Perguntei para alguns psiquiatras o que viam pelas janelas dos seus consultórios e todos sabiam me contar. Gostavam de, entre um paciente e outro, dar uma boa olhada no mundo lá fora.
Um balão de ar encoberto por um macacão de mecânico
Perguntei para alguns psiquiatras o que viam pelas janelas dos seus consultórios e todos sabiam me contar. Gostavam de, entre um paciente e outro, dar uma boa olhada no mundo lá fora. Os psicólogos também, basta ler as belas crônicas de Elenir Souza. (Confira aqui: https://www.neipies.com/author/elenir/ )
No meu endereço anterior, o cenário era o que descrevo a seguir.
Com as duas mãos, afasto as cortinas: nada de novo na minha cidade, a não ser a construção da nova antena da rádio Uirapurú.
Pelo ritmo acelerado que imprime a seu ofício, o trabalhador deverá concluí-lo hoje.
Encaixa uma peça em outra, que, por sua vez, se encaixa em outra, e assim vai subindo.
Cada nova peça da antena que ele monta lhe serve de escada para galgar mais altura. E ele é bem gordo, porém parece leve tamanha a agilidade com que movimenta braços e pernas. Como se seu corpanzil fosse um balão, um balão de ar encoberto por um macacão de mecânico. Um paradoxo: seu auxiliar lá embaixo é bem magro e, pelo que vejo, bem lerdo.
Mais para o fim da tarde, em outro intervalo, afasto novamente as cortinas. A torre da rádio já está erguida e pronta. O gordo ágil e o lerdo magro, não os vejo mais.
No palco escondido por minhas cortinas vejo por uma fresta entre edifícios, bem ao longe, um pedaço de campo e uma perimetral. Por ela passa o que me parece ser um ônibus, talvez seja um enorme caminhão, que imagino comprido e irritado como costumam andar os caminhões em nossas estradas, apressados e chateados com o baixo preço do frete e o alto custo dos combustíveis.
Mais para perto, do outro lado da estreita rua XV de Novembro, as casas continuam as mesmas. Nem sempre habitadas, é verdade, pela mesma joalheria, pela mesma clínica de psicologia, pelo mesmo cabelereiro. As trocas frequentes de inquilinos geram novas fachadas e as cores ganham mais vida, mas nada que provoque estranheza.
E os velhos telhados, estes nunca mudam. A não ser uma única vez, numa manhã fria de junho, quando, por não ter sabido do início da nevada, fui surpreendido ao afastar as cortinas. O branco pintava desordenadamente aquelas telhas antigas, serenas, resignadas, e fazia com que eu as admirasse mais uma vez.
Foi muito bom ter sido um janeleiro no meu antigo endereço.
Inclusive, uma vez vi um “telegrama” por um fio de arame que me fez recordar de um que enviei para… Para quem talvez foi minha primeira paixão.
O “telegrama” com o nome dela
Como relatei na crônica anterior, faço parte dos psicólogos e dos psiquiatras que, entre uma e outra consulta, gostam de olhar pela janela. Segue uma recordação que muito me agrada lembrar.
Caminho até a janela e, por hábito, abro as cortinas.
Nesses anos todos à janela, nunca vi mulher, homem, criança, nem um dos tantos gatos que frequentam estes quintais pisarem os degraus da escada revestida por lajotas vermelhas.
Escada que desce, sim, desce, porque meus olhos chegam a ela de cima para baixo, descem degrau por degrau e param na altura em que o muro de outra casa impede que vejam onde vai terminar. Onde ela vai terminar?
Observo a corrida de dois pintores de parede: quem chegará mais rápido ao chão com o serviço feito? Provavelmente aquele em cuja trajetória há em cada andar uma pequena janela de banheiro a diminuir-lhe os metros quadrados a pintar.
Constato meu engano: a competição entre os pintores está sendo ganha pelo provável perdedor. O das janelinhas de banheiro tem o trabalho lentificado pela necessidade de utilizar um pincel menor nos parapeitos.
O fio de arame que sai de uma janela envidraçada dos fundos do terceiro piso de uma antiga casa de alvenaria desce, faz leve curva para a direita, ou é a impressão que me chega pelo balançar ao vento, e acaba numa área de serviço descoberta.
Não é um estendedor, nunca vi roupa lá.
Será um papelão aquele branco a meio caminho no fio? Será um “telegrama”?
Quem não lembra daquela brincadeira de infância? O papel deslizava pelo fio com um recado dentro. O que estava escrito nele? Recado anônimo para a primeira paixão?
Acho que sim. Acho não, tenho certeza.
No “telegrama” não assinado constava o nome dela.
Que lembrança boa!
Autor: Jorge A. Salton. Também escreveu “Nossas ilusões… como pesam nossas ilusões”: https://www.neipies.com/nossas-ilusoes-como-pesam-nossas-ilusoes/
Edição: A. R.