Em entrevista exclusiva, Drauzio Varella
defende o sistema como política de inserção social
e reforça sua importância para a sobrevivência dos brasileiros.
Publicado originalmente em Revista Radis.
“O que aconteceu com a saúde do Brasil?”, perguntou Drauzio Varella à plateia que lotava o auditório do Museu da Vida, no Rio de Janeiro, naquela manhã de 21 de outubro. O médico havia chegado de São Paulo para abrir a 16ª edição da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) da Fiocruz. Iria falar de saúde, ciência, mostrar dados do país. Mas, como ele disse logo no início, deixou seu pen drive com a apresentação em casa. Falaria de improviso. Sem perder o bom humor, Drauzio teve espaço de sobra para se voltar a temas que defende de forma incondicional, em especial o SUS, que considera uma “ousadia” e “a maior revolução na história da medicina brasileira”. “Imagina um país como era o Brasil, em 1988, em que um bando de visionários resolve dizer ´nós temos que dar saúde gratuita para todos´. Até hoje, nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes ousou tanto”, avaliou.
Dono de uma personalidade carismática, Drauzio voltou no tempo e costurou histórias de sua vida pessoal para mostrar o quanto o Brasil avançou depois da criação do sistema. Para ele, há um antes e um depois claro, um marco a partir de 1988. O menino nascido no Brás, um bairro operário na Zona Leste de São Paulo, só aos sete anos foi ao médico — e virou o centro da curiosidade dos amigos. “Naquela época ninguém tinha pediatra, ninguém ia ao médico tão cedo. Alguém consegue imaginar que isso é possível hoje em dia?”, comparou, lembrando que o país, à época, era majoritariamente rural. “Se não havia pediatra para crianças que moravam na periferia da cidade que mais crescia, imagina que tipo de assistência médica era dada pelo país. Não havia assistência médica. Ponto. Não havia nenhum planejamento ou intenção de dar saúde pública para todos. O SUS mudou esse quadro”.
Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde entrou em 1962, Drauzio Varella é oncologista, professor, escritor — autor de 10 livros sobre saúde e temas sociais — e palestrante. Há mais de 30 anos, é voluntário em penitenciárias paulistas, masculinas e femininas, trabalho que foi iniciado com prevenção à aids na Casa de Detenção de São Paulo. Dessa experiência surgiu a trilogia “Estação Carandiru” (1999), “Carcereiros” (2012) e “Prisioneiras” (2017), que mostram a crueza do sistema carcerário brasileiro, a invisibilidade de pessoas encarceradas e como funciona a vida para quem está atrás das grades. O primeiro deles, um best-seller, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria “não-ficção”, em 2000. Quatro anos depois, virou filme dirigido pelo cineasta Hector Babenco.
Muito antes do filme, em 1985, Drauzio tratou os primeiros casos de aids em São Paulo. O médico foi um dos pioneiros no tratamento da doença, especialmente do sarcoma de Kaposi, no Brasil. Em 1986, gravou campanhas de prevenção à aids em rádios paulistas. Ao publicar um artigo em um jornal sobre o assunto, ele deu seus primeiros passos no campo da comunicação e saúde. “Quando comecei, médico não falava nos meios de comunicação pois era interpretado como autopropaganda. Hoje mudou completamente e há muita gente da melhor qualidade transmitindo informações importantes”, assegurou.
Mas foi a televisão que deu ao médico visibilidade nacional. Desde 2003, ele apresenta um quadro aos domingos no Fantástico, da Rede Globo. Hoje, Drauzio participa de todas as mídias e faz sucesso nas redes sociais. Seu canal no YouTube, lançado em 2015, é identificado como “o maior canal de saúde do Brasil: de resfriado a questões sociais”, definindo os contornos de sua abordagem sobre saúde. Só nesta rede ele possui 1,75 milhão de seguidores que, junto com a audiência da página no Facebook e perfis no Instagram e Twitter, somam quase 6 milhões de pessoas.
Por meio de seu trabalho, o médico fala de saúde, de vida e do SUS, sem se furtar a tocar em temas tabus, como o uso de drogas e o sistema de encarceramento no país. Um dos vídeos mais acessados do Canal do Drauzio, no YouTube, é justamente o bate-papo sobre maconha, assunto que também abordou na palestra. Sua fala na Fiocruz manteve o mesmo tom leve e direto de quem fala sobre drogas “sem pagar de moralista”. Durante 50 minutos, o médico provocou reflexões e risadas. O status de celebridade ficou patente ao final quando, atrasado para pegar um voo, foi retido pelos inúmeros pedidos de selfies e autógrafos.
A saída pela porta lateral foi, assim, estratégica: com uma agenda apertada, Drauzio tinha que voltar rapidamente para São Paulo a fim de cumprir sua rotina semanal de atendimento na Penitenciária Feminina de São Paulo. A caminho do Aeroporto Santos Dumont, ele conversou com a reportagem da Radis e voltou a reforçar a potência e importância do SUS para a sobrevivência dos brasileiros. Seu pensamento pode ser resumido em uma frase: “Sem o SUS é a barbárie”.
Como o senhor vê o Brasil de hoje?
O Brasil está atravessando uma fase muito dura do ponto de vista econômico. Eu nunca vi uma crise com um desemprego absurdo como esse. São 13 milhões de pessoas sem emprego. Lógico que esse quadro repercute na saúde. Hoje, há mais pessoas dependentes do SUS e quem está desempregado vive em situação de vulnerabilidade, como acontece com grandes massas populacionais no Brasil. Além disso, eu vejo o desinteresse até ostensivo com programas sociais, não só em relação à saúde. O SUS já vinha lutando com dificuldades enormes. Aí cortaram [a verba] e entrou a ideologia no meio de fatores que são puramente de ordem técnica. Ficou ainda mais difícil.
Qual é o nó crítico da política de saúde brasileira?
O país não tem uma política de Estado na saúde. Nos últimos dez anos, tivemos 13 ministros da Saúde. De que forma vamos organizar o sistema sem continuidade? Se o ministro cai, muda todo mundo. Nos níveis federal, estadual e municipal, muitos são escolhidos por orientação política. Acho que a saúde tem que ser blindada dessa política partidária no mau sentido. Falta dinheiro, claro, mas dinheiro não vai resolver nosso problema. Os Estados Unidos investem 17% do PIB deles em saúde. Só que o PIB deles é de 19 trilhões de dólares, então vão uns 3 trilhões de dólares para a saúde. É mais do que o PIB brasileiro; tudo que nós produzimos no país eles investem em saúde. E o americano médio vive 78 anos; o brasileiro vive 76 anos. Eles jogam dinheiro e a expectativa de vida deles está caindo. Lá tem um conjunto de fatores que levam a à obesidade e a um pacote de doenças difíceis de tratar. E uma medicina tecnológica da qual nunca vamos dispor.
É uma questão de gestão?
Nenhum sistema funciona bem com várias portas de entrada, nem a casa da gente. Temos que ter uma única porta de entrada. Até pouco tempo, quando alguém precisava de atendimento, pedia que um político ou uma pessoa influente telefonasse para um médico amigo no hospital, este falava do caso e furava a fila. Esse era um sistema cheio de privilégios e começou a ser organizado. Hoje, se um milionário precisa de um transplante de fígado, tem de entrar na fila junto com os outros na disputa pelo órgão. Não vai passar na frente de ninguém porque essa informação está disponível na internet. A Estratégia Saúde da Família está montada e é um dos dez melhores programas de saúde pública do mundo, mas ela é tratada com descaso. Se funciona bem e cobre 66% da população do país (no Nordeste cobre 82% da população), deve ser a porta de entrada. A pessoa está com dor de cabeça e vai procurar um neurocirurgião: isso encarece demais, não é sustentável. Se olharmos a fila com um pouco de critério, veremos que 80% a 90% das pessoas não tinham que estar naquele lugar. Por isso é que eu acho que a estrutura toda está aí, falta organização. Nós temos tudo. Claro que precisamos de mais recursos, mas nunca os recursos serão suficientes. O que é doído é que temos toda a estrutura armada no SUS, só que ela funciona mal.
O senhor tem afirmado que é o SUS é a maior política de inserção social.
O SUS já atende diretamente 75% da população ou 150 milhões de brasileiros. Se você retirar o SUS, é a barbárie. O que vai acontecer com essa legião de pessoas? Onde serão atendidas? Não tem alternativa: precisamos organizar o SUS para atender essas pessoas com mais eficiência, interferir com a medicina preventiva, dar o atendimento com a atenção básica à saúde. O SUS tem tudo, não precisaria nem de recursos imensos para fazer a cadeia funcionar regularmente. Repito: a estrutura está toda montada e o que precisamos é de uma diretriz política. Sim, nós precisamos de mais dinheiro, mas a organização é que vai mudar as características do SUS completamente. Porque o SUS é o maior programa de distribuição de renda: ele gasta R$ 240 bilhões e o Bolsa Família gasta 10% disso. É uma ajudinha pequena diante do SUS. O SUS faz um trabalho maravilhoso no Brasil e, infelizmente, o que fica são só os exemplos das situações em que ele não funciona ou funciona mal.
Quais são os principais desafios a serem enfrentados pelo sistema público de saúde no futuro?
Vejo dois desafios: nós temos todos os problemas do envelhecimento e ainda não nos livramos de muitas doenças infecciosas. Acho que o maior desafio é o do envelhecimento, porque envelhecemos mal: 90% dos brasileiros chegam aos 60 anos com pelo menos uma doença crônica. São 15 milhões de pessoas com diabetes. Aos 70 anos, praticamente 70% dos brasileiros têm pressão alta. Aqui, temos 825 mil pessoas HIV positivo. As doenças crônicas demandam um esforço enorme de todo o sistema de saúde. Tudo tem que ser feito rapidamente porque a população envelhece muito depressa.
Isso inclui ações de prevenção.
O Ministério da Saúde tem sido até agora o ministério da doença. A saúde suplementar também. A questão é que nós não soubemos organizar a atenção primária à saúde. Não há sentido, no mundo moderno, esperarmos que as pessoas fiquem doentes para tratar. A preocupação tem que começar lá atrás. Claro que com mais recursos nós poderíamos fazer mais e muito melhor.
Qual a sua avaliação do Mais Médicos, em especial da participação dos médicos cubanos no programa?
Os médicos cubanos tiveram uma importância muito grande para o sistema em regiões que estão abandonadas. No início, houve uma reação corporativista de uma parcela de médicos. Mas os cubanos não queriam fazer Medicina como a gente, eles foram contratados para fazer Medicina onde a gente não fazia, onde nós não chegávamos. Eles ajudaram muito. Eu andei por muitas cidades e eles eram médicos adorados pela população. O problema é que a gente não contava que, de uma hora para outra, isso acabaria com a mudança de um governo que tinha posições antagônicas e destruiu o programa. Nós não imaginamos que esses médicos poderiam ir embora quando não tínhamos ainda um plano B. E estamos nessa situação complicada.
Há saídas para repor esses profissionais?
Um país como o Brasil vai ter sempre dificuldade para distribuir médicos. A gente teria que substituir esses médicos gradativamente, pois é muito difícil conseguir tanta gente capacitada para atender em lugares tão pobres. Há 450 mil médicos concentrados no Sudeste; no Norte e Nordeste eles estão nas capitais e cidades grandes. Temos 300 faculdades de Medicina — sem professores para tanto. Fazem faculdades esperando que os médicos se espalhem. Quem garante isso? As faculdades privadas custam R$ 10 mil, R$ 12 mil reais por mês. Você acha que quem paga esse valor e se forma depois vai para a periferia de Quixadá, no Ceará, atender gente pobre? Vai se especializar e ficar por um grande centro. Precisamos de médicos de família, que resolvem 90% dos problemas. Temos que ter essa formação. Os Estados Unidos têm esse mesmo problema nas pequenas cidades do interior. Temos que criar alternativas para poder fazer o trabalho que os médicos não são capazes de fazer. A ESF cobre dois terços da população. O esforço para acabar de cobrir o resto não é grande. Então, faz a entrada toda por ela, usa a Enfermagem de uma forma decente — porque nós desperdiçamos os enfermeiros no Brasil. Eles se formam, se especializam, fazem pós, e depois enfrentam resistência porque a classe médica corporativa acha que só ela pode fazer o atendimento. Ótimo, só que não faz. Esse corporativismo exagerado não ajuda em nada.
Como anda a saúde nas prisões?
Quando cheguei ao sistema penitenciário, eram 90 mil presos; hoje são 820 mil. Temos a terceira população carcerária do mundo em números absolutos. Prendemos muito e temos que saber que cadeia não diminui a violência urbana. Nós construímos facções criminosas. Eu vi o crime organizado nascer nas prisões de São Paulo e como ele tomou conta delas. Poder é um espaço abstrato. Se o Estado não consegue dar proteção ao homem que está na cadeia, o crime organizado vai dar.
E como encarar o tabu das drogas?
Droga não tem solução. Usamos desde a antiguidade. O que não podemos ter é essa estupidez de querer resolver um problema de saúde pública com polícia. Polícia não é para isso. Não é função da polícia resolver problema de saúde pública.
De que forma a prática de atividade física pode diminuir a epidemia de obesidade?
A população tem acesso a uma comida de qualidade, a um preço tão acessível, e não temos esse breque [freio] para parar. Começamos a comer muito e falta atividade física. Hoje é possível ganhar a vida sentado, ficar o dia inteiro sem se movimentar. Mas na época das cavernas não existia isso. Nosso corpo foi desenhado para o movimento. Como resultado, vivemos uma epidemia grave de obesidade no Brasil. A Organização Mundial da Saúde recomenda que é preciso fazer 30 minutos de caminhada cinco vezes por semana. E ninguém mais anda. Eu vejo que temos que atacar o problema do sedentarismo. No século 21, o sedentarismo vai matar tanto quanto o cigarro, e o cigarro vai matar 800 milhões de pessoas. A vida sedentária faz muito mal.
O senhor combate fortemente o cigarro. O que acha dos novos dispositivos eletrônicos para fumar?
Eu acho que a indústria tabaqueira é a mais criminosa do sistema capitalista internacional. Ela vende uma droga que é a mais aditiva de todas que a Medicina conhece. Eu tenho uma longa experiência com o crack e sei que é mais difícil largar o cigarro do que o crack. A Penitenciária Feminina de São Paulo é o maior centro de recuperação de usuários de crack no mundo porque o PCC [organização criminosa Primeiro Comando da Capita] não deixa entrar crack na cadeia. As mulheres largam o crack, mas não o cigarro. Então a indústria sentiu que as vendas de cigarro estavam caindo nos países e inventou novas formas de a nicotina ser fumada diretamente. Esses dispositivos viciam ainda mais, porque a concentração é mais alta do que a existente no cigarro. Eles dizem que é seguro, justificando que esse dispositivo vai ajudar a parar de fumar. Isso é redução de danos. Só que vicia uma legião de meninos e meninas que não iriam mais fumar cigarros e apresentam um produto em forma de pen drive, que pode receber carga em USB de computadores.
Foi então uma estratégia da indústria apresentar a nicotina em uma nova e moderna embalagem?
Nos Estados Unidos, 27% dos estudantes de nível médio fumam essa desgraça. Ou seja, criou uma epidemia de viciados quando ela estava diminuindo gradualmente ano a ano. A Altria, a maior fabricante de cigarros, comprou 30% das ações da fábrica que faz o cigarro eletrônico mais comum [Juul Labs]. Explica o raciocínio para mim: eu fabrico um produto e compro uma parte de uma fábrica que fabrica um produto que é para as pessoas pararem de usar o meu produto. Que lógica é essa? A lógica dessa indústria é vender nicotina, eles são traficantes. Eu vejo mais beleza na vida que leva o traficante que está no Morro do Alemão [no Rio de Janeiro] do que na vida dessas pessoas. Elas andam de terno e gravata, são respeitadas socialmente e o traficante do morro vende droga e foge da polícia. Esse pelo menos tem uma vida mais de acordo com a atividade que pratica.
O senhor considera que o brasileiro reconhece a importância do SUS?
Bom, nós olhamos o SUS pelo prisma das grandes cidades e dos problemas que aparecem na televisão. Só que o SUS realmente funciona em muitas localidades do Brasil, especialmente municípios menores, e isso ninguém noticia. As pessoas se surpreendem quando eu digo que nós temos o maior programa de vacinação e de transplante, que mudamos o destino da epidemia de aids no mundo. Ninguém sabe que é o SUS que garante a segurança dos hemocentros. Perdemos na comunicação. As pessoas não entendem o que é o SUS e acham que ele é o pronto-socorro lotado, com fila e cheio de gente deitada no chão e nos corredores. E não é. Não haverá outra revolução com tanta profundidade. Imagina um país como era o Brasil, em 1988, em que um bando de visionários resolve dizer ´nós temos que dar saúde gratuita para todos´. Até hoje, nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes ousou tanto. O SUS tem uma abrangência maior que o NHS [sistema de saúde pública inglês]. Tem problemas, muitos, mas a filosofia de dar saúde gratuita não é uma coisa simples de ser feita.
As informações de saúde ocupam um espaço adequado na mídia?
Nós, médicos, conseguimos popularizar a Medicina de um jeito que outros profissionais de outras áreas não conseguiram. Ninguém tem ideia de quais são os maiores problemas de urbanismo do Rio de Janeiro ou quais são os principais desafios para você organizar o tráfego urbano. As pessoas querem saber mais da própria saúde do que de problemas de urbanismo. Os médicos foram capazes de transmitir esses conceitos no decorrer de décadas. Hoje, todo mundo sabe o que é diabetes, pressão alta, colesterol, que cigarro faz mal. Antes, a gente não tinha esse sistema de comunicação de massa que envolve a televisão e a internet. Embora a internet veicule informação sem nenhum critério, ela dá acesso muito amplo. E questões de saúde sempre interessam.
Como é ser um médico que atua também em comunicação?
Entrei na TV por causa de uma série da BBC sobre o corpo humano que era apresentada por um médico inglês. Queriam um médico brasileiro e me convidaram para fazer. Me interessei porque as imagens eram maravilhosas. Disseram “faça o que você quiser fazer”, com todo o apoio técnico para isso. Eu me sinto tomado por uma responsabilidade pública. Tenho que usar esse tempo da melhor forma possível para poder mandar mensagens de saúde pública que interfiram na vida das pessoas, das famílias. Em um país com tão baixa escolaridade como o nosso, esse é um desafio muito grande. Em todo lugar que eu vou escuto pessoas dizerem que pararam de fumar por causa da série “Brasil sem Cigarro”, apresentada na TV em 2014. Mas eu não tenho ideia alguma do impacto desses programas na saúde. Infelizmente, não temos essa medição aqui no Brasil.
O que o senhor diria para um jovem médico ou um estudante de Medicina?
Tem que gostar de estudar bastante. Aliás, quem não gosta de estudar não deve fazer Medicina. E quem não tem muita paciência, não deve fazer Medicina. Se a pessoa tiver vontade de estudar, pode trabalhar em qualquer ramo ou trabalhar em áreas como a Comunicação, um campo que fica mais forte. Quando comecei a falar de saúde no rádio, médico sério não falava nos meios de comunicação porque isso era interpretado como autopropaganda. Hoje essa visão mudou e temos profissionais da melhor qualidade transmitindo informações importantes. Mas, o principal de tudo é gostar, senão não vai conseguir exercer bem a Medicina.
Qual é a importância da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento do SUS e do Brasil?
Com muita dificuldade, a ciência brasileira conseguiu estabelecer uma rede, os pesquisadores passaram a se comunicar uns com os outros, estabeleceram protocolos cooperativos. De repente, a barbárie cai em cima [dessa rede] para desestruturar todo o sistema. O Brasil depende disso. Nós dependemos da ciência porque se não vamos ficar eternamente dependentes dos outros países. Nós vamos ter que comprar a tecnologia que os outros desenvolveram, pagar royalties. Eu cito um exemplo lá de São Paulo que foi o tratamento com células CAR-T (Radis 206). Só a transfusão das células nos Estados Unidos custa 450 mil dólares. Se contar todos os custos hospitalares, que lá são estratosféricos, chega a mais de um milhão de dólares. E aqui eles desenvolveram em Ribeirão Preto com tecnologia 100% brasileira. O cálculo dessa equipe é que gastaram menos de 100 mil reais, que são 25 mil dólares. A diferença é absurda porque não pagamos royalties para ninguém. Se o Brasil quiser dominar essa técnica e torná-la mais popular, vai conseguir, porque é um preço mais razoável. O mesmo aconteceu com a medicação da aids, que era importada e caríssima, e o Brasil resolveu produzir genéricos. A ciência é absolutamente fundamental para o desenvolvimento. Desorganizar a ciência é renunciar à soberania nacional.