Em lugar de negar-lhes a história,
faríamos melhor se ouvíssemos
as história que têm para contar.
Recentemente ganhei uma máquina fotográfica nova aqui na missão. Por isso, um amigo me provocou: “Aí na África tem muitos bichos legais. Você tem que começar a postar fotos dos leões e elefantes também”. Decidi na hora que precisamos falar sobre isso.
O questionamento me despertou para dois pontos importantes. Primeiro, o conceito de que em todo lugar da África existem grandes feras selvagens prontas a comer o que aparecer pela frente – especialmente pessoas. E, segundo, a ideia de que a África é um lugar só. Um pequeno país cheio de animais e gente sem roupa.
Para começar, minha escolha por tirar e postar fotos de pessoas não acontece apenas porque eu acredito que elas são a melhor maneira de expressar a real beleza do local que vivo mas, também, porque não tive, em 10 meses, absolutamente nenhum contato com algum animal “legal”. Isso mesmo. Sinto decepcionar, mas não vi nenhum leão, nenhum elefante e muito menos uma girafa ou uma zebra. Nem sequer um crocodilo ou uma cobra maior que 30cm.
Além disso, precisamos lembrar que a África é um continente imenso, com 54 países e, assim como o continente americano ou o europeu, possui uma vasta variedade de tradições, idiomas, culturas, climas, vegetações, povos e realidades.
Temos que concordar que falar de qualquer coisa em relação a África neste tom reducionista é como resumir a América pelos Estados Unidos.
Sem conhecer muito, baseados naquilo que nossos livros de história nos apresentaram, muitas vezes falamos de cultura africana sem perceber que, na realidade, não existe uma cultura única na África – ainda bem, porque é tanta riqueza em cada uma delas, que muita coisa se perderia se fosse assim! Quando você percebe que na realidade são mais de 1 bilhão de pessoas e cerca de 3 mil grupos étnicos, não dá para imaginar muita uniformidade.
Acontece que a África (o continente!) nos foi (im)posta como um lugar tão distante e tão impossível de chegar – e também tão desinteressante -, que toda a má reputação que ganhou ainda é muito viva em nós. Visualizamos em nossas mentes apenas um lugar sem conserto, tomado pela miséria, onde corvos aguardam a morte de crianças para devorá-las.
Não posso negar que muitas pessoas ainda morrem por falta de comida, medicamentos e água em muitos lugares do continente. Mas a África não vive só de pobreza, safaris e tambores.
Em Moçambique, uma pequena porção da Terra-Mãe, convivemos com um povo que não cansa de trabalhar e lutar por uma vida melhor, seja nos grandes centros ou nos distritos do interior, nas pequenas propriedades rurais familiares ou nas grandes empresas (estrangeiras). Por aqui, em muitos lugares já chegou a energia, o computador, a internet e até o Facebook. Em outros, é claro, a televisão ainda é novidade e carro é coisa para criança curiosa correr atrás.
No local onde vivo, norte de Moçambique, os recursos são realmente poucos. Mas isso não acontece porque é um lugar esquecido ou castigado por Deus.
A precariedade na alimentação, na saúde, na educação e na habitação aqui é resultado de um sistema corrupto, que vende medicamentos já pagos com recursos estrangeiros e literalmente come multas de trânsito, impostos e contribuições sociais.
Apesar disso, sabemos que o trabalho diário de cada moçambicano é regado pelo sonho e pela crença de um país melhor. A esperança é o grande ânimo deste povo, em um contexto de mudanças rápidas, cheio de inovações e estranhezas de uma África cheia de novidades e diferenças.