Por: Adriano José Hertzog Vieira[1]
Introdução
A gestão que se propõe pautar por um planejamento coletivo terá muito mais possibilidades de alcançar êxito do que uma administração enclausurada em suas percepções, encaminhamentos unilaterais ou procedimentos autoritários. Quando a comunidade, ou o grupo, encontra espaços para manifestar seus sonhos e reconhece nos procedimentos da gestão, a presença de suas vozes e seus anseios, a execução também passa a ser assumida por todos, ganha força de concretização e fortalece o espírito comunitário.
A gestão municipal de Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, por compreender a força, a profundidade e a eficácia do sonho compartilhado e coletivizado, buscou assessoria da Universidade de Passo Fundo para engendrar um processo de planejamento participativo com a comunidade lagoense. O percurso do planejamento iniciou em meados de 2014 e teve sua primeira etapa, com a entrega dos produtos, finalizada em junho de 2016.
A partir de um estudo de caracterização do município, das peculiaridades da gestão pública e do enfoque pretendido pela administração municipal, os assessores da UPF propuseram o método ZOPP (Zielorientierte Projektplanung = Planejamento de Projeto Orientado por Objetivo) de planejamento. Trata-se de uma proposta desenvolvida pela Cooperação Técnica Alemã e utilizada em todo o mundo por várias organizações e instituições. Algumas instituições especializadas em gestão, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV), estudam o método, aperfeiçoando-o e implementando-o em muitas das assessorias que oferece.
Partindo de oficinas, desenvolvidas com os principais grupos de interesse, de acordo com Carneiro (2007), o método ZOPP constitui-se em estrutura sistemática para a identificação das situações da organização, seu planejamento e indicações basilares para a gestão. Os dois principais objetivos do ZOPP são: a) definir objetivos claros e realistas e b) melhorar a comunicação e a cooperação entre os envolvidos, através do planejamento conjunto, claras definições e documentação do projeto (CARNEIRO, 2007).
Esta abordagem possibilita, ainda, que os envolvidos participem ativamente das decisões,determinando as áreas de abrangência e criando indicadores claros para a avaliação, acompanhamento e monitoramento. A gestão que opta por um planejamento participativo tem como principal foco o desenvolvimento, a otimização de serviços e a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos a ela relacionados. O planejamento participativo tem por principal foco a construção da realidade social (GANDIN, 2001).
Escutar: o primeiro passo
De modo geral, existe uma percepção, mais ou menos elaborada, da situação em que se vive, e a qual se quer modificar. Entretanto, qualquer projeto que se pretenda eficaz não pode basear-se somente nesta primeira percepção. É necessário aprofundar, detalhar, focar e priorizar aquilo que está se percebendo. Quando a realidade em questão diz respeito à organização pública, esta necessidade de um olhar mais aguçado se faz ainda mais contundente. Daí que, o primeiro passo de um planejamento sério, bem estruturado e que responda às reais necessidades da população precisa partir de uma escuta sensível, qualificada e sistematizada das grandes questões da comunidade.
Com base nas premissas do método ZOPP, a equipe de profissionais que assessorou o processo de planejamento, juntamente com o poder executivo de Lagoa Vermelha, elencou as principais áreas de abrangência da gestão pública. Foram, assim, listadas as seguintes dimensões: institucional, econômica, social (educação e cultura), infraestrutura e território, saúde e meio ambiente. A partir daí, organizou-se um plano de ação com os seguintes produtos: 1) plano de capacitação dos sujeitos do processo de planejamento; 2) plano de mobilização social; 3) diagnóstico; 4) matrizes de planejamento e 5) relatório final.
Os vários instrumentos de escuta permitiram o diagnóstico a partir do qual é possível precisar os objetivos e os meios para alcançá-los. Um plano de mobilização social, com uma proposta que partiu do chamado aos membros da comunidade, convidando-os a participação, construiu os instrumentos que foram organizados em reuniões temáticas, diálogos com coletivos específicos (sindicatos, associações, comunidades), distribuição de urnas de coleta de sugestões, visitas aos bairros e zonas rurais, questionários online, entre outros. Todo o tipo de manifestação da comunidade foi acolhido pela equipe do planejamento.
Para cada dimensão levantada foram organizados dois encontros temáticos. O convite à participação era aberto a comunidade e amplamente divulgado. O primeiro encontro contava com a participação de um especialista da área em questão. O convidado apresentava os grandes conceitos do tema, trazia dados com foco na realidade do município e fazia uma análise da conjuntura e da situação de cada área. Depois, abria-se o diálogo para questões, esclarecimentos e manifestações do grupo. Num segundo momento, os participantes organizavam-se em pequenos grupos a fim de discutir o tema, com as questões levantadas e focalizar as peculiaridades do município em relação ao que foi apresentado. Finalmente, socializa-se a síntese das discussões no grupo.
O segundo encontro tem por objetivo levantar os principais problemas, sistematizá-los e priorizá-los. Os grupos são convidados a elencar os problemas percebidos na dimensão em foco. Utiliza-se a imagem da “árvore” como esquema de sistematização de cada problema. No tronco da árvore escreve-se o problema. A partir daí propõe-se uma discussão tendo como metáfora a raíz: de onde provém este problema? Quais suas causas? Depois, dialoga-se sobre as consequências (galhos), a partir das questões: o que este problema produz na comunidade, na cidade? Quais as consequências deste problema? A árvore de problemas expressa a rede causal, ou seja, a complexidade de causas e efeitos no qual o problema a ser superado está envolvido. Este diagnóstico é fundamental para que, ao elaborarem-se os objetivos, estes sejam o mais operacionais possíveis, propiciando um resultado mais eficaz.
O diagnóstico
A partir do conjunto das informações coletadas, o grupo coordenador do processo de planejamento fez um estudo e uma nova sistematização. O produto deste trabalho, um relatório diagnóstico, é novamente submetido aos grupos da comunidade que estão colaborando no processo. Esta etapa é muito importante, será neste momento que a comunidade faz um elenco de prioridades em cada área ou dimensão. Para isto, a construção de consensos é fundamental. O coordenador desta etapa terá como tarefa mediar os interesses pessoais ou de grupos, ponderando, a partir de argumentos objetivos, sobretudo considerados nas raízes e nos galhos das árvores de problemas. Com base nas discussões, o grupo é, então, convidado a elencar, de forma ordinal, as prioridades a serem consideradas na etapa seguinte do planejamento.
As matrizes do planejamento
As matrizes constituem-se em um primeiro instrumento operacional do planejamento. Em cada uma delas, construídas a partir das dimensões (uma matriz para cada dimensão), formula-se o problema, de forma completa e abrangente. A partir do problema e considerando-se a hierarquia de prioridades, elaboram-se os objetivos. Os objetivos são elaborados a partir de verbos escritos no infinitivo, considerando-se, ainda, a operacionalidade.
A partir do objetivo, estabelecem-se as ações a serem desenvolvidas para alcançá-lo. As ações precisam ser realistas e factíveis. É importante, também, que se tenha clareza de uma sequência de ações progressivas e relacionadas entre si. É possível que, diante da complexidade da administração de um munícípio, seja necessário trabalhar com a ideia de pré requisitos. Tendo-se clareza das ações a serem desenvolvidas, é hora de definir os indicadores. Como o próprio nome define, os indicadores “indicam” a execução da ação. Também com características bem realistas e factíveis, os indicadores precisam ser claros e, se possível, quantificáveis. Os indicadores serão elementos fundamentais para o acompanhamento e a avaliação do cumprimento do objetivo.
Outro elemento fundamental para o sucesso de um planejamento é ter uma equipe responsável por cada objetivo. Com o mesmo espírito cooperativo e participativo que mobiliza o planejamento, faz-se necessário que os envolvidos no processo de escuta, diagnóstico, elaboração, também contribuam com a execução. No grupo que coordenará cada objetivo, é necessário definir papéis: coordenação, relatoria, avaliação, ou outras funções que sejam necessárias, de acordo com a peculiaridade do objetivo.
A equipe responsável pelo objetivo definirá, a partir da realidade administrativa, um cronograma para a execução de cada ação. Os prazos precisam ser bem definidos, considerando-se a característica da ação em questão e a realidade na qual ela será executada.
Finalmente, para chegar a bom termo, o objetivo precisa ser monitorado. O monitoramento será fundamental para uma avaliação precisa do cumprimento do objetivo. Para tanto, faz-se necessário que, através de um instrumento simples, em uma planilha, deixe-se claro os indicadores e o cronograma. A partir da relação entre estes dois elementos, estabelece-se um quadro do status da ação. Ao alcançar-se o objetivo, é importante que a comunidade seja informada, apresentando-se, também, um relatório da execução das ações. Reforça-se, aqui, a importância de um envolvimento da comunidade em todo o processo de planejamento.
Conclusão
Comunidade feliz é aquela que participa. Ninguém conhece melhor a vida de uma cidade do que os cidadãos e cidadãs que nela vivem. Uma gestão que convoque a sociedade civil para a construção das grandes propostas a serem executadas, parte do pressuposto fundamental do respeito àqueles e àquelas que formam a sociedade. O acolhimento dos desejos, sonhos e esperanças da população é atitude basilar para quem quer fazer uma gestão de qualidade, com foco na melhoria da vida das pessoas e do serviço a elas prestado.
A esperança é condição identitária do ser humano (FREIRE, 1992), que é vivenciada na expressão dos desejos e na concretização de sonhos. Nenhum ser humano é feliz sem um sonho a ser perseguido. Quando o sonho é partilhado, encontrando companhia em outros sonhos, transforma-se em projeto e ganha força de realização. A gestão que convida os sujeitos dela pertencentes ao sonho coletivo, reposiciona as pessoas em um novo campo de ação no qual todas e todos se reconhecem autores da realidade, construindo sentido para viver o cotidiano da comunidade. O planejamento participativo é caminho para este envolvimento capaz de conclamar cidadãos e cidadãs de uma cidade inteira à reconstrução da comunidade municipal em vista de uma melhor qualidade de vida e da cultura do bem viver. A atual gestão de Lagoa Vermelha, por meio do planejamento participativo, está se posicionando na vanguarda de um novo projeto de cidade.
Referências
CARNEIRO, M. C. ZOPP. Recife: NESCON, 2007.
FREIRE, P. A Pedagogia da Esperança: Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
GANDIN, D. A Posição do Planejamento Participativo entre as Ferramentas de Intervenção na Realidade. Em: Currículo Sem Fronteiras, V.1, N.1, pp.81-95, jan./jun.2001.
RAIMUNDO, J. S. Procedimentos de Gestão Social na Escuta Qualificada: Elementos Para um Programa de Formação Continuada em Serviço de Saúde. Dissertação de Mestrado: Centro Universitário UNA. Belo Horizonte, 2011.
Este texto é uma versão reduzida do capítulo de mesmo título publicado no livro do Planejamento Estratégico de Lagoa Vermelha.
[1] Doutor em Educação: Aprendizagem, Currículo e Formação Docente (2014/UCB); Mestre em Educação: Currículo, Cultura e Sociedade (2003/UNISINOS); Bacharel e Licenciado em Filosofia (1998/UNILASALLE); Licenciado em Pastoral Catequética (1992/UNILASALLE); Curso Técnico em Magistério (1990/CEL); Formação em Psicanálise Clínica (2007/ANPC); Formação em Acompanhamento e Discernimento Vocacional (1998/UNILASALLE). Atualmente é Diretor do Instituto Transdisciplinar de Formação Saber Cuidar. Assessor Pedagógico da Editora Edebê Brasil (desde 2014). Assessor Pedagógico da Vice-Reitoria de Extensão da Universidade de Passo Fundo/RS (desde 2014). Consultor Para a Formação Docente na Rede Salesiana de Escolas do Brasil (desde 2014); Atuou como Docente no Curso de Pedagogia da Universidade Católica de Brasília (UCB) de 2003 a 2015. Nesta instituição, foi Diretor de Programas de Pastoral (2007 a 2009), Diretor do Curso de Pedagogia (2009 a 2012), Diretor de Programas Comunitários e de Extensão (2012 a 2014). Na UCB, também participou do Comitê Assessor de Extensão (2003 a 2006), Comissão Própria de Avaliação (2004 a 2009), Conselho Consultivo da Reitoria (2007 a 2011) e do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (2009 a 2011). Coordenou o Projeto Sonho Possível, que criou a Escola Fundamental La Salle de Sapucaia do Sul/RS (1997 a 2002). Foi professor de Ensino Fundamental 1 em 1990/91, de Ensino Fundamental 2 de 1994 a 1998 e Ensino Médio de 2002 a 2003. É membro do Grupo de Pesquisa (CNPq) Ecologia dos Saberes, Docência e Transdisciplinaridade. Autor do livro “Eixos Significantes: Ensaio de Um Currículo da Esperança na Escola Contemporânea” (Brasília: Universa, 2008), Organizador com Maria Cândida Moraes e Juan Miguel Batalloso do livro “A Esperança da Pedagogia: Paulo Freire – Consciência e Compromisso” (Brasília: Liberlivro, 2012). Autor de inúmeros artigos científicos. Palestrante e conferencista em nível Nacional e Internacional. Temas que aborda: Pensamento Complexo e Transdisciplinaridade; Formação Docente; Aprendizagem; Extensão Universitária; Currículo; Pedagogias Inovadoras.