Pandemia, medicina e sociedade sob o olhar de um médico

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Arnaldo Porto, 68 anos, nascido na cidade e Erechim-RS, formou-se médico em 1977 pela UCS (Universidade de Caxias do Sul). Atua em Passo Fundo, RS, desde o ano de 1988, especialmente nas especialidades de alergista e imunologista.

Porto é um estudioso da medicina e da sociedade, um ser humano preocupado com seus pacientes e com os destinos da humanidade. Atua em sua clínica e em hospitais de nossa cidade, fazendo acompanhamento de médicos residentes e que estão buscando formação em especialidades.

Na entrevista que segue, Arnaldo Porto falará sobre as suas realizações como médico, sobre o papel da medicina e sobre as pandemias, bem como suas consequências na saúde e na vida das pessoas e na organização da sociedade.

SITE NEIPIES: Doutor Arnaldo, fale-nos como, quando e porquê o Senhor decidiu empreender sua vida na medicina.

ARNALDO PORTO:  Decidi ser médico ainda no antigo ginásio/oitava série. Foi uma vontade pessoal, pois tinha que decidir entre ser das humanas ou ser da área técnica. Estudava em Erechim, no Colégio Marista Conceição e tive de decidir. A decisão foi pela área de Humanas, pois medicina trabalha com gente. Esta decisão me custou sair de Erechim e morar e estudar fora da minha cidade.

SITE NEIPIES: O que mais lhe realiza e o que mais lhe intriga como médico?

ARNALDO PORTO: Me realizo, me sinto bem, quando consigo ajudar a resolver ou aliviar o problema da doença, do sofrimento dos pacientes. Gosto muito desta relação médico-paciente. O que me intriga, incomoda, deve ser assim com todo médico, quando não conseguimos ajudar ou dar soluções para aqueles que muito esperam da gente como médico.

SITE NEIPIES: Além de médico, atuas como professor. Nos diga um pouco mais sobre esta experiência. Qual é o papel da educação hoje?

ARNALDO PORTO: Acompanho médicos que fazem pós-graduação/especialidades no Hospital de Clínicas e na Faculdade de Medicina da UPF com residentes. É importante poder repassar a nossa prática, dar a segurança a eles que estão querendo conhecer e consolidar sua atuação médica. Quanto à educação, modo geral, é a base para a formação e cultura de um país, de uma nação. Com pouca educação ou má educação, não conseguimos obter progressos, não conseguimos evoluir. Precisaríamos priorizar muito mais a educação para sermos um país com mais progresso e autonomia.

SITE NEIPIES: Qual foi e qual é, hoje, o papel da medicina e dos conhecimentos científicos no enfrentamento às diferentes pandemias ao longo da história?

ARNALDO PORTO: Em todos os momentos de pandemia, de dificuldades, de pestes, a medicina se superou, ultrapassou limites e soube dar sua contribuição para a resolução dos problemas humanitários e de saúde. A medicina sempre ousou mais e fez processos de superação, dispondo de todo conhecimento acumulado e das tecnologias para fazer o melhor, como faz hoje, na pandemia do COVID 19. Sem os conhecimentos da medicina, morreríamos todos.

SITE NEIPIES: Como profissional da medicina, como vês a Pandemia do Covid 19?

ARNALDO PORTO: Um verdadeiro caos que se apresenta a todos, em todo mundo. Um desconhecido vírus que veio nos desconcertar na nossa forma de ver o mundo, ver a vida e os conhecimentos que já imaginávamos dominar. Um vírus que veio para mudar nossas concepções de vida, de mundo e de saúde.

SITE NEIPIES: Modo geral, os diferentes países do mundo e o Brasil tem acertado nas estratégias de enfrentamento ao novo vírus?

ARNALDO PORTO: Apesar do inusitado, do temor e do medo que causa o vírus, os países do mundo, incluindo o Brasil, têm se superado muito. Têm aprendido rapidamente com a experiência dos outros. Os países tem se unido para compartilhar informações e tecnologia para enfrentar a pandemia.

O isolamento ou distanciamento social ainda é a melhor forma de conter o avanço do vírus e dar capacidade aos Sistemas de Saúde atenderem os que precisam de cuidados mais especializados. Afinal, ainda não temos cura e nem temos vacina.

SITE NEIPIES: Como vê o papel da mídia no combate à pandemia?

ARNALDO PORTO: Hannah Arendt, já disse, a partir dos horrores da segunda guerra mundial, sobre os efeitos da “banalização do mal”, de que uma sociedade massificada gera uma multidão de incapazes de fazer julgamentos morais, razão porque aceitam e cumprem ordens sem questionar.

Também agora, quando a grande imprensa trata o tempo todo, todos os dias, os números e a complexidade da doença, passamos a ter ideia de que é natural a morte pelo Covid, de que não nos sobra muito senão morrer, se não tivermos cuidado, médicos…. Ainda vejo a grande mídia investindo no medo e não na informação e na educação sobre a pandemia.

SITE NEIPIES: Quais as consequências do distanciamento social, nas relações familiares, a convivência conjugal, o cuidado com os filhos, a sanidade mental?

ARNALDO PORTO: Muito difícil saber, mas as leituras do mundo científico e das notícias e da realidade que faço é que a população, modo geral, está sofrendo muito. Aumentou a venda de bebidas alcóolicas, aumentou a violência, os conflitos interpessoais, a violência contra as mulheres, o desentendimento entre as pessoas. Vivemos um momento com falta de paciência, ansiedade e ausência de perspectivas claras sobre o futuro próximo.

SITE NEIPIES: Como o senhor acha que sairemos desta pandemia?

ARNALDO PORTO: Gostaria que saíssemos melhores, mas temo que não aprendamos muito. Que no futuro próximo esqueçamos tudo o que estamos vivendo hoje. O exemplo das ruas cheias, logo após a abertura do comércio nas cidades, comprova que, talvez, não aprendamos a conviver de um jeito novo, aproveitando os aprendizados que estamos tendo com a pandemia.

SITE NEIPIES: Quem mais sofre com as consequências e implicâncias do isolamento neste momento da pandemia?

ARNALDO PORTO: Quem sofre mais são os adolescentes e jovens e os mais velhos. As crianças não sofrem tanto porque não tem a noção exata e nem a dimensão do problema, administram melhor as situações. Já os jovens sofrem com ansiedade, com a dificuldade de encarar e pensar a morte que rodeia a todos. Os jovens precisam, neste momento, de muito amparo de suas famílias. Imaginemos a situação destes jovens quando não têm apoio das famílias. E os mais velhos, pelo isolamento, pela depressão, pela dificuldade de entender a mudança de comportamento tão grande que a maioria dos que os rodeiam passou a ter.

SITE NEIPIES: Por que, mais do que nunca, é preciso pensar nos outros, viver a coletividade?

ARNALDO PORTO: Na pandemia do COVID 19, para sobreviver, precisamos também dos outros. Precisamos exercer a solidariedade e a fraternidade, que andavam esquecidas. Precisamos pensar em saídas que não implicam só a vida da gente, mas a vida de todos. Mudou tudo o que vínhamos aprendendo, sobretudo o egoísmo que havíamos incorporado na rotina da gente.

SITE NEIPIES: A verticalização das cidades, até o presente momento, era apontada no mundo como uma das saídas para organização urbana. Depois da pandemia, esta teoria ainda se sustenta?

ARNALDO PORTO: Esta é uma questão que precisa ser levantada, ser refletida. Era um modelo de cidade no Brasil e no mundo, porque economicamente era mais viável oferecer as condições de vida. É mais caro levar esgoto, agua, ruas, quando a cidade é horizontal. Mas o que me preocupa mesmo é a aglomeração, a multidão, a concentração das pessoas e dos serviços tudo no Centro das cidades. Talvez fosse o caso de levarmos alguns serviços dos centros urbanos para os bairros, ou para outras regiões das cidades. Outro fator que preocupa é que concentramos tudo no centro durante o dia e a noite o centro fica deserto, abandonado, sem gente. São reflexões que precisamos levantar, para pensar saídas para melhor convivência nas cidades.

SITE NEIPIES: Quais são as suas esperanças na humanidade, a partir das grandes experiências que o início deste século 21 nos apresenta?

ARNALDO PORTO: Sou um pessimista realista, mas tenho esperanças. Percebo que, ao longo dos últimos séculos, a humanidade vem evoluindo. Estamos nos tornando melhores seres humanos. Mas, no Brasil, um pouco diferente de demais países do mundo, ainda temos a alta concentração de renda. As elites políticas e econômicas ainda não aprenderam que é necessário distribuir melhor a riqueza, para melhorar a vida de todos.

SITE NEIPIES: Como médico imunologista, que cuidados o senhor aconselha nesta época de pandemia?

ARNALDO PORTO: Há muitos alimentos que ajudam a termos uma boa imunidade. Mas o que importa é termos uma alimentação muito equilibrada, com vitaminas e sais minerais. Alimentos como Ômega 3, alimentos ricos em Zinco. Evitar, quando se pode, os alimentos processados e industrializados.

SITE NEIPIES: O que mais o Senhor gostaria de dizer sobre este momento histórico da vida no Brasil e no mundo?

ARNALDO PORTO: Que tenhamos Esperança. Que valorizemos os valores humanistas, que cultivemos valores mais solidários e menos egoístas. Mas não posso deixar de lembrar todos os profissionais da saúde, os verdadeiros heróis, estes que estão no “front” do combate à pandemia. Estes profissionais que, muitas vezes, arriscam suas vidas, trabalhando as vezes sem as condições mínimas de proteção, precisam ser valorizados e reconhecidos pela função única e essencial que cumprem para proteger a vida de todos nós.

Foto: Arquivo pessoal

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