Os recursos tecnológicos têm sido um dos grandes fomentadores dessas mudanças comportamentais, não deixando assim o amor imune a eles (recursos tecnológicos). Nesta sociedade, os vínculos ocorrem por uma espécie de conexão, que assim como as ligações moleculares de uma substância em estado líquido, são mais fáceis de serem desfeitas, quando comparadas aos átomos de um elemento sólido.
O tempo presente vem sendo considerado como o tempo das incertezas e mudanças, tempo de contradições e paradoxos, tempos de abundância e penúria. Os opostos continuam sendo demarcados com forte intensidade. Essas mudanças e incertezas vêm produzindo um processo de mutação na educação, gerando novas crises para a educação escolar, colocando em cheque o modelo, os conteúdos, as metodologias e o próprio sentido da educação vigente inaugurada nos primórdios da modernidade sólida.
Em análise sobre a educação, seus fins e a atuação do educador nesse panorama atual, Bauman (2002, p. 58) ressalta que em nenhum outro momento decisivo da história, os educadores foram confrontados com um desafio realmente comparável ao que o divisor de águas contemporâneo apresenta. Simplesmente, jamais estivemos nesta situação antes. A arte de viver (Bauman, 2009) em um mundo supersaturado de informação ainda está por ser aprendida. Da mesma forma que a arte de viver, ainda mais difícil, de preparar a humanidade para a vida dos relacionamentos humanos num mundo líquido.
A sociedade tem experimentado mudanças drásticas nos relacionamentos. Os recursos tecnológicos têm sido um dos grandes fomentadores dessas mudanças comportamentais, não deixando assim o amor imune a eles (recursos tecnológicos).
Nesta sociedade, os vínculos ocorrem por uma espécie de conexão, que assim como as ligações moleculares de uma substância em estado líquido, são mais fáceis de serem desfeitas, quando comparadas aos átomos de um elemento sólido. Nessas relações, segundo Bauman (2004, p.132) há “uma incerteza em relação ao futuro, fragilidade da posição social e insegurança existencial”.
Esta incerteza se aplica aos mais diversos âmbitos como o político, o econômico e o amoroso. É este último que Bauman trata com maior ênfase na obra Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2004).
O autor desencadeia uma série de conceitos, entre eles, a “cultura do passageiro”, que tem influenciado os relacionamentos, principalmente, os namoros, de modo que os valores consumistas são observados nestes relacionamentos. A partir disso, relacionar-se de modo fixo significa fechar-se para outras possibilidades, assim como num relacionamento comercial. A diferença é que no mercado há consultorias e pesquisas que tem por objetivo a execução financeira mais rentável; já nas relações amorosas, o objetivo é a conexão em que a empatia pelo parceiro torna-se fragilizada.
Nesta possibilidade, para desvincular-se afetivamente basta desconectar-se já que o “silêncio equivale a exclusão” (BAUMAN, 2004). O prejuízo emocional do término de uma relação é minimizado com uma simples eliminação de contato, possibilitando, pelo caráter flexível das relações, a entrega emocional a outro laço amoroso. Assim, o ato de conectar e desconectar é o agente mantenedor dos relacionamentos na modernidade líquida.
Para Bauman (2004, p. 22) numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. “A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias”, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço.
Na sociedade líquida, tememos o amor “desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, de sermos excluídos” (BAUMAN, 2008, p. 29). Por isso, preferimos diluir as relações para consumi-las. Os relacionamentos tornaram-se comercializáveis como qualquer outra mercadoria. As redes sociais tornam-se utensílios quantitativos para maior obtenção de amigos, likes e relacionamentos que se dissolvem pelos dedos. Nossas relações são cada vez mais “flexíveis”, gerando níveis de insegurança sempre maiores.
“Fabricamos a pressa, a velocidade das coisas, do tempo, perdendo-nos no espaço onde habitamos. Não nos permitimos mais perder tempo para celebrar o amor verdadeiro, para parar no tempo. Não queremos mais perder tempo nas pequenas coisas mais simples e cotidianas. Temos grandes negócios a resolver, a decidir, e precisamos correr atrás de uma máquina. Somos robôs de uma engrenagem que nós mesmos criamos. (Pe. Gerson Schmidt) Leia mais: https://www.neipies.com/o-amor-no-tempo-eterno-agora/
As relações amorosas passam a ser vivenciadas de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de modelos de relacionamentos, no entanto, em nenhum outro tempo os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter, o rumo da relação como agora.
Neste sentido, as relações liquefeitas se desfazem ao término do interesse que as mantinha. Vínculos e compromissos são considerados grilhões que impedem diferentes consumos e o estabelecimento de novas relações pautadas em interesses concretos. No entanto, a solidariedade, fundamental para o bem-estar da comunidade, ainda não é consumível, pois é decorrente de laços mais estreitos que envolvem obrigações e responsabilidades em relação ao outro.
Sob esta ótica, amor e felicidade estão cada vez mais relacionados ao objeto de consumo, sendo descartável ou não, não importa, o que “permanece” são apenas os desejos próprios de uma sociedade cada vez mais egoísta e egocêntrica, em que, os laços humanos são desfeitos com a mesma rapidez que uma “descurtida” em alguma página do facebook que não favorece mais.
Esta sociedade de consumidores instigados, forçados e induzidos pelo mercado do consumo, de relações líquidas e “bom enquanto dure”, as chances de libertação dos ditames do mercado são mínimas, o que ocorre também na perspectiva da educação voltada para o mercado.
Para pensar em outras possibilidades, é necessária a revolução cultural que questione esse sistema dominado pela ‘ética’ da privação, do individualismo alienado, da ganância e do lucro. Em uma sociedade dividida como a nossa entre os “poucos que têm muito” e os “muitos que tem pouco”, a cultura é o terreno onde se dá a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais. “Nada menos que uma “revolução cultural” pode funcionar” (BAUMAN, 2013, p. 31).
Para Bauman (2013), embora os poderes do atual sistema educacional pareçam limitados, e ele próprio seja cada vez mais submetido ao jogo consumista, esse sistema ainda tem poderes de transformação suficientes para ser considerado um dos fatores promissores para essa revolução. Há um menosprezo desalentador com que se trata a escola, principalmente por aqueles que querem transformá-la numa empresa, numa engrenagem de formatar mentes e corpos para o mercado consumista e de servidão voluntária.
Entretanto, é pela escola que deveríamos recomeçar. Não uma escola empresarial que emita o mercado e transforma as experiências formativas em mercadorias instrumentais que podem ser trocadas por dinheiro, mas uma escola do conhecimento, das vivências solidárias, do espirito cooperativo, das experiências formativas éticas.
Uma escola que cultive a virtude, o amor, a coragem, a justiçam a prudência, a liberdade, o bem viver. Uma escola que seja promotora de humanidade e não de robôs. Uma escola aberta a diversidade, ao pensamento crítico e criativo e onde se torna possível a boa convivência. Uma escola que seja o centro da vida pulsante de uma comunidade que prima pela vida cidadã. Utopia? Algo impossível de acontecer? Talvez não se tivermos a coragem de dar a educação a centralidade que ela merece no hierarquia de nossas prioridades.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Desafios educacionais da Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Revista TB, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude: conversas com Ricardo Mazzeo. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
Autor: Dr. Altair Alberto Fávero Email: altairfavero@gmail.com Professor do Mestrado e Doutorado em Educação da UPF. Também escreveu e publicou “A promessa da felicidade na modernidade líquida”: https://www.neipies.com/a-promessa-de-felicidade-na-modernidade-liquida/
Edição: A. R.