Não resta dúvida que o Velho Testamento é parte constitutiva da cultura ocidental. Para onde caminharemos enquanto civilização, talvez possa ser melhor clarificado se tivermos a lucidez de aprender com a tradição que ainda continua nos inspirando e desafiando.
Estamos na terceira década do século XXI, mas alguns acontecimentos e comportamentos nos levam a pensar que ainda vivemos no passado colonial, na sociedade patriarcal com todas as suas chagas e limitações.
A mentalidade de certas pessoas manifestadas nas redes sociais e em outros espaços evidenciam preconceitos, formas de racismo, machismo, xenofobia, misoginia, aporofobia e tantas outras enfermidades da estupidez humana que acreditávamos ter superado.
A falta de tolerância, o fundamentalismo religioso alienador, a idolatria fanática e cega a certas formas de vida estão se tornando uma rotina em plena “sociedade tecnológica”.
Diante deste cenário desolador nos perguntamos: por que essa regressão moral? O que deu de errado na sociedade que em pleno século XXI, repaginamos mentalidades e comportamentos que acreditávamos ter passado? Estamos regredindo a barbárie? A cultura letrada ainda tem algo a nos ensinar de humanidade?
Trabalho aqui com a hipótese que a instantaneidade da comunicação afastou as pessoas dos livros e produziu a incapacidade de pensar reflexivamente. Mesmo que hoje exista um certo entusiasmo com a cultura digital, facilitada pelas tecnologias e pela revolução da informática, os livros continuam sendo as grandes pilastras que marcaram a cultura ocidental em todos os aspectos e tem algo a ensinar ao nosso tempo.
Um olhar cuidadoso para estas obras monumentais nos possibilitam perceber que, mesmo sendo escritos em outros contextos, possibilitam entender melhor nossa civilização. No entanto, não podem ser descontextualizados e interpretados instrumentalmente para propósitos pelos quais foram escritos. Dentre os exemplos podemos citar um dos livros mais conhecidos.
A Bíblia é considerada pelo livro Guinness dos Recordes o livro mais lidos de todos os tempos com mais de 5 bilhões de cópias vendidas e distribuídas. Como todos sabem, Bíblia, derivada do latim e do grego, significa “livros” e é composta por duas grandes partes: o Velho Testamento e o Novo Testamento.
A formação histórica dos textos da Bíblia, principalmente do Antigo Testamento, é altamente complexa e controversa. Foi escrita quase toda em hebraico, com exceção de algumas passagens no Gênesis que foi escrita em aramaico.
Os cinco primeiros livros do Velho Testamento, também chamados de Pentateuco, são a pedra basilar da religião judaica. Tudo inicia com Abraão. Após obedecer ao chamado de Deus, Abraão, o patriarca da fé, saiu da sua terra e foi para Canaã, onde constitui sua família e gerou seus filhos Ismael (filho de Agar) e Isaac (filho de Sara). Deus colocou a prova Abraão e pediu que sacrificasse seu próprio filho Isaac no Monte Moriá (hoje Jerusalém).
Ao provar sua fidelidade, Deus prometeu a Abraão que teria uma grande nação, mais numerosa que as estrelas do céu. Isaac teve dois filhos: Isaú e Jacó (também chamado de Israel). Este último teve doze filhos. Um deles José foi vendido pelos próprios irmãos a uma caravana que passava em direção ao Egito. Depois de um tempo como servo, José passou a ter um lugar especial na corte do Foraó.
Devido a uma grande seca na região a família de Jacó (em torno de 70 pessoas) se mudou para o Egito. Os descendentes de Jacó por mais de 430 anos permaneceram no Egito. Neste tempo multiplicaram-se como as estrelas do céu e tornaram-se um povo numeroso e fortalecido, mas acabaram sendo escravizados. Moisés foi chamado por Deus para tirar seu povo da escravidão.
A saída do Egito na direção da terra prometida é longamente narrada no livro do Êxodo. É nessa passagem que ocorre a revelação mais direita feita pelo Deus judeu a Moisés no Monte Sinai. É no Sinai que Moisés recebeu as Tábuas da Lei (os 10 mandamentos) e por isso, ao longo dos séculos, foram sendo construídos sobre o monte à sua volta vários locais de culto e foram sendo acumulados tesouros de três grandes religiões: judaísmo, cristianismo e islamismo. É neste mesmo monte que o profeta Elias, século mais tarde vai buscar refúgio para fortalecer suas forças para enfrentar o rei Acab e sua esposa Jezabel,
Muitos séculos nos separam dos acontecimentos do Velho Testamento e das manifestações de Deus no monte Sinai. No entanto, ainda hoje certas interpretações destes acontecimentos podem ser compreendas tanto de forma fundamentalista quanto de forma revolucionária.
De qualquer forma, não resta dúvida que o Velho Testamento é parte constitutiva da cultura ocidental. Para onde caminharemos enquanto civilização, talvez possa ser melhor clarificado se tivermos a lucidez de aprender com a tradição que ainda continua nos inspirando e desafiando. No entanto, temos de ser vigilantes para não fazermos leituras apressadas e descontextualizadas da própria tradição que podem produzir crueldades em nome de Deus e da religião.
Não podemos esquecer que na tradição cristã, Deus é amor, compaixão, vida em abundância. Tal compreensão antagoniza não é compatível com discurso de ódio, violência e morte.
Autor: Dr. Altair Alberto Fávero
Durante a leitura pensei sobre entre a ideologia e utopia enquanto caminho, interrogação continuada!?!?