Quando as aulas voltarem, eu não quero que tenha “aula”

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Acredito, é mais importante preocupar-se
com a saúde mental das crianças e jovens
do que com o conteúdo a ser “vencido”.


Tenho recebido e compartilhado vários “memes” que falam da incompatibilidade do homeoffice com o homeschooling. São várias as mães, eu entre elas, conhecidas e amigas, assoberbadas com o isolamento social tendo que dar conta das compras, comida dentro de casa, demandas do trabalho remoto, lidar com as notícias diárias de infectados e mortos e, ser tutora EAD dos filhos.

Homeschooling, ao contrário do que afirmam,
não será, no Brasil, salvamento seletivo para
um modelo educacional moribundo?



Ninguém estava preparado para a educação domiciliar: nem escolas, nem crianças, nem famílias.

As escolas não são mágicas para tirarem das cartolas aulas e atividades EAD para todos os anos em todas as disciplinas.

As mães não são professoras experts em todos os conteúdos de todas as disciplinas. As crianças, também estressadas pelo isolamento, não possuem experiência com aulas EAD e não compreendem que estar em casa não significa férias.

Óbvio que tem muita gente irritada, ansiosa, frustrada com a sua “incompetência pedagógica” questionando como os conteúdos serão recuperados, discutindo a necessidade de turnos inversos para dar conta do que está “atrasado”, enviando e-mails e telefonemas para as escolas perguntando quais serão as estratégias de “recuperação”.

A instituição onde trabalho prorrogou por mais duas semanas o isolamento. As crianças voltarão para as escolas dia 5? Dúvida no ar, talvez tenhamos mais tempo de crianças em casa.

Ontem, quando li um monte de mensagens angustiadas sobre as aulas EAD e o que e como deve ser recuperado fiquei pensando o que é “atrasado” no currículo de crianças que estão fazendo 10 anos, que estão no 4º ano do Ensino Fundamental.

O que é conteúdo “atrasado” em qualquer segmento escolar?

O que eu espero, quando as crianças voltem para as escolas, é que tenha uma semana “sem aula”, que elas fiquem correndo e gritando nos pátios como os hamsters do capiroto até perderem a voz!

 Que as escolas mandem na agenda o seguinte bilhete: venham com roupa que possa ser rasgada, para que elas possam ralar os joelhos e cotovelos de tanto rolar na terra; que comam tatu-bolinha; que tomem banho de mangueira e muito, muito sol; que façam penteados malucos; que dancem muito e joguem bola até caírem exaustas no chão.

Depois disso, gostaria que as escolas refletissem com as crianças o que significou essa experiência para elas, para as famílias. Que falem sobre resiliência, enfrentamento de frustrações, sobre solidariedade. Temos que levar alguma lição do que estamos vivendo, temos que fortalecer nossas relações como famílias e como sociedade.



Nosso maior desafio é a humanização, através do conhecimento. O conhecimento nos torna melhor seres humanos. A escola e a vida são oportunidades de aprendizagem, socialização e construção de conhecimentos. Humanizar é um dos maiores desafios da atualidade. (Nei Alberto Pies)



As escolas PRECISAM falar sobre a necropolítica, que resolve quem vale à pena viver ou morrer.

Não quero ver crianças confinadas, novamente, nas escolas em turno inverso para “recuperar” locuções adverbiais.

Se é que elas terão que ficar no turno inverso, é para que aprendam a ser mais humanas, menos egoístas, mais sensíveis.

Em vinte e poucos anos, serão os amiguinhos ranhentos do meu filho que poderão estar “selecionando” os com mais de 80 anos para serem mortos, eu estarei na fila.

Uma psicóloga conhecida comentou que ninguém imagina o impacto que essa pandemia terá, em longo prazo, nas subjetividades das crianças e jovens que a estão enfrentando.

Que a gente possa, agora, pensar nesses efeitos e repensar o papel da escola na volta às aulas… nesse momento, acredito, é mais importante preocupar-se com a saúde mental das crianças e jovens do que com o conteúdo a ser “vencido”.

Abraços virtuais e que sigamos nos apoiando mutuamente.

Para o mestre em Educação e palestrante Marcos Meier, em resposta a muitos que o interrogavam por mensagens virtuais: “E as aulas?”, “Como vai ficar a reposição de aulas?”, “As crianças vão ficar muito atrasadas na escola” e outros cobrando desde já uma decisão por parte de nós, professores. Então segue uma reflexão para os mais aflitos: Mesmo que a gente fique em quarentena até o fim do ano, que importância na vida teria formar-se na faculdade aos 21 ou 22 anos? A vida é mais que escola. Pessoas valem mais que currículos. Proteção é melhor que gramática e aritmética. E, mais do que qualquer outra coisa, a esperança é melhor que a preocupação exagerada. Abraços a todos os papais e mamães preocupados com a educação de seus filhos. Quando voltarmos às aulas, decidiremos com calma, levando em conta o que é melhor para as crianças”.



“Cada escola constitui um ambiente único, mediado pelos sujeitos, pelas suas intencionalidades e pelos seus métodos e modos de ver o ser humano, a vida e a sociedade. Os diferentes sujeitos e as diferentes estratégias educativas representam os “nós” que fazem uma rede ser o que ela é”.




Tatiana Lebedeff
Professora universitária UFPEL

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