Nossa esposa, ou nossa mãe,
antes de tudo, é mulher.
E mulher ou mãe, precisa ganhar de nós homens
muito mais do que um ramalhete de flores.
Há séculos civilizados, ainda não temos uma boa receita de relações humanas. Sabe-se o que não se deve fazer, pouco quanto ao que precisa ser feito. No rechaço à violência (do instinto) concordamos, é exceção. Para seu lugar ternos a palavra (da cultura). Enquanto no mundo dos animais o espaço e a fêmea se dominam pela força, no mundo dos homens se conquistam pelo verbo.
Se você ainda não assistiu ao “Fale com Ela” de Almodóvar, detenha-se. Spoiler! Falar com ela, aliás, é coisa em que os machos somos ignorantes. Dizem, os orientais, mulher fala tanto por seus dois lábios e o homem pensa mais por duas cabeças. Afora a generalização e o preconceito, é certo: os homens pouco sabem do falar.
Como ficaria o amor se elas entrassem em coma real ou simbólico? Quem construiria as teias de sentido como elas fazem falando? Que seria do mundo sem as palavras delas?
Assim como mulheres não precisam de flores, mas respeito, podemos dizer também quanto àquelas que não desejam ser mães. Nós homens andamos meio perdidos tanto quanto ao mundo feminino quanto à maternidade que consideramos a ele inerente.
Que nos restou a nós, varões? A casa não mais precisa de provedores, nem somos imprescindíveis às instalações elétricas ou hidráulicas. As mulheres trabalham, e bem. Para os serviços, basta contratar alguém e pagar. E agora? Precisam as mulheres de maridos e de filhos para serem felizes?
Diz o mito do paraíso. Deus bipartiu-se em masculino e feminino para que ambos, na convivência, fizessem o caminho de volta à imagem e semelhança do único. As mulheres, mais versáteis, já abriram sendas no mundo masculino. Os homens, mais preconceituosos, nem sequer têm um plano de visita ao mundo feminino. Com sensibilidade e sensatez, Almodóvar com ida os homens ao universo temido: o de guardiões dos relacionamentos. Imagine o feminino mudo para sempre, semimorto, o que faríamos? No filme, apresenta-se um exemplo de como é possível salvar o amor e a vida. O personagem símbolo não só fala com a amada (como se estivesse plenamente viva), ademais, cuida dela com zelo “feminino”, o que faz com que o tenham por homoafetivo. Em contraponto, o namorado da toureira, embora chore às escondidas (reprimido), na hora de expressar-se com fala ou gestos, se trava. Enquanto ela escolheu ser toureira (estereótipo masculino), seu namorado jornalista, que devia ser um expert no uso da palavra, não sabe comunicar-se. E o fim dos dois relacionamentos é claro: quem fala revive a amada, quem não fala é cúmplice silencioso de sua morte.
A palavra pode trazer de volta a vida e o amor, e não só entre homens e mulheres. “Temos que falar de tudo entre nós, como fazem elas”, diz um amigo ao outro. Mas, de novo, o outro não percebe como “dizer tudo”, e com sinceridade, é tão importante. Sua falta (não contar tudo ao amigo) é punida com a morte. Por não se entregar à palavra livre, perdeu seus vínculos afetivos. É o balé da vida.
Nestes tempos de violência entre amado e amada, filhos e pais, resgatar o falar como característica intrinsecamente humana, e não apenas feminina, é preciso. Usar a palavra como mediação nos relacionamentos é o meio mais singelo de se expulsar a violência. Não importa se em diálogo ou monólogo. Não importa se desde o feminino ou o masculino. Importa, sim, que se fale, não apenas com ela, mas com qualquer um.
Nossa esposa, ou nossa mãe, antes de tudo, é mulher. E mulher ou mãe, precisa ganhar de nós homens muito mais do que um ramalhete de flores.