2020 ainda será comprido,
mesmo que aparentemente tenha sido
congelado pela clausura.
É possível que 2020 só acabe em 2022,
e pode acabar mal, ou pode não ter fim.
Poucas vezes a humanidade teve tanto tempo para pensar. Mas estamos vivendo um desperdício de tempo.
Tenho pensado que, no meio disso tudo, sempre tem alguém comprando um carro zero ou uma calça ou uma gravata ou indo à Serra ver a neve.
Mas não conheço ninguém que tenha feito nada disso desde março ou abril. Nem sei se ainda vendem carro zero, ou se ainda compram carro.
Tenho certeza de que desde março as pessoas que conheço apenas trocam experiências virtuais e descobertas cotidianas sobre comidas, panelas, artesanato, bichos e plantas.
Ninguém compra nada, só faz descobertas. Acho bom, porque também estou nessa lida. Mas gostaria muito de comprar alguma coisa que não seja comida.
Não compro uma calça há 10 anos e de repente me deu vontade de comprar uma calça.
Não falo de afetos, de saudades, no plural mesmo, mas de adquirir ou ver alguma coisa, sentir falta do banal ou singelo, de algo que antes estava ao alcance de uma caminhada.
Não é o departamento dos filhos, dos netos, dos amigos, dos colegas, nem o do cafezinho, é o do consumo miúdo mesmo, de coisas úteis e inúteis e das paisagens mais distantes. Até do centro de Porto Alegre.
Se pudesse, amanhã eu sairia de casa para ir a uma livraria comprar uma agenda de 2020. Ainda não tenho agenda do ano.
E 2020 ainda será comprido, mesmo que aparentemente tenha sido congelado pela clausura. É possível que 2020 só acabe em 2022, e pode acabar mal, ou pode não ter fim.
Eu sairia e aproveitaria e compraria dois pacotinhos de post-it, um azul e um cor de rosa, e uma caneta preta Faber Castell 1.0.
Paisagem de rua já me consola. Ser atendido por alguém seria o máximo. Ouvir: mais alguma coisa?
Mas neve eu não quero ver. Para não ter que lembrar daqui a algum tempo que o ano da neve foi o ano da peste.
É no que às vezes tenho pensado. Sei que é um desperdício, enquanto tanta gente tenta imaginar como será a humanidade depois disso tudo. Mas é o que penso, é a realidade.
Na contramão deste momento de clausura, imposto pela Pandemia, há o movimento de “Consumir para existir”. Leia mais clicando aqui.