O Ensino Religioso é conhecimento/ é cultura que precisa ser estudada nas escolas, visto que a religiosidade é uma dimensão que compõe o ser humano. Negar essa dimensão significaria prestar um desserviço a formação humana, cada vez mais urgente neste cenário marcado pela intolerância, pelo desrespeito a vida, pelos totalitarismos que se impõe ferindo a dignidade e destruindo o planeta terra.
Este é o segundo de três ensaios sobre o Ensino Religioso escolar. No primeiro ensaio abordamos, ainda que de forma breve, a história deste componente curricular, na sua origem vinculado a Igrejas e ao ensino de doutrina:
O catolicismo, religião considerada na época oficial e hoje a que tem maior número de adeptos, contribuiu para essa concepção de um ensino religioso com caráter catequético. Pensando na realidade brasileira isso se torna ainda mais crível se considerarmos o “descobrimento” da América Latina, a catequização dos que aqui residiam e toda educação Jesuíta que se seguiu. Você pode acessar esse primeiro ensaio aqui: https://www.neipies.com/historia-fundamentos-e-metodologia-do-ensino-religioso-escolar-ensaios-de-uma-reflexao-em-construcao/
Neste segundo ensaio, pretendemos apresentar os fundamentos para um ensino religioso concebido como conhecimento necessário para a formação humana, que se deseja crítica, dialógica, democrática e consequentemente marcada pela afirmação da alteridade, desta forma pretendemos oferecer uma resposta para a questão: porque é importante o ensino religioso nos currículos escolares?
Em primeiro lugar salientamos que o ser humano possui uma dimensão religiosa, as instituições de ensino, independente do sistema a que pertençam, não podem excluir do seu horizonte pedagógico essa dimensão que é tão importante quanto a política, social, psicológica e ética.
[…] ontologicamente, a dimensão religiosa compõe a estrutura do ser humano. Pressupor, por isso, a dimensão religiosa, significa acreditar que o ser humano é radicalmente religioso, no sentido de raiz e fundamento. A dimensão religiosa seria, então, um fundamento da estrutura do ser humano, e ao mesmo tempo, uma busca, uma tentativa de compreensão dos fenômenos religiosos nos induz a investigar a estrutura do ser humano, a fim de compreender o que seja “o religioso”, ou seja, a dimensão religiosa. A disciplina de ensino religioso, talvez, seja a melhor provocação para uma investigação mais profunda em torno do religioso. (BENINCÁ, 2010. p. 52).
O Ensino religioso consiste no espaço mais adequado para investigação do fenômeno religioso, visto que no interior das instituições prima-se pela doutrina, o que se constitui em impedimento para contemplar a diversidade, a pluralidade e as especificidades dos fenômenos religiosos como aparecem nas diferentes culturas e tradições. Aqui está um argumento favorável ao ensino religioso como estudo dos fenômenos que envolvem as diferentes práticas, independentemente de serem politeístas, monoteístas, ocidentais ou orientais.
Sendo assim, entendemos também que cabe ao ensino religioso oferecer aos estudantes acesso a ampla cultura religiosa já produzida pela humanidade, visto que é da natureza da escola oferecer aos estudantes acesso aos saberes produzidos:
A escola por sua natureza histórica tem uma dupla função: trabalhar com os conhecimentos humanos sistematizados, historicamente produzidos e acumulados, e criar novos. Os mesmos são produto da experiência individual (senso -comum), da ciência, da filosofia e da teologia. Embora tenha como ponto de partida o conhecimento revelado, a teologia é uma reflexão humana, ou seja, um saber humano. (BENINCÀ, 2010, p.64).
Entendemos que o Ensino Religioso precisa ser ofertado na escola porque se trata de um conhecimento, com objetos específicos a serem estudados. Embora possa não interessar a todos, é de grande relevância que as religiões, os fenômenos religiosos sejam estudados e conhecidos. A educação não pode se eximir do dever ético de formar para posturas cidadãs, inclusivas, o que se faz a partir de valores que o ensino religioso pode ajudar a solidificar enquanto componente que possui suas especificidades e seu caráter de valorização da diversidade e dos diferentes modos de crer e viver, essa premissa se torna ainda mais crível se consideramos que no Brasil “a cada 15 horas ocorre uma denúncia de intolerância religiosa ou seja, alteridades são negadas, concepções totalitárias se impõe pela força da violência, do desrespeito, da negação da liberdade, o que se constitui em violação do 18º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988.” (PEREIRA, Marciano. 2021).
Importante salientar que o ensino religioso, quando “ministrado” na perspectiva do respeito às alteridades, favorece para construção de uma cultura da paz, que não ocorre sem um agir democrático e coerente com os Direitos Humanos.
Ainda nesse sentido, ao pensar essa dimensão humana e acessar conhecimentos religiosos já produzidos pela humanidade, os estudantes são instigados a refletir a própria existência, a finitude e o valor da vida, a importância dos rituais, dos valores éticos e morais de cada crença, cujo fenômeno é estudado e investigado. Mais do que em outros tempos, precisamos proporcionar uma educação para a paz, visando produzir uma cultura democrática que acolha e dialogue com a diversidade, esse princípio emana da liberdade como salientou o papa Francisco em seu discurso sobre liberdade religiosa:
“A razão reconhece na liberdade religiosa um direito fundamental do homem que reflete a sua mais alta dignidade, aquela de poder procurar a verdade e de aderir a ela, e reconhece nessa uma condição indispensável para poder empregar toda sua potencialidade. A liberdade religiosa não é somente aquela de um pensamento ou de um culto privado. É a liberdade de viver segundo os princípios éticos consequentes da verdade encontrada, privada ou publicamente. (Papa Francisco 20/07/2014)
A partir deste princípio salientado pelo Papa Francisco, entendemos e frisamos que a escola é o local adequado para o estudo e a produção de cultura. É na escola que além do estudo os sujeitos se encontram com a diversidade de orientações também religiosas, por isso conhece-las do ponto de vista fenomênico significa promover a liberdade enaltecida no trecho do discurso citado acima. Ainda sobre esse aspecto salienta Benicá sobre a sala de aula:
Um espaço onde o fenômeno religioso pode ser observado é a sala de aula. O fenômeno é evidenciado: na curiosidade dos alunos sobre “verdades” que envolvam o tema do mistério e do absoluto; no vinculo dos valores e comportamentos morais com as doutrinas das instituições religiosas. Esse fenômeno se expressa, na maioria das vezes, em forma de contestação, como proibições: nos objetos artísticos com sugestões simbólicas; nas diferenças de credos, doutrinas rituais; nas aproximações de doutrina, de culto, de ritos em prol da saúde, entre os grupos religiosos; na capacidade de dialogar sobre o religioso, sem gerar agressão e violência […]. (BENINCÁ 2010. p. 59).
Frisamos que a escola pode valorizar a dimensão religiosa de cada sujeito e oferecer acesso à cultura religiosa, visando educar para uma cultura da paz. No entanto, não é objetivo do ensino religioso escolar propor a vivência de uma religião aos estudantes, existe o âmbito da vivência religiosa que pode ocorrer ou não, deste o seio familiar, a escola não desautoriza, não nega esse fato, ao contrário, acolhe, valoriza e dialoga com tais vivências dentro do conjunto maior de fenômenos religiosos encontrados na cultura dos povos deste o surgimento da humanidade até os dias de hoje.
O Ensino Religioso é um conhecimento/ é cultura que precisa ser estudada nas escolas, visto que a religiosidade é uma dimensão que compõe o ser humano. Negar essa dimensão significaria prestar um desserviço a formação humana, cada vez mais urgente neste cenário marcado pela intolerância, pelo desrespeito a vida, pelos totalitarismos que se impõe ferindo a dignidade e destruindo o planeta terra.
De que forma as aulas de ensino religioso podem se constituir em espaços para investigação do fenômeno religioso, para o desenvolvimento de atitudes humanizadoras fundadas no respeito a alteridade? Qual/ quais metodologias favorecem um ensino pautado nos princípios apresentados neste ensaio? Essas são as perguntas que tentaremos responder no terceiro ensaio.
Referências:
BENINCÁ, Elli. Religião, Saúde e o Popular. Passo Fundo. Editora Berthier 2010.
PEREIRA Marciano. Palavras de Esperança e Religiosidade em Tempos de Pandemia. Disponível em https://www.neipies.com/palavras-de-esperanca-e-religiosidade-em-tempos-de-pandemia/#_ftn1 Acesso 02/09/2021.
Audiência com os participantes da Conferência Internacional “A liberdade religiosa segundo o direito internacional e o conflito de valores” Sala do Consistório – Vaticano Sexta-feira, 20 de junho de 2014. Disponível em https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/discursos/discurso-do-papa-sobre-liberdade-religiosa-200614/ Acesso 05/09/2021.
Autor: Marciano Pereira
Edição: Alex Rosset