranguejos, siris, ostras, chama-marés e goiamuns tudo quietos sabia que podia ir pra casa feliz.

Ah! Se toda criança tivesse um mangue pertinho da sua casa assim como eu tenho. Àquelas que vivem em prédios e condomínios fechados podem ser presenteadas pelos seus professores, pais ou responsáveis com um passeio por esse ecossistema maravilhoso com tanta coisa linda para se conhecer!

Vale a pena conferir o que o mangue tem de bonito pra nos mostrar! Eu sou a princesinha do meu mangue… você, professor, não quer tornar os seus alunos príncipes e princesas de um mangue também?

Vamos incentivar as crianças a adotarem um pedaço da natureza para que possam ter responsabilidades e cuidados para com ela, pois cada um de nós devemos desde cedo aprendermos a cuidar das coisas ao nosso redor e termos deveres para com o nosso planeta.

A vida nos mangues pede passagem. Eu cresci, mas nem por isso deixei de ser a princesa do meu mangue. Seja você, o príncipe ou princesa da natureza mesmo que ela só possa ser vista pela tela do computador. Há formas de transformarmos bits e bytes em grama verde e lama de mangue. Tente descobrir uma. Ame o mangue!

Em outra reflexão publicada no site, escrevemos:A natureza tem uma alma pura, mas que se amedronta diante do olhar do homem, e reage como o tigre em ameaça. Não duvidemos da bravura da natureza. Duvidemos da sua ação”. Leia mais!

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

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