“Somos o resultado das viagens que fazemos,
dos livros que lemos e das pessoas que amamos.”
Airton Ortiz
Inspiro-me em reflexão sensacional do escritor Antonio Prata (Caderno ZH PROA, 03.01.16) com título: 2016. Neste, o autor zomba de gente ingênua que acredita que o simples findar de um ano encerra tudo para começar algo totalmente diferente no ano novo. Afirma também que “o 2016” não entende porque a gente espera tanto dele. Termina citando Heráclito, para lembrar que sempre somos os mesmos, porém diferentes.
Aconteceu comigo na véspera da virada. Em Sarandi, RS. Sentado na cadeira, ouvi o cabeleireiro dizer e concluir, sem que eu nada lhe perguntasse: “Depois dos 40, aprendi a respeitar e viver o tempo”. Justificou-se ainda dizendo que, definitivamente, aprendera a dar mais valor ao agora, pois o dia de amanhã é sempre muito incerto. Sua reflexão foi sugestiva para a minha “festa da virada”.
Histórias de cabeleireiros, enfermeiros, cuidadores, médicos e de outras gentes que cuidam de gente são sempre ricas e emblemáticas; fazem parte das experiências de renovação e sentido que cada um de nós dá à sua vida quando resolve cuidar-se ou promover-se. Estes profissionais precisam despertar confiança, a exemplo do cabeleireiro que com as crianças criou técnica dizendo que não corta cabelos, mas que “arruma para deixá-los bonitos”.
Mas voltemos à sua provocação. Ora, ninguém é eterno e ninguém vive para sempre. Parece tão óbvio, mas o desespero da morte sempre derruba esta tese. O medo de morrer se explica porque tememos o desconhecido. O que assusta é que desembarcaremos desta viagem sem data, horário e lugar marcados. Viver é o maior risco humano. Desembarcar é a maior aventura, porque sempre encerra um ciclo para começar outro: incerto, desconhecido, inexplicável.
A literatura me convenceu que “todos estamos de passagem”. Na metáfora, a vida é como um grande trem. Um trem que roda, que faz paradas para alguns entrarem e para outros descerem. Durante a viagem, nem tudo acontece conforme planejado. Podem ocorrer obstáculos que precisam ser enfrentados. Pode haver perdas e ganhos. O trem não para, nós é que descemos dele. Outros continuarão viajando, curtindo a vida, a paisagem e realizando novas experiências. Nós vamos vivendo e morrendo todos os dias. Vamos arrumando jeitos e trejeitos para deixar nossa existência mais leve, mais suave, mais prazeirosa. Vamos recolhendo esperanças das experiências nossas e dos outros, pois nada somos sozinhos e isolados. Vamos suportando os nossos sofrimentos.
Se viver é o maior risco, o jeito é arriscar, até para mudar de percurso, sem perder de vista o ideal do que somos, pensamos e sonhamos. A vida tem o sentido que a gente lhe dá: não está nos outros e nem fora da gente. Ano a ano, dia após dia, continuamos os mesmos, mas diferentes, com as marcas e impressões das novas experiências.