Movidos pelo constante bombardeamento de uma publicidade semtréguas, tal qual marionetes, muitas pessoas sequer se dão conta dessacomercialização do Natal. O sentido original de transforma em oportunidade parasatisfazer desejos nem sempre necessários e por vezes inconscientes.
O relato do evangelista Lucas afirma que Jesus nasceu numa gruta de Belém, em meio a uma viagem. “E Maria deu à luz o seu filho primogênito, o envolveu em faixas e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles em casa” (Lc 1, 7). Hoje, ao contrário, a imagem de Jesus tem lugar seguro e privilegiado. Nasce antes do tempo, às vezes já a partir de outubro ou novembro, primeiramente nas lojas dos grandes centros comerciais, de modo particular nos supermercados e shopping centers.
Em lugar de faixas, animais, palha, pobreza, pastores e reis magos, o presépio comercial, digamos assim, o exibe ao lado dos bens de última moda, um e outros profusamente iluminados e em lugar de destaque. Sim, muita luz, brilho intenso, ostentação, produtos de luxo, correria frenética e vertiginosa – eis o ambiente mais comum para o nascimento moderno ou pós-moderno do Menino Deus.
Nesse presépio comercial, além disso, não pode faltar a árvore de Natal, esteticamente decorada, também ela luminosa e carregada de enfeites, pacotes para presente, panetones, falsa neve e coisas do gênero. Tampouco pode ser esquecido o Papai Noel: velho e robusto ao mesmo tempo, longa barba branca, vestido a caráter, sempre sorridente, rodeado de crianças. Os pais trazem os meninos e meninas para abraçar “o bom velhinho”. Grandes e pequenos, entretanto, logo deixam o cenário natalício. Dirigem-se às lojas, de olho nas novidades do mercado. De maneira repetida e estridente, explícita ou sub-repticiamente, o marketing e a propaganda os levou até ali. É preciso comprar, consumir, não podem permanecer na sombra dos parentes e vizinhos. A festa é exigente: requer roupas em linha, sapatos novos, comida típica e apropriada.
Para trás ficou o presépio, mas ficou sobretudo, praticamente escanteado o recém-nascido. Ali, deitado numa manjedoura simulada, entre José e Maria, mais ou menos envergonhado em meio a tanta luminosidade, tanto luxo, tanta gente e tantos ornamentos.
Tendo nascido verdadeiramente pobre, humilde, longe de casa e na solidão da noite, parece sofrer um certo um mal-estar diante da multidão, dos bens à venda e do contínuo vaivém. Mas tudo leva a crer que as razões do mal-estar mergulham suas raízes em terreno bem mais profundo. A verdade é que a grande maioria dos transeuntes, que por um pouco se detêm diante do presépio, simplesmente esqueceram, ou ignoram por completo, o significado daquele cenário único e misterioso. Alguns ainda se reportam com saudade às lembranças da própria infância, mas os demais, seduzidos pelo fascínio dos produtos, correm para cumprir religiosamente o ritual das compras.
A pressa e a velocidade alucinante do mercado e da concorrência não deixa lugar à memória. Menos ainda a perguntas incomodas e inquietantes, tais como o porquê daquele nascimento inóspito e insólito, quase em segredo e há mais de dois mil anos.
No mundo contemporâneo, impõe-se de forma imperativa o “aqui e agora”. O prazer do presente tem a primazia sobre o passado e o futuro.
Destes últimos, um é melhor nem pensar, o outro… bem, o outro depois pensamos! Melhor sair do centro comercial com as sacolas abarrotadas de novidades do que com o coração atormentado por ideias que “nos tempos de hoje não fazem sentido”. Isso mesmo, melhor encher as gavetas, os armários e a casa com bijuterias, novas vestimentas, produtos de cama e mesa, bens eletrônicos e eletrodomésticos do que curtir ansiosamente o vazio que assalta a alma diante de determinados temas.
Movidos pelo constante bombardeamento de uma publicidade sem tréguas, tal qual marionetes, muitas pessoas sequer se dão conta dessa comercialização do Natal. O sentido original de transforma em oportunidade para satisfazer desejos nem sempre necessários e por vezes inconscientes.
Também na Igreja, o recém-nascido parece às vezes sofrer certa vergonha. Além de nascer com atraso em relação aos lugares de efervescência do comércio, igualmente ali se vê não raro como símbolo de consumismo sem freios. Certo, persiste a dimensão religiosa, prepara-se o templo para a festa, mantém-se viva a celebração do nascimento do Senhor; os laços de parentesco se reforçam, reconciliações são possíveis, as famílias se confraternizam; faz-se a novena em grupos, círculos bíblicos de rua ou de bairro, os vizinhos se reúnem e renovam a amizade. Mas tudo isso, em não poucas vezes, permanece como pano de fundo meio esmaecido.
As compras e a mercantilização dos festejos natalinos ocupam o primeiro plano do palco. Tanto é verdade que, segundo a confederação dos comerciantes, o tempo de Natal constitui um das datas mais rentáveis em termos de compras e vendas. O tempo litúrgico como que se retira a um refúgio íntimo, privado e espiritualizante, enquanto brilha com mais esplendor as relações exteriores, sejam estas de caráter social ou eclesial. De pé a pergunta: como transformar o nascimento de Jesus em um renascimento da fé, da esperança e da solidariedade, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto político e cultural?
De Natal e de família.