Paulo César Carbonari: um militante de direitos humanos do Brasil

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Paulo César Carbonari é militante de atuação conhecida e reconhecida em todo Brasil. Desde muito jovem, ainda cursando filosofia, engajou-se na Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) e nunca mais parou de atuar na defesa e promoção dos direitos humanos. Além de sua atuação local, assessora movimentos populares, cooperativas de crédito, ONGs em diferentes estados brasileiros. Participa, ativamente, na formulação de relatórios sobre situação dos direitos humanos no Brasil e que são apresentados e discutidos em fóruns e entidades de representação internacional como a ONU.

Recentemente, no ano de 2014 assumiu a presidência do Conselho Estadual de Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, estando já no segundo mandato, que vai até agosto de 2020. É, atualmente, coordenador de formação do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), desde dezembro de 2018, mas já tinha sido membro da direção nacional por mais de dez anos. Participou da formulação de várias políticas públicas entre as quais a proposta de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, do Programa Nacional de Direitos Humanos e do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, tendo sido membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos por vários anos. 

Sua atuação também se destaca pela formulação teórica no campo dos direitos humanos, especialmente pela pesquisa e ensino. É professor de filosofia no Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE) onde coordenou várias edições do Curso de Especialização em Direitos Humanos, coordenou grupos de pesquisa e publicações sobre direitos humanos, entre elas coordenou a coleção “Sentido Filosófico dos Direitos Humanos” e participa do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Educação em Direitos Humanos.

Seu doutorado em filosofia aborda uma das questões chave para a atuação em direitos humanos, a vítima, sendo que a aborda na perspectiva do sujeito ético. A tese ainda é inédita e está em preparação para publicação.

Conheçamos um pouco mais Carbonari por ele mesmo, nesta entrevista exclusiva.

NEI ALBERTO PIES: Como iniciou tua atuação militante na defesa e promoção dos direitos humanos?

PAULO CÉSAR CARBONARI: Era 1989, há 30 anos, eu era estudante de graduação em filosofia no IFIBE, estava no segundo ano, comecei a participar da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF).  www.cdhpf.org.br

 No ano seguinte fui contratado para atuação liberada, meio tempo, o que me ajudou a concluir o pagamento da graduação, inclusive. Eu fui encarregado de implementar o projeto Formação de Consciência Crítica, uma atuação junto às comunidades de periferia, que consistia em assistir a um curta-metragem seguido de debate, para o que havia um equipamento próprio de projeção. O curta que mais assistimos foi “Ilha das Flores”.  Foi uma experiência única. Muita aprendizagem.

Eu também tinha que fazer o atendimento das demandas de alegação de violações. No primeiro dia de trabalho recebi uma ligação de que no dia seguinte haveria uma ação na Polícia Civil na qual um cidadão que havia acusado policiais de tortura era chamado a fazer reconhecimento dos responsáveis por esta prática. Liguei para vários dos membros da coordenação e pedi orientação. Fui até a casa do cidadão, que ficava na periferia do Bairro São José. No dia seguinte fui com ele à Delegacia. Foi meu batismo de sangue. Marcou-me para toda a vida. Ter que acompanhar uma pessoa vítima de tortura para o reconhecimento de seus algozes e dar condições de responsabilização foi marcante.

O convite para a militância foi feito pelo grande mestre, Padre Roque Zimmermann, falecido recentemente a quem devo meu engajamento nesta luta. No ano seguinte terminei a graduação e decidi que me dedicaria à organização e à luta popular por direitos humanos e também à docência em filosofia. A primeira fiz na CDHPF e a segunda no Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE). Logo também participei pela primeira vez do VI Encontro Nacional de Direitos Humanos, que reunia as filiadas do Movimento Nacional de Direitos Humanos, em Vargem Grande, SP. Foi minha primeira viagem para fora do Rio Grande do Sul. A partir dele participei de quase todos os encontros promovidos nos anos seguintes. Ali conheci referências nacionais que foram fundamentais para inspirar a atuação em direitos humanos.

NEI ALBERTO PIES: O que motiva, ao longo destas três décadas,na militância de direitos humanos no Brasil?

PAULO CÉSAR CARBONARI: Eu me entendo um militante de direitos humanos, pois me sinto um caminheiro, que está a caminho, em luta. O inacabamento humano e a consciência que temos dele nos faz tomar posição no mundo, tomar lado, assumir causas, juntar-se em organização, construir lutas, promovendo processos, afetando pessoas e, acima de tudo, querer ser mais com os/as outros/as e querer que os/as outros/as sejam mais.

Os direitos humanos, assim como os entendo, são conquistas da organização e da luta daqueles/as que são excluídos das condições de produção, reprodução e desenvolvimento da vida humanizada. Por isso, os vejo como projeto de construção social e política, de aprendizagem.

Falar de direitos humanos é “direitoshumanizar e direitoshumanizar-se direitoshumanizando-se” (me perdoem o neologismo). Trata-se de um processo de promoção de “sujeitos de direitos humanos”. E isso é, de alguma forma, querer o impossível num contexto no qual o necessário e o que parecia possível tornaram-se impossível. Enfim, o que me motiva a cada luta, a cada processo, a cada momento é saber que, como diz Zé Vicente: “Se é pra ir a luta, eu vou! / Se é pra tá presente, eu tô! / Pois na vida da gente o que vale é o amor”.

NEI ALBERTO PIES: O que significa para ti atuar localmente (Passo Fundo) e participar ativamente na formulação das diretrizes e na condução das pautas de direitos humanos em todo o Brasil, junto ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)?

PAULO CÉSAR CARBONARI: A luta por direitos humanos não tem fronteiras. Mas ela precisa estar enraizada. Isso significa que se faz a luta articulando o local com o regional, o nacional, o internacional, o global.

Na verdade, qualquer vítima de violação, em qualquer lugar do mundo, precisa da solidariedade dos/as militantes de direitos humanos.

Quando comecei a militância na Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, uma das tarefas era mandar cartas com manifestação de repúdio ou de solidariedade para vários lugares do Brasil e do mundo, lá onde houvesse necessidade. Aprendi, por isso, que a presença do/a militante de direitos humanos é fundamental, onde está sendo chamado a atuar. A solidariedade e a cooperação são, por isso, necessárias para fortalecer as lutas por direitos humanos. O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) me deu a possibilidade de conhecer a realidade brasileira, conhecer militantes de direitos humanos de vários lugares e, sobretudo, reconhecer, encontrar e reencontrar companheiros/as de luta que se fortalecem mutuamente.

A experiência de participação no conselho nacional e na coordenação nacional do MNDH me ofereceram oportunidades únicas de aprendizagem e de ação. Também me oportunizaram a representação em ações internacionais, junto aos organismos das Nações Unidas (ONU) e a organizações internacionais. O fundamental disso é que qualquer atuação, importa o local onde seja feita, só faz sentido se estiver profundamente enraizada com os/as sujeitos/as e as lutas por direitos, estejam eles/as onde estiverem. Andei muito por vários lugares, mas a casa onde exerço a militância é a CDHPF, que neste ano celebra 35 anos. Com ela celebro 30 anos de militância em direitos humanos.

NEI ALBERTO PIES: O que mudou na forma e no jeito de fazer militância em direitos humanos no Brasil ao longo das últimas décadas?

PAULO CÉSAR CARBONARI: A militância em direitos humanos segue sendo um exercício de valentia, o que só se faz com coragem, com cuidado, com paciência, com firmeza. Agora como sempre, não dá para compactuar com nenhum tipo de prática de violação dos direitos humanos, o que exige denunciar as violações. Mas também exige fazer o anúncio da promoção dos sujeitos e dos direitos. A resistência e a solidariedade são qualidades das subjetividades militantes em direitos humanos.

Um/a defensor/a de direitos humanos não escolhe a quem defender, estará sempre do lado das vítimas de violação de direitos, de todos os direitos humanos.

O ser militante de direitos humanos é um modo de vida, uma responsabilidade e um compromisso com aqueles/as que reclamam proteção e cuidado, sempre respeitando a autonomia e a dignidade de cada um/a.

NEI ALBERTO PIES: Houve ampliação no entendimento de direitos humanos, sobretudo quando se passou a enfatizar os direitos econômicos, sociais e culturais: o que isto representou na luta concreta dos direitos humanos?

PAULO CÉSAR CARBONARI: Bobbio, em “A Era dos Direitos” (1990), dizia que os direitos humanos não nasceram todos de uma vez e nem de uma vez por todas, ou seja, foram sendo reconhecidos, declarados e conquistados em processos históricos. Há direitos que sequer foram reconhecidos, há outros que ainda não foram declarados e há os que estão longe de ser conquistados, ainda que já tenham sido declarados. Os diversos (tipos de) direitos: civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, estão juntos na declaração mais referendada do mundo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) Foi a guerra fria que a cindiu em dois Pactos, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), em 1966. Na verdade, os direitos humanos formam um todo indivisível e interdependente, por isso universais (de todos/as e para todos/as). Felizmente assim os reafirmou a Declaração e o Programa de Ação da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993).

Ainda que o Brasil tenha integrado todos os direitos humanos já proclamados ao seu ordenamento jurídico (Constituição Federal 1988, artigos 5º, 6º, 14 e outros), a versão predominante sempre valorizou mais os direitos civis e políticos, por vezes confundindo-os com os direitos humanos, em detrimento dos direitos econômicos, sociais e culturais. Tanto isso foi forte que, quando da publicação do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-I), em 1996, não estavam contemplados os DhESC, como passarem a ser chamados, com o “h” para realçar que são direitos humanos, pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), que também denunciou esta deficiência, na II Conferência Nacional de Direitos Humanos (1997), o que levou a publicação do segundo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-II), em 2002, que viria para reparar isto.

Na verdade, o tratamento contemporâneo dos direitos humanos só veio com o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III), publicado há quase dez anos (em 2009). Teve uma publicação chave, feita pelo MNDH, CPT e FIAN, com o título “Direitos Humanos Econômicos, seu tempo chegou” (1995), que demarcou este processo de afirmação dos DhESC.

A luta é difícil, a história tem idas e vindas… mas o fundamental é seguir firme. Em tudo, eu diria que o fundamental é reafirmar a universalidade, a interdependência e a indivisibilidade do conjunto dos direitos humanos e, num contexto de retrocesso dos direitos e da “ditadura do dinheiro”, quando, em nome do fiscal se sacrifica a democracia e os direitos, está em questão defender todos/as os/as sujeitos/as de direitos e todos os direitos, aqueles já reconhecidos e declarados, mas também aqueles que ainda precisam ser reconhecidos, afirmados e declarados. Ainda mais, trata-se de trabalhar para realizar todos os direitos humanos para todos/as, já.

NEI ALBERTO PIES: Em dezembro de 2018 afirmaste em entrevista ao Jornal Sul21, que já estava em curso a intenção de acabar com os diferentes ativismos no Brasil. Com quase um ano de governo Bolsonaro, o que é possível afirmar?

PAULO CÉSAR CARBONARI: O que disse naquela entrevista continua valendo. Aliás a realidade ficou ainda pior. Tudo o que era promessa vem se realizando.

O presidente não tem o menor compromisso com direitos de quem quer que seja. Ele tem compromissos com privilégios e com a proteção daqueles/as que não precisam de proteção, pois sempre tiveram acesso e oportunidade. Ele defende uma concepção seletivista, punitivista e meritocrática de direitos humanos que, na verdade, abre mão do universalismo dos direitos que afirma que todos/as são sujeitos de direitos. Para ele, pelo contrário, têm direitos somente os “humanos direitos”, os “homens de bem”, quem “faz por merecer” em oposição aos direitos dos bandidos, dos preguiçosos/as, dos que nem humanos podem ser ditos, segundo ele.

 Estes/as para quem não reconhece direitos, a eles/as a guerra, o cerco, o ataque, como inimigos a serem destruídos (pela morte, pelo aprisionamento, pela criminalização, pela desmoralização e tantos outros meios). Por isso, a guerra aos indígenas, aos sem-terra, aos negros/as, aos jovens, às mulheres, aos indígenas, aos povos e comunidades tradicionais e tantos/as outros/as… Para estes/as não há direitos. Contra eles/as tudo, até porque os melhores têm o direito de ser melhores e de, por isso, atacá-los – são os piores. Que morram os/as que forem necessários para que uns poucos vivam, assim pensam e agem os que defendem este tipo de posição. Uma completa inversão e manipulação dos direitos humanos.

NEI ALBERTO PIES: Qual é a importância de educar em/para os direitos humanos?

PAULO CÉSAR CARBONARI: Educar em direitos humanos e para os direitos humanos é acreditar no processo formativo como experiência construtiva de sujeitos de direitos humanos. A educação é uma obra que se faz em processo e, como lembra Paulo Freire, como processo de realização da liberdade e em liberdade.

Faz sentido educar em direitos humanos como processo de formação permanente da cidadania. Acreditar que os seres humanos podem se humanizar pela educação é o grande desafio.

Não há um lugar privilegiado para fazer educação em direitos humanos. Todo lugar social, político, cultural é lugar de formação, de educação em direitos humanos.

Escolas, universidades, faculdades, movimentos sociais, grupos religiosos, organizações de base, dentro de casa, enfim, são todos locais para fazer educação em direitos humanos. Cada um deles precisa de abordagens próprias. Mas o fundamental é que em todos eles o central seja formar sujeitos/as que se reconheçam e que reconheçam a todos/as os/as outros/as como sujeitos. Aqui também entendo que há um desafio de fazer uma educação “direitoshumanizante”.

Educar em direitos humanos e para os direitos humanos não é uma escolha disponível aos gestores da educação ou mesmo aos/às educadores/as. É uma das obrigações para os processos formativos institucionais. Desde 2012, há Diretrizes Nacionais estabelecidas por um Parecer e uma Resolução do Conselho Nacional de Educação para orientar este processo. É muito importante que professores e professoras conheçam estas diretrizes (educação básica e educação não-formal) e, acima de tudo, desenvolvam práticas educativas para que todos/as os sujeitos em processo formativo conheçam e possam aprender a atuar em direitos humanos. Não se trata de gostar ou não, se trata de conhecer e agir usando um dos principais subsídios para promover a dignidade humana, patrimônio de toda a humanidade.

NEI ALBERTO PIES:  O que significa presidir o Conselho Estadual de Direitos Humanos no Rio Grande do Sul? Qual é a importância deste Conselho?

PAULO CÉSAR CARBONARI: Um serviço ao processo de construção de instrumentos públicos de proteção dos direitos humanos. O Conselho Estadual de Direitos Humanos é parte do Sistema Estadual de Direitos Humanos, que conta com vários instrumentos, mecanismos e órgãos de atuação com ampla participação da sociedade civil. Uma conquista da luta dos movimentos sociais e da persistência do MNDH, que por anos e pressionando diversos governos, foi finalmente efetivado com a aprovação pela Assembleia Legislativa e sanção pelo governador Tarso Genro, resultou na Lei Estadual nº 14.481/2014.

 O Conselho pode se manifestar sobre programas, projetos e ações de políticas públicas de direitos humanos, convocar e coordenar Conferências Estaduais de Direitos Humanos, aprovar a Política, o Programa e os Planos de Direitos Humanos, propor a elaboração e a reforma da legislação estadual e avaliar atos normativos, administrativos e legislativos de interesse dos direitos humanos, emitir pareceres, informações, recomendações, resoluções sobre temas de direitos humanos, denunciar aos órgãos competentes o não cumprimento das obrigações constitucionais e legais de direitos humanos por agentes públicos e privados, entre outras atribuições.

A presidência é uma atribuição de coordenação, de articulação e de representação e a temos cumprido como parte de nossa atuação em representação à CDHPF neste espaço. É compartilhada com a Mesa, da qual participam o MNDH-RS, pela Beatriz Lang, que também é oriunda da CDHPF, e a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

Nos últimos tempos também temos construído junto com outros Conselhos a Rede Nacional de Conselhos de Direitos Humanos, para fortalecer a atuação nos vários Estados e em nível Nacional. Um espaço de fortalecimento da participação social, promovendo a resistência, num tempo de desmonte da democracia participativa.

Acredito que o fortalecimento destes espaços públicos ajuda a sociedade civil a fazer ressoar suas denúncias e a buscar caminhos para enfrentar as graves realidades de violação, além de ajuda-las a realizar ações para promover os direitos humanos. Infelizmente os órgãos públicos ainda estão pouco permeáveis, há um desafio imenso para fazer acontecer o que seria óbvio, ou melhor, o que deveria ser de ofício para qualquer órgão público, cumprir a lei, ou seja, agir sempre em vista da realização dos direitos humanos.

NEI ALBERTO PIES: Representaste o Brasil, neste mês de outubro, em evento da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) em Taiwan. Conte-nos um pouco desta experiência mais recente de sua representação internacional.

PAULO CÉSAR CARBONARI: Sim, tive uma experiência única, participei do 40º Congresso da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), à qual o MNDH é associado, uma organização que reúne mais de 120 países do mundo todo, é quase centenária (fundada em 1922).

O Congresso discutiu as dificuldades de manter a universalidade dos direitos humanos, já que vem sendo atacada de forma contundente nos últimos anos. Foi possível constatar a gravidade das situações de violação dos direitos humanos nos vários lugares do mundo e também identificar os grandes desafios para a proteção dos/as defensores/as de direitos humanos e a necessidade de fazer lutas em vários temas, além de perceber a importância da solidariedade e da cooperação internacional. Fortalecemos laços com as organizações das Américas e estabelecemos programas de atuação conjunta no continente para os próximos anos.

O mundo está preocupado com o Brasil, sobretudo com o impacto de um governo de ultradireita nas garantias dos direitos humanos e na preservação da democracia.

O Congresso elegeu a primeira mulher como presidenta, é de Botswana, da África. Uma mudança simbólica importante. O Brasil também elegeu uma representante, uma das quinze vice-presidentes, Sandra Carvalho, da Justiça Global, que também é associada à FIDH.

Outro aspecto foi conhecer a Ásia. O local do encontro foi Taipei, capital de Taiwan. Uma região de cultura chinesa, mas que tem uma autonomia política em relação à China, ainda que não seja reconhecido como país pela comunidade internacional. Enfim, o central da experiência foi perceber que a luta por direitos humanos está viva e seguirá forte se se alimentar da solidariedade entre os/as sujeitos/as que se organizam para isso. Voltei ainda mais comprometido com a construção desta luta nos locais onde atuo, mas também convencido de que precisamos reforçar os laços internacionalistas. 

NEI ALBERTO PIES: Quais são, hoje, os maiores desafios para transformar os direitos humanos em experiência cotidiana de todas as pessoas no Brasil e no mundo?

PAULO CÉSAR CARBONARI: Os desafios são muitos. Fazer dos direitos humanos presença no cotidiano das pessoas significa, ao mesmo tempo, criar condições para a realização destes direitos como fora-de-vida, mas significa também mantê-los como desejo. O problema é que hoje para as maiorias os direitos humanos sequer seguem como esperança de realização. E o pior, há o uso dos direitos humanos como recurso de controle e regulação, formas de intervenção indevida.

Há ainda a questão de enfrentar as compreensões conservadoras (punitivistas, seletivistas e meritocrática) de direitos humanos que andam hegemônicas. Enfim, os desafios são imensos!.

 Os caminhos para lutar pela garantia da realização dos direitos humanoscontinuam sendo sempre um quer direitos humanos para todas e todos, lutar pelos direitos, pois, é assim que, ao longo da história, “os/as sem-direitos” conquistaram direitos. E há muitas e diversas formas de lutar por direitos.

Em cada contexto é preciso desenvolver a capacidade de compreender a situação, de agir adequadamente, de modo a tornar efetivas as possibilidades de afirmação das potências por vezes latentes. Para isso, a organização/luta, a formação/educação e as alianças são fundamentais para fazer a denúncia corajosa das violações, a cobrança/monitoramento dos compromissos e responsabilidades em direito humanos e, acima de tudo, o aprofundamento da solidariedade entre os/as sujeitos/as.

A resistência é um exercício cotidiano, tecido nas relações entre os/as sujeitos/as populares. É nisso que creio, nisso é que esperanço, nisso é que invisto. Ainda que as instituições possam oferecer algum tipo de proteção, em suas contradições, possam até oferecer resultados pontuais, nelas não creio estar a saída para o que precisamos em direitos humanos.

Definitivamente, a institucionalidade disponível não está para os direitos humanos e, ainda que por vezes delas resvale algum alento, não será delas que virá a necessária proteção, ao menos a seguirem como estão. A luta terá que transformar também as instituições para que efetivamente sejam feitas para promover e proteger os/a sujeitos/as e os direitos.

NEI ALBERTO PIES: Outras questões que queira considerar.

PAULO CÉSAR CARBONARI: Agradeço a cada militante de direitos humanos com os quais ombreamos lutas e processos organizativos. É a presença deles/as que nos mantém animados a seguir atuando. É porque há milhões de seres humanos que ainda não vivem direitos humanos que faz com que sigamos com o dever de responsabilidade para lutar pelos direitos humanos. É porque o capitalismo, o machismo, o patriarcado, o racismo, a aporofobia, a lgbtifobia e tantas outras formas de desumanização seguem campeando pelo mundo afora que temos que seguir em luta.

Estou convencido de que os passos que pudermos dar para transformar a realidade em vista de promover a realização dos direitos humanos, ainda que pequenos, serão fundamentais para que possamos “recuperar o quanto de humanidade já tivermos perdido”, como recomenda Sábato.


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