Pensando com Giordano Bruno

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Os condenados de hoje, no entanto, não vão mais para a fogueira, mas se tornam vítimas de outras formas de extermínio tão perversas como as que levaram o pensador italiano a morte.

Conforme atesta meu grande amigo Luiz Carlos Bombassaro (professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e um dos grandes estudiosos do assunto), o pensador italiano Giordano Bruno (1548-1600), foi certamente um dos maiores filósofos da Renascença. Sua biografia e sua obra o qualificam como uma das mentes mais originais e um dos mais importantes criadores de uma nova visão de mundo radicalmente distinta daquela difundida em sua época.

Conhecido como aquele que rompeu com as cadeias que prendiam o ser humano ao mundo fechado, Bruno foi um intelectual muito além de seu tempo, pois em seus escritos foi capaz de fundir filosofia, ciência e literatura e constituiu, dessa forma, uma nova forma de compreender a unidade nas múltiplas manifestações do universo.

Em seu livro Giordano Bruno e a filosofia da renascença, Bombassaro ressalta que para o pensador italiano uma das mais importantes questões filosóficas consistiu em explicar de que forma se realiza a atividade intelectual, como o intelecto humano se move em direção à contemplação da causa, o que move o mundo, como tudo se estabelece. Para ele, o princípio que tudo move é o amor, pois é este sentimento que tudo vincula. Há dois tipos de amor: amor humano e o amor divino. Enquanto o amor humano é vulgar e pode se constituir em uma tirania quando sufoca o outro, o amor divino é o vínculo dos vínculos, a causa do que existe no universo, pois está presente na multiplicidade das coisas, que ao mesmo tempo anseia pelo divino. O amor divino se infunde na alma e no corpo dos seres humanos e é este amor que possibilita a beleza que se traduz em harmonia, consonância e proporcionalidade entre as partes.

Contrariando o pensamento de sua época, Giordano Bruno compreende o universo como um sistema em permanente transformação, no qual todas as coisas são e não são ao mesmo tempo: o frio se torna calor, a água se torna vapor, o dia se torna noite. Tudo está em constante modificação. O universo, portanto, não é uma estrutura hierarquizada na qual o movimento é governado por uma ideia estática que tudo determina. Ao contrário, o Universo seria um todo no qual nada é imóvel, nem mesmo a Terra, como afirmava a antiga religião dos egípcios e o heliocentrismo de Nicolau Copérnico (astrônomo contemporâneo que também foi condenado a fogueira).

Para Giordano Bruno, o movimento de todas as coisa não seria de ordem mecânica, como se o mundo fosse um jogo de partículas móveis, cujo deslocamento dependeria de um movimento inicial possibilitado por um ser superior. Para o pensador italiano, o movimento é resultante da natureza dos seres vivos, pois todas as coisas possuiriam um princípio anímico, que faz transformarem-se permanentemente.

As ideias de Giordano Bruno contrariavam o sistema teológico-filosófico da época. Este tinha como uma de suas peças básicas a astronomia de Ptolomeu a qual afirmava que a Terra era um ponto imóvel privilegiado (o centro do universo), onde todos os corpos celestes giram ao seu redor. A essa astronomia ptolomaica juntava-se a concepção de que todos os movimentos são imperfeições e constituem transgressões da ordem divina. Por se colocar contra o pensamento dominante, Bruno foi preso, julgado e condenado a morte na fogueira pelo Tribunal da Inquisição. Sua execução aconteceu no dia 17 de fevereiro de 1.600.

Mais de quatrocentos anos nos separam dos acontecimentos preconceituosos que levaram Giordano Bruno a morte na fogueira. Certamente suas ideias foram revolucionárias para o desenvolvimento ciência moderna e amplamente reconhecidas pela humanidade.

No entanto, em pleno século XXI ainda persistem certos preconceitos obscuros que impedem de ver o mundo de forma diferente. Tais preconceitos negam os conhecimentos confirmados pela ciência estão produzindo os tempos sombrios, tão bem denunciados pela pensadora Hannah Arendt.

Os condenados de hoje, no entanto, não vão mais para a fogueira, mas se tornam vítimas de outras formas de extermínio tão perversas como as que levaram o pensador italiano a morte.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

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