Pandemia e desigualdade

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Fica claro quem morrerá:
poucos ricos e muitos pobres.
“E daí”, dirá o presidente, cuja política econômica
é voltada para os interesses da elite.


Eu não sei se meu prezado leitor já percebeu, mas o Covid-19 é uma doença de risco, no sentido de que ela atingiu primeiramente os privilegiados, os viajados, os globalizados. Foram eles os primeiros infectados e foram eles os transmissores para o resto da população.

Este fato foi decisivo para o surgimento de opositores enfáticos ao governo, diante da inépcia de Bolsonaro. As barbaridades contra a soberania nacional, assalariados, a educação, cultura e democracia, embora graves, não pareciam sensibilizar grande parte da elite.

Agora não. A própria elite que o elegeu percebe que, em poucos meses, Bolsonaro transformou o país  em uma  República  da Esculhambação.

Quem age com base no cálculo eleitoral e deixa de lado tudo mais, conviria que tivesse presente as lições da história – quando quis  enfrentar a ciência, nunca a política ganhou. Ao contrário, sempre perdeu.

Estamos chegando com a pandemia a um patamar desesperador em algumas regiões do país. Com o insuficiente e precário sistema público de saúde, não é difícil de adivinhar quais serão as principais vítimas: os pobres e humildes.

Como pedir a uma  parcela de  35 milhões  de  brasileiros que não têm água potável nem  sequer  para lavar  as mãos  que se proteja do vírus? Como exigir que 13 milhões  que vivem abaixo  da extrema pobreza que mantenham  padrões de higiene para se prevenir  do covid-19? Beira ao deboche.

Fica claro quem morrerá: poucos ricos e muitos pobres. E daí, dirá o presidente, cuja política econômica é voltada para os interesses da elite.

Aqui aparece a chaga histórica do Brasil, a desigualdade. A abolição tardia da escravidão fez com que milhões ficassem disponíveis para trabalhar com um mínimo de dignidade. Na esfera política, o poder sempre esteve nas mãos das classes abastadas.

O Brasil se transformou em um dos campeões de desigualdade social no mundo. A soma da riqueza de todas  as  famílias  brasileiras é de cerca de  16  trilhões de  reais, mas a metade, 8 trilhões, encontra-se nas mãos  de  1% de  abastados. Agora, alguns bilionários estão fazendo benemerência.

Não vale, entretanto, fazer benemerência com dinheiro público. A filantropia no Brasil, sempre foi feita para granjear aprovação da opinião pública, mas  as  despesas  são abatidas do Imposto de Renda. No fim das contas, nós é que pagamos.

Quem sabe, diante desta tragédia, a sociedade brasileira coloque em pauta a redução desta criminosa desigualdade, vencendo as barreiras criadas pela mentalidade  elitista e escravocrata das classes  dominantes,  taxando as  grandes  fortunas.

Mais. Está na hora dos cidadãos que reclamam do tamanho do Estado, de sua suposta corrupção e ineficiência, que comecem a revisar suas opiniões. É hora de debater sobre o aumento do papel do Estado, dos serviços públicos e em especial da saúde.

É preciso rever o egoísmo, o anti-igualitarismo, a ganância extremada, a incultura, o irracionalismo dos chamados “homens de bem”; dar lugar aos sentimentos de fraternidade, igualdade, equidade e aos verdadeiros princípios humanitários e cristãos.

Cabe aqui lembrar do que disse o personagem Dr. Rieux, do romance A Peste (1947), de Albert Camus. “Pode parecer uma ideia ridícula mas a única forma de combater a praga é através da decência”.

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