Professor para nós é parteiro.
Metade parte, metade arteiro.
Estamos num mês festivo para os trabalhadores em educação, ademais vivermos tempos que desafiam até os mais corajosos. Outubro comemoramos o dia das crianças e o dia do professor. As escolas se renovam de alegria, é tempo de comemorar, reconhecer e festejar. Mas como se dá em uma pandemia quando as escolas estão vazias, quando professores e alunos precisam se encontrar de modo remoto? Estaria sendo o professor substituído pelas novas tecnologias?
É fato, a pandemia que impactou o mundo em 2020 apenas acelerou transformações históricas programadas para ocorrerem, como a virtualização dos processos de trabalho, ensino e as relações entre as pessoas. Muitos lugares do mundo, já vivem uma democratização da informação, talvez nunca na história o conhecimento esteja tão disponível, literalmente na palma das mãos. Mas informação é conhecimento? E mais, é sabedoria? A informação pode produzir mudanças subjetivas, sociais, culturais?
Partimos da posição de que informação não é conhecimento, tampouco sabedoria. Uma vez que, estes exigem um processo, uma transformação que precisa ser operada na intimidade de um vínculo humano, num encontro formativo.
Para o educador António Nóvoa, educação é vínculo, é afeto, interação. Educar é construir com o outro experiências que ficarão conosco pela vida. E a experiência é intransferível. Sabedoria ainda, para além, se dá na experiência da vida, na integração dos conhecimentos. Mas qual é ato que produz essa subversão? Ou melhor, quem pode produzi-la?
Pode ser um professor. Um professor subverte a lógica do mundo concreto, abre janelas e portas para o mundo das ideias. Professor para nós é parteiro. Metade parte, metade arteiro.
A metade parte, parte o senso comum, as opiniões e as certezas. A metade arte, como um artesão, faz nascer, de matérias tão diversas que é a singularidade do aluno, curiosidade, criatividade, conhecimento.
Parte a informação, corta suas camadas, costura, as reorganiza para nascer o saber. Saber que vem da experiência vivida com o aluno, da troca, da intersubjetividade, do afeto. Afeto de quem permite deixar-se afetar pelo outro, permite ser afetado de maneira única por alguém que marcará sua vida. A quem se deixa afetar faz nascer para o conhecimento do mundo, abre as portas para outras dimensões.
No entanto, um parto não é sem dor, não sem dificuldade, não sem atravessar horas de preocupação, dores de abertura, forçagens. Nascer exige esforço do bebê, por que não seria assim também com o aluno? Esforçar a concentração, manter-se consciente, atento, abrir mão de outros interesses, talvez mais prazerosos, menos custosos, porém que o deixariam no mesmo lugar. Exige força também da mãe, às vezes, horas de trabalho duro, dolorido.
Educar, por vezes, é um parto demorado, cercado de sofrimentos e desilusões. É tomar contato com um aluno, que como um bebê não é o ideal, é frágil, inacabado, porém tem dentro de si todo potencial humano. E o professor o conduz a vir ao mundo um sujeito, abre vias para os sonhos, a autonomia, a cidadania.
Ao dar à luz, uma mulher dá à luz também a uma mãe. Ao educar o professor permite-se renascer, dar à luz ao significado de estar no e com o mundo, com os outros. Ele também se refaz em um cirandar constante, de ver-se em si e ver-se naquele a quem educa.
Todo o professor olha para seu aluno buscando encontrar a si, como uma mãe o faz com seu filho que acaba de chegar. Mesmo sem conseguir estabelecer grandes semelhanças, logo ao nascer, a mãe acredita que com o passar do tempo, os trejeitos, os olhares, o sorriso, a personalidade do filho revelará a continuidade de sua continuidade.
No professor há um constante esperançar de que ao reencontrar seus educandos no futuro, ele reconheça suas palavras, sua mensagem, seu amor naquele a quem ajudou construir, é a identificação da sua arte.
Ao longo de sua trajetória, o professor é parteiro. Quando (com)parte, compartilha os dias, parte as tristezas, parte o desânimo, pois ele faz de seu trabalho a arte de compartilhar. Compartilhar é não estar sozinho. Partir o que sabe, não é saber menos, é saber mais, o que já sabia com aquilo que pode aprender junto aos outros. Aprender é arte. A arte de viver.
Em um mundo de divisões, de egos, de incompreensões, o professor é parteiro de novos rumos. Ele não tem medo da desconstrução, parte o que não é da justiça, o que não é ético, o que não valoriza o ser humano, para produzir com seu trabalho a arte da escuta, da cooperação, da empatia, da alteridade.
Professor é parteiro de vir a ser.
Patrícia Signor, educadora. Doutoranda em Educação pela UFSM, Mestre em Educação. Atua como docente no CESURG de Sarandi e na Escola Santos Anjos de Nova Boa Vista.
Carolina Jainara Lavall Zandoná é Psicóloga, Psicanalista em formação pelo PROJETO – Associação Científica de Psicanálise e Humanidades de Passo Fundo.