O rapaz mostrado para todo o Brasil entregando
um boneco a Salles, durante audiência na
Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados,
é quase uma aparição.
Nem seu nome os jornais
conseguiram descobrir.
O jovem de gravata que afrontou os incendiários da Amazônia e entregou o boneco-troféu Exterminador do Futuro ao ministro Ricardo Salles é uma raridade. Os jovens brasileiros não afrontam publicamente mais ninguém que detenha poder.
É a realidade dos tempos bolsonaristas. Politicamente, os jovens brasileiros envelheceram décadas desde as passeatas de 2013 e as ocupações de escolas de 2016.
O rapaz mostrado para todo o Brasil entregando um boneco a Salles, durante audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, é quase uma aparição. Nem seu nome os jornais conseguiram descobrir.
O ministro recebeu estatueta com um homem usando terno e segurando uma placa sobre o tronco de uma árvore derrubada.
É um moço ao redor dos vinte anos, com cara de guri e uma mochila às costas. Mas a Folha de S. Paulo o definiu assim: “Homem que entregou boneco a Ricardo Salles foi retirado de audiência por seguranças”.
É um homem. Não é um jovem. Homem. Só isso. Não é apresentado tampouco como estudante. Parece que assim sequestram sua condição de jovem. Se os estudantes sumiram, quem aparece para protestar só pode ser um homem, não um jovem.
O moço se identifica nas redes sociais como iannunesc. Iann seria seu nome, e Unesc seria, dizem, a Universidade do Extremo Sul Catarinense.
Apresenta-se como “às vezes marxista, sempre antifascista”. Defende “ecologia, revolução e igualdade” e prega: “A juventude tem que ser revolucionária”.
É uma bela apresentação. Mas onde estão seus parceiros? Dia desses, um grupo de estudantes fez passeata em Porto Alegre contra o desmonte da educação. A chuva acentuou a dramaticidade da solidão de algumas dezenas de bravos. Apenas algumas dezenas.
Jovens se reúnem com radicalidade em praças do mundo todo para defender a Amazônia. Poucos se mobilizam no Brasil. A cara da expressão midiática mundial da defesa do meio ambiente era, até pouco tempo, a do democrata Al Gore. Um homem, um político consagrado, um sujeito maduro. E o mundo se sensibilizava com Al Gore.
Agora, a defensora da Terra é uma menina de 16 anos. Os jovens têm Greta Thunberg como inspiração. Mulher, adolescente autista, uma pessoa diferente, uma voz poderosa a acusar os exterminadores de futuro.
Mas os adultos atacam Greta. Sabe-se que as escolas têm a sueca como inspiração. As crianças a adoram. Só que os homens feitos buscam problemas em Greta. E os jovens brasileiros não conseguem dar potência política ao que Greta significa para o país na hora em que os cúmplices de Bolsonaro devastam a Amazônia.
Onde estão os parceiros de Iann? Mesmo os não-marxistas, os não-ambientalistas, os não-antifascistas? Que poder de destruição foi acionado pela extrema direita a ponto de imobilizar quem historicamente sempre puxou as resistências?
Repetem-se os relatos de professores (e dos próprios estudantes) sobre a combinação de resignação, inércia e depressão em escolas em geral e nas universidades. Na Ufrgs, na Unicamp, na USP, na Unisinos, na UFC, na PUC, no IFSul, na UFSM. Dizem que os estudantes estão abatidos e sem forças.
Há um sentimento de alheamento, que aciona uma pergunta desconfortável, quase sempre arredada para um lado: os jovens não estariam refletindo a desorientação dos professores e do ambiente universitário?
A universidade teria perdido, há muito tempo, o poder de inspirar os que se inquietam, provocam e transgridem. O bolsonarismo apenas se aproveitou dessa acomodação para iniciar a destruição das disciplinas das humanas e da universidade pública, perseguindo, cortando bolsas, ameaçando demitir, disseminando o terror.
É desolador, mas é bem provável que o avanço do bolsonarismo não explique tudo.