De nada adianta falar que jamais a esqueceremos uma vez que levou junto a si parte de nós, pois que a pertencia, desde sempre, desde o primeiro grito, e então um pedaço de nós arrancou.
Quando uma Mãe vai embora, não se engane, nunca fale que será melhor descansar, que assim… que partiu sem sofrer…
Quando morre uma Mãe, morre-se junto, não por completo, em seu todo. Morre-se sim, em parte, em partes, perde-se pelo menos o cordão, que foi seu, pela metade, e nosso, pela ponte da vida que nos tornou iguais.
Quando morre uma Mãe, a parte que tínhamos em seu ventre vai embora. Não seremos jamais como éramos. Não temos agora a quem pedir para voltar, porque de sua parte nascemos e quando pedíamos para voltar ao seu ventre, não nos ouvia, mas, ria.
Fechou-se finalmente nossa porta de entrada neste mundo e para o qual não temos mais saída. Palavras não consolam, porque uma pequena morte ocorreu em nós, nesta fugidia vida que um dia pertenceu a ela.
Quando morre uma Mãe, somos finalmente jogados ao exílio, agora somos expatriados porque nossa mensageira, que nos trouxe um dia, partiu para sempre. Exilados, começaremos na manhã seguinte a pensar quanto tempo nos falta para reencontrarmos, agora que ficamos sem sua proteção, sem a sua mão, sem seu útero por perto, nosso casulo que um dia pensamos retornar.
Nada mais importa, somos enfim jogados no mundo descalços para o frio, famintos de seios que nunca mais nos alimentarão. Abandonados na esteira do acaso, aguardando as sombras que caminham lado a lado em uma enfermaria qualquer, em nossa direção.
Quando morre uma Mãe, morre a razão de nossa chegada, por que nada mais vai nos aquecer, nada vai nos proteger, e o mundo que nos é apresentado, sem a sua presença, é um palco de gritos e choros incontidos.
Já que partiu, levou consigo o que lhe pertencia de fato, o elo que nos ligava no despertar para a luz. Apagou-se, foi-se embora quem nos deu a estrada, foi-se, igualmente, sem vida, quem nos defendeu da morte. Sempre soubemos que ela iria, um dia. Mas não queríamos pensar em ficarmos.
Quando morre uma Mãe, ficamos cúmplices de um mundo errante, nossos laços proibidos não os dividiremos com ninguém, agora em que ficou escuro novamente. Porque não aqueceu como o era, antes de nascermos. Agora está frio, está muito claro lá fora, será preciso comer sozinho, beber desilusões. Teremos de caminhar com nossas próprias pernas, agora e sempre, porque a imagem de carona no seu ventre protegido acabou e teremos de viver como estranhos neste mundo de lágrimas e banhos gelados.
De nada adianta falar que jamais a esqueceremos uma vez que levou junto a si parte de nós, pois que a pertencia, desde sempre, desde o primeiro grito, e então um pedaço de nós arrancou. Nem será preciso pedir a uma Mãe que fique, porque nosso desejo será o de partir. Agora teremos louças e panos pretos a secar.
Enfim, viveremos com o que resta de nós, até voltarmos à casa, sermos chamados por ela para que nos assentemos à mesa, impecável, onde o jantar será servido. Jantar para os que não esperam mais nada, então, em cadeiras vazias, em tapetes e gatos a encharcar-se de solidão.
Não deverá faltar muito Mãe!
Autor: Nelceu Alberto Zanatta, autor da crônica “Na solidão das livrarias” https://www.neipies.com/na-solidao-das-livrarias/
Edição: A.R.
Eu graças a Deus ainda tenho a minha mãe e espero tê-la ainda por muito tempo. Mas refletindo sobre este texto enquanto lia lembrei de uma amiga muito próxima que quando perdeu a mãe falou muitas palavras que coincidem com as palavras do texto.