O sentir é uma forma de saber das árvores

1782

Vivemos num corre-corre desenfreado. Não temos tempo mais para conversarmos e sentirmos as árvores.

Para que não soframos com as suas melancolias e tristezas em relação às nossas ingratidões é que as árvores fingem, assim como diz o poeta português Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.” O resto é madeira e folhas secas que só servem para lenha e sujarem as ruas, respectivamente, como pensam muitos “humanos” não humanos demais.

Mesmo sentindo as lágrimas caírem pelo tronco e pelos galhos, as árvores se balançam e continuam dando frutos como se nada tivesse acontecido enquanto nós, homens e mulheres, apenas passamos por elas, apenas passamos e passamos ausentes até mesmo de nós.

O nosso sentir é algo estranho à natureza e lúcido apenas para os ímpios e ignorantes. Sim, a ignorãça, para fazer uso de um neologismo do poeta Manoel de Barros, é uma coisa não efêmera e cara às almas dos não virtuosos.

O filósofo grego Platão diz que a alma traz consigo desde o seu nascimento um conhecimento prévio, a priori, que lhe permite a identificação do objeto, o chamado conhecimento inato. Tais conhecimentos são as ideias ou formas, que residem no mundo inteligível, fora do tempo e do espaço.

Não poderia ser diferente com as árvores. Elas também trazem conhecimento desde o momento em que nascem e vão aprimorando esse conhecimento através das suas vivências e experiências quando se relacionam com os homens e se auto relacionam.

O saber das árvores diferentemente do dos homens não é empírico, ou seja, não é o das academias onde se ensinam as diversas ciências, mas um saber do senso comum. O que não descarta a sua utilidade e a sua capacidade de se tornar sábia.

Há quem diga que o conhecimento do senso comum é ingênuo, porém as árvores são dotadas de uma inteligência que ainda necessita de investigação e são capazes de identificar pessoas dos mais diversos conhecimentos e com elas conversarem. Os homens sérios acham que as árvores não vão lhes compreender se falarem com elas sobre negócios, bolsas de valores, mercados imobiliários ou até mesmo globalização.

As árvores podem ser as nossas mestras se assim as aceitarmos. Elas conhecem coisas mais profundas do que a gente. Elas sabem das estrelas, do sol, da lua, do Universo por completo. Estão sempre atentas aos mais diversos acontecimentos do mundo e prontas para nos ajudar naquilo que necessitarmos. Assim como nós cada uma delas tem a sua área de atuação.

Não se admire se uma árvore lhe der uma ideia de como realizar um cálculo de uma raiz quadrada. A forma como transmitem os seus conhecimentos se concebe na energia cósmica que vem das profundezas das suas raízes e são transmitidas para nós quando por elas passamos. Existe uma troca de saberes entre as árvores e os homens inteligentes que não se identifica apenas numa realidade supérflua, mas numa metafísica que se constrói entre raízes e cérebro, expandida no pensar autônomo desses seres.

Não é à toa que uma árvore derrubou uma maçã na cabeça de Isaac Newton. Muitas das descobertas científicas não aconteceram por acaso, mas são sustentadas por histórias incríveis. A teoria da gravidade, por exemplo, foi formulada depois que uma maçã caiu sobre a cabeça de Isaac Newton, em 1666. A árvore que deixou a maçã cair na cabeça de Isaac Newton já tinha este conhecimento e encontrou uma forma prática de passar para ele o que já sabia.

Nós temos a mania de acharmos que somos as únicas criaturas inteligentes no Universo. Não somos nada humildes. Somos orgulhosos e ambiciosos. Esquecemos que perto da gente há animais e florestas capazes de aprenderem e nos ensinarem muitas coisas para as quais ainda não despertamos.

Ficamos presos nos nossos laboratórios, escritórios ou até mesmo nos observando, quando na verdade as árvores poderiam ser usadas como fontes de transmissão e apreensão de conhecimentos.

Os poetas são inspirados pelas árvores junto com os pintores. Esses sabem valorizar os conhecimentos que as árvores lhes oferecem. E assim como no mundo, existem milhares de poetas nas florestas e também existem milhares de árvores que sabem fazer da poesia a sua mais bela arte.

Não há coisa melhor do que sentar-se embaixo da sombra de uma árvore para ler um livro ou simplesmente para descansar fechando os olhos e imaginando outro mundo. Neste momento, as árvores se conectam conosco e nos passam informações valiosas sobre os seus mundos e sobre o que pensam em relação a nós.

Sentir as coisas de todas as formas e intensamente, sentir como se fosse sempre a primeira vez, e como dizia o poeta português Fernando Pessoa “sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.”

Vejam só que coisa bonita nos diz o poeta sobre o Universo. Sem as ideias no mundo, as árvores costumam criá-las e nos doam como se fossem presentes para o nosso bem-viver.

Façamos todos uma pausa nos nossos dias corridos para sentir as ideias que as árvores nos dão, para sentir todas as formas de amar que elas nos proporcionam com os seus galhos acariciando os nossos corpos, com os seus frutos matando as nossas fomes e com as suas sombras aliviando o estresse e o cansaço da vida moderna e líquida na qual vivemos. Sim, a relação de afeto que estabelecemos com as árvores não é líquida, como dizia o sociólogo Zygmunt Bauman.

As árvores assim como podem viver por séculos também amam demasiadamente os homens que cuidam delas. Se na passagem famosa d’O banquete os deuses castigaram os seres humanos dividindo-os e misturando-os para que passassem a vida em carência e falta, tentando encontrar a sua outra metade que lhes faltava, para Nietzsche o amor depende primeiro de uma capacidade de autocompletude e autoafirmação: apenas indivíduos plenos de si podem amar.

O amor não é outra coisa que um derramamento, uma espécie de luxo e de dádiva daquilo que cada indivíduo conquistou por e para si mesmo e quer partilhar, alegremente, com um outro. Nesse caso, não há nada de carência, mas muito pelo contrário, de plenitude.

Quanto mais pleno de si, mais capaz de amar será um indivíduo. Por essa razão, é que as árvores nas suas plenitudes sabem sentir o amor e amam cheias de saber e vontade. O amor das árvores é presente divino que o Universo ou os seres metafísicos que constituem tudo isso onde vivemos sabem como nos oferecer.

Diz o poeta Camões que o amor é um contentamento descontente. Sim, as árvores não sorriem ou esboçam alegrias do jeito dos homens apenas porque amam, elas simplesmente amam como se vivessem para encher o mundo de paz e de alegrias necessárias para a compreensão das virtudes e do despojamento de todas as necessidades materiais sejam deixadas de lado. A vida é curta para tanto apetrecho. Deixe o seu coração despido e aberto para receber o amor das árvores.

Ao sentir as coisas como elas realmente são e não como os homens querem que elas sejam cobrindo-as, falsificando-as ou criando ilusões, as árvores passam a conhecer as nossas necessidades mais difíceis para podermos continuar vivendo bem e conectados com a natureza, sempre a respeitando e aproveitando dela o que de melhor pode nos oferecer.

O melhor jeito de viver que podemos encontrar é ao lado de uma árvore. Não se vive em mundos de concreto e cimento sozinhos. Os homens precisam da natureza, por isso temos as plantas e as flores em casa para não morrermos de solidão.

Na leta da música de Claudinho e Buchecha “Fico assim sem você” eles nos dizem “Eu não existo longe de você / E a solidão é o meu pior castigo / Eu conto as horas pra poder te ver / Mas o relógio tá de mal comigo.” Este mesmo sentimento tem as árvores pelas pessoas queridas que cuidam delas e as amam quando precisam se afastar por uns tempos de casa ou morrem. As árvores também sofrem com as nossas ausências físicas e são capazes de morrerem de solidão quando ficamos longe delas por muito tempo.

A solidão é o um dos males da sociedade contemporânea. Ninguém liga mais para ninguém. Qual foi a última vez que você recebeu uma ligação de algum amigo preocupado com o seu bem-estar? Eu não lembro a vez que isso aconteceu comigo.

Vivemos num corre-corre desenfreado. Não temos tempo mais para conversarmos e sentirmos as árvores.

Sem saber que elas precisam tanto de nós. Fazemos com elas o mesmo que fazemos com os nossos amigos, ou seja, as abandonamos preocupados em ganharmos dinheiro e ficarmos ricos. Para que significa a riqueza sem um grande amor?

O melhor dessa vida é sentir as coisas de forma intensa e com a alma, assim como os poetas se largam dentro dos seus versos e fazem chorar até os mais desalmados. A árvore não pode ser julgada pelos seus frutos que amadureceram rápidos demais, pois se ela estiver doente de solidão não terá como cuidar de si mesma.

A solidão também mata a natureza. A solidão por mais que não queiramos se aloja na gente de forma intensa e a sua complexidade vai nos consumindo assim como os cupins consomem as árvores.

É preciso saber viver, como diz a canção do grupo musical Titãs. Para saber viver precisamos sentir não somente os batimentos dos nossos corações, mas a voz da natureza, os sons dos galhos das árvores e mais precisamente o amor que elas nos oferecem sem pedirem nada em troca. Não deixemos para amar as árvores quando as guerras começarem. As amemos porque elas precisam do nosso amor para continuarem com copas exuberantes e frutos gostosos.

Não existe no mundo um sentir maior do que os das árvores quando sofrem machadadas ou podas de forma errada. Elas sangram iguais as mulheres, mas um sangue de cor branca ou incolor. Elas também têm os seus dias de TPM e engravidam do solo para parir outras que logo se tornarão adultas também. É o ciclo da vida. Tudo que existe sabe amar e sabe sentir de forma intensa.

As árvores podem ser consideradas seres sensitivos, pela sua capacidade de sentir quando e como as coisas vão acontecer conosco. Elas sabem exatamente quando estamos tristes e o que queremos para o amanhã. Elas são capazes de ler os nossos pensamentos e adentrarem nas nossas almas para descobrirem as nossas dores e medos. Claro que isso elas só fazem se as dermos autorizações. Se pedirmos ajuda para elas, através de um abraço em seus troncos, de uma lágrima em frente de uma delas, de um silêncio embaixo de suas sombras.

As árvores sentem as coisas parecidas conosco, quando estão tristes seus galhos caem e as suas folhas secam rapidamente.

Mesmo quando perdemos a vontade de fazer as coisas ou quando elas se tornam entediantes e não sentimos desejo de fazer aquilo que antes tanto gostávamos, parece que o mundo perdeu a alegria, então as árvores conhecem essas nossas ausências de ânimo e tentam se aproximar de nós transmitindo a energia das suas raízes para os nossos corações sofridos.

Quando perdemos um amigo ou nos decepcionamos com alguém, quando somos demitidos de um emprego de muitos anos e ficamos sem entender nada é com elas, as árvores, que podemos contar as nossas dores e aflições e também lhes perguntarmos o que fazer daqui para frente. É no momento de dor que os amigos mais se afastam da gente, no entanto as árvores nunca se vão, nunca nos deixam. Eis o amor eterno amor.

As suas respostas não são dadas de imediato. Às vezes elas respondem de forma indireta para que possamos analisar os fatos e os problemas e compreendermos que há sempre uma solução para aquilo que nos levou ao fundo do poço. O poço também pode ser o dos desejos e aí lá no fundo dele você pode se encontrar com a raiz de uma árvore que vai lhe abraçar e dizer que não tenha medo, pois elas estão cuidando de você mesmo sem nada dizerem.

Ah, se as árvores pudessem dizer para você o quanto elas o amam, se elas pudessem falar a mesma língua que a sua. Mas, assim como quem fala com os anjos também é possível falar com as árvores sem ser chamado de louco. Você não precisa dizer nada para elas, pois apenas o fato de estar ali de frente para uma delas conseguirá transmitir o seu pensamento perturbado e cheio de dúvidas. Logo ou em algum tempo elas darão uma resposta.

Eu fui criticada por sentir a vida intensamente, outro dia, mas não me importei. Esse meu jeito de conviver com as árvores por muito tempo fez de mim quase uma delas. Sinto as suas dores e sofrimentos quando as vejo serem podadas nos canteiros da minha cidade e já briguei por várias delas quando quiseram as cortar para construírem prédios. Eu já chorei por uma árvore e fiquei dias doente. E acho que uma árvore também já chorou por mim. Elas sempre choram por nós.

O verdadeiro sentir estar na coragem de se expor, de deixar à mostra as suas dores e angústias. As árvores jamais nos criticarão por sermos medrosos ou fracos. Elas nunca nos chamarão de covardes porque assim como a gente elas também têm os seus medos e fraquezas. No chão, onde se escondem as suas raízes estão guardados os conhecimentos necessários para o bom combate com os homens malvados.

Se pudessem viver num mundo de paz, as árvores seriam mais felizes.

Devemos nos considerar sortudos pelo Criador nos colocar árvores para que possam limpar o ar que respiramos, nos dar frutos e sombras e nos amar mesmo sem merecermos, pois não cuidamos delas como deveríamos. Tantos de nós passamos pelas árvores sem nos darmos conta das suas grandiosidades à humanidade.

Muitos de nós temos uma árvore na rua onde moramos e nunca prestamos atenção nela. Elas ficam ali, plantadas, à espera de um riso ou de uma palavra qualquer. As crianças é quem sabem conversar e brincar com elas subindo e descendo dos seus galhos.

Se ao menos conseguíssemos sentir as coisas de uma forma que aprendêssemos a lição de cada uma delas para que não repetíssemos os nossos erros seria tão maravilhoso! Se pudéssemos assim como as árvores sentir em descontentamento que não quer dizer falta de alegria, mas despojo de toda expectativa a uma felicidade inútil e temporal que se acaba quando o outro parte e nunca nos tornamos plenos na nossa essência certamente que seríamos pessoas mais agradecidas ao Universo e mais caridosas para com as pessoas ao nosso redor.

O que fazemos aqui na Terra será levado para algum lugar depois da morte. E as árvores sabem disso porque elas também vão para algum lugar depois que morrem ou são mortas pelas mãos dos homens. Quem criou o machado e a serra elétrica? Por que os homens derrubam árvores? Que comércio clandestino é este que precisa derrubar centenas de árvores por dia para enriquecer homens solitários em suas mansões com malas cheias de dinheiro? Esses homens não são homens, mas pedaços de sabão em pedra que nada sentem nem mesmo quando a lágrima da água bate em suas costas.

A vida é uma difícil arte. Talvez a mais difícil. E as árvores têm medo dos homens assim como eles têm medo uns dos outros.

A necessidade de sentir se faz presente nas árvores para que possam oferecer não somente sombras e frutos, mas amor e conhecimento aos homens de bons corações. Aqueles que estão sozinhos em seus apartamentos distantes do chão onde elas se localizam, mas podem vê-las das suas janelas. Antes ver com o coração do que com os olhos, já dizia a raposa do “Pequeno Príncipe”.

Por isso digo hoje e repetirei amanhã mil vezes o que disse o meu grande poeta Fernando Pessoa “Sentir tudo de todas as maneiras, / Viver tudo de todos os lados, / Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, / Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos / Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.”

Que as árvores possam, além de sentir tudo, melhorar a vida de cada um de nós, principalmente dos mais necessitados que armam os seus barracos de papelão ou lona embaixo delas para pedirem vida com dignidade. Ser sempre do mesmo modo possível o amor de uma árvore, e amado por uma delas.

Autora: Rosângela Trajano

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