Em várias situações deixamos as nossas crianças envergonhadas. Com isso, elas perdem a vontade de continuarem sorrindo, se divertindo, brincando e se colocam num canto de parede apenas observando as demais crianças.
O nosso querido poeta Pedro Bandeira já dizia em seu poema “Pontinho de vista” os seguintes versos “Eu sou pequeno, me dizem, / e eu fico muito zangado. / Tenho de olhar todo mundo / com o queixo levantado.”
Que possamos ser educados e nos abaixarmos para falarmos com as nossas crianças em respeito a elas e a nós mesmos que já fomos uma, certo dia. É preciso respeitar as crianças em todos os sentidos, principalmente não as envergonhando com coisas ditas à toa que ferem sem nem sentirmos o mal que estamos lhes causando.
Uma coisa é certa: não sabemos cuidar das nossas crianças. Talvez porque não tenhamos mais tempo a perder com elas ou porque não fomos educados para lidar com as suas ansiedades, questionamentos e incertezas.
Parece difícil compreender o que uma criança deseja para muitos adultos, mas basta olhar no fundo dos seus olhinhos que logo descobriremos as suas dúvidas e medos em relação a nós, sim, nós mesmos adultos que vivemos ao seu redor e não pessoas estranhas.
E por que as crianças teriam medo dos seus pais ou responsáveis? Porque todos os dias veem suas explosões de raiva, estresse e ansiedade quando voltam do trabalho ou quando falam com alguém ao telefone. Não temos mais o cuidado de esconder das nossas crianças os nossos sentimentos de raiva e muitas vezes até as encorajamos para não brincar mais com os filhos daquelas pessoas de quem deixamos de ser amigos ou confiar.
Estamos ensinando as nossas crianças a serem covardes e inimigas dos seus próprios sentimentos e emoções, da maneira que nos comportamos diante delas. Isso assusta e causa medo nos pequeninos gerando dúvidas se aquele papai ou mamãe realmente merece ser amado por que ele só traz problemas para o mundo da criança. E para quem pensa que criança não tem problema está muito enganado. Talvez ela tenha mais problemas do que nós adultos chatos que só sabemos reclamar e reclamar das coisas da vida. Não damos um passo para mudarmos ou mudarmos as coisas ao nosso redor.
Por mais que as crianças queiram e se esforcem para fazer tudo certinho, elas sempre erram e começam a chorar, principalmente quando estão na frente de pessoas estranhas e os pais acham aquilo horrível e logo fazem com que elas se sintam mais envergonhadas ainda lhes dizendo “que coisa feia você está fazendo chorando na frente de estranhos” ou melhor “veja como aquele menininho se comporta direitinho” ou então comparando uma criança com a outra quando dizemos “faça como ela, seja boazinha e divida o seu lanche”.
Algumas crianças não estão acostumadas a dividirem as suas coisinhas com outras e ficam sem jeito quando na escola os professores as obrigam a compartilharem os seus materiais escolares e até mesmo os seus lanchinhos. Elas foram acostumadas a terem tudo somente seu, principalmente as que não têm irmãozinhos ou irmãzinhas. E, de repente, são pegas de surpresa sendo obrigadas a dividirem o que é tão somente seu, isso precisa ser melhor avaliado e ser algo cuidadoso nas escolas e também em casa ou quando a criança for colocada diante de outras com as quais ela não está acostumada com a convivência, pois muitos brinquedos para elas não podem ser pegos por mais ninguém senão elas próprias.
Sim, em várias situações deixamos as nossas crianças envergonhadas.
Com isso, elas perdem a vontade de continuarem sorrindo, se divertindo, brincando e se colocam num canto de parede apenas observando as demais crianças. Elas ficam de birra ou simplesmente não dizem mais nada até chegar em casa e explodirem num pranto que ninguém cala. Costumamos envergonhar as crianças que são tímidas quando elas não se sentem bem em fazer algo em público.
Os meninos, levados pelo machismo e patriarcado dos pais, são envergonhados por eles quando são obrigados a baixarem as suas calças ou calções e fazerem xixi ali no meio da rua, na frente de todo o mundo que passa. O pai cheio de machismo diz para o menino que homem pode tudo, que não deve ter vergonha de fazer xixi em qualquer local quando se é criança porque ninguém vai reparar nele. Só os adultos que devem tomar cuidado vez ou outra.
Fazemos com que as nossas crianças se sintam envergonhadas quando dizemos “você é muito ingrato, nem agradeceu ao seu coleguinha” Esquecemos que as crianças muitas vezes ficam tão felizes e surpresas com os gestos de outras que nem se dão conta de agradecer o que recebem de presente.
As crianças só pensam em brincar umas com as outras. Ainda não estão maduras o suficiente para agradecerem tudo o que fazemos por elas, mesmo que sejam crianças a se ajudarem mutuamente.
Outra situação em que deixamos as crianças envergonhadas é quando lhes dizemos “você parece um bebezinho chorando desse jeito” . Os pais, quando as crianças estão maiorzinhas, não querem mais as ver chorando por brinquedos, roupas ou objetos que outras crianças pegam emprestado. Pode ser natural para os pais e responsáveis, mas não para as crianças que o amiguinho leve consigo um brinquedo que a criança tanto gosta ou até mesmo os compartilhar.
Imagine que até nós adultos quase sempre sentimos vontade de chorar, principalmente em situações delicadas que mexem com os nossos sentimentos, quando acabamos uma relação amorosa, quando perdemos um amigo ou quando morre alguém que gostávamos. Quando não choramos sentimos algo preso na garganta. E quando conseguimos chorar aliviamos as nossas dores e sofrimentos. Assim ocorre com as crianças. Vamos deixá-las chorar pelas suas dores e emoções que estão aprendendo a vivê-las. A experiência vai nos fortalecendo aos poucos, e aquilo pelo qual choramos hoje, talvez amanhã nem nos afete.
Ninguém quer ser motivo de riso ou piadinha de outras pessoas porque está chorando. Ainda voltando ao machismo e ao patriarcado até os dias de hoje muitos meninos continuam sendo ensinados pelos pais que não devem chorar, que homem não chora, que homem é forte e não chora por nada. Isso é mito. Se brincar homem chora muito mais do que mulher, porque a mulher tem as demais amigas com quem desabafar e os homens têm vergonha de serem tachados de frouxos pelos seus amigos ao chorarem diante deles.
Permita que a sua criança chore sem a julgar e sem a comparar com um bebezinho ou chamá-la de molenga.
As visitas ao dentista são as que mais causam medo nas crianças. É preciso que a criança se sinta confortável e preparada para ir ao dentista. Que possa confiar naquela pessoa para quem vai abrir a boca e mostrar os seus dentinhos. Se a criança chorar no consultório do dentista ou do médico pediatra ela deve ser respeitada e acalmada. Até que pare de chorar não entrará na sala do especialista, somente fará isso quando se sentir segura de que nenhum mal vão lhe causar.
Assim como ocorre ao irem ser vacinadas, as crianças morrem de medo de vacinas porque veem outras chorando e acham que vai doer. Elas não devem ser envergonhadas ou tachadas de medrosas e muito menos ouvirem “você tem que ser forte, veja o seu amiguinho, nem chora”. Cada criança é uma pessoa diferente e tem que ser respeitada na sua subjetividade. Chorar não é mimo, chorar é uma forma de defesa da pessoa.
Do mesmo jeito é nos primeiros dias de aulas da criança. Ela não deve ser comparada com as outras que não choram e fazem aquela bagunça alegre por chegarem à idade escolar. Algumas crianças não estão preparadas para aquele momento e existem várias razões para isso, muitas estão acostumadas a ficarem em casa, outras não se sentem maduras o suficiente para saírem de perto dos seus pais e ainda existem aquelas que prefeririam estar brincando com os seus próprios brinquedos.
É o caso de tirar a criança que está acostumada a passar o tempo todo no aparelho celular e quando terminam as férias chora para não ir à escola ou quer levar junto o aparelho sem poder. Elas não choram porque foram mimadas e são fracas demais, elas não devem ser julgadas, o simples fato de chorarem já as deixam confusas e assustadas. Quem chora sente uma dor ou um sofrimento. Quem chora quer carinho e afeto. E não o contrário.
Respeitar as crianças que choram é dever do adulto e não dizer para elas “nossa, como você é chorona” ou “você só sabe chorar” ou muito menos ameaçá-las de palmadas ou castigos porque estão chorando. Muitas pais costumam dizer para os seus filhos “se você não parar de chorar sem motivo vai apanhar para ter um” quando na verdade para todo choro existe um motivo. Alguns pais dão amor de uma forma diferente aos seus filhos, de uma forma grosseira e eu diria que estúpida. Como não amar aqueles rostinhos lindos que nos pedem colo chorando por que estão com medo do bicho papão?
Também acontecem situações desagradáveis quando as crianças estão na rua com os pais ou na casa de conhecidos onde elas se sentem desconfortáveis ou até mesmo sem receberem a atenção necessária porque no local só existem adultos e a criança fica deslocada num canto qualquer. Sem saber como lidar com a situação a criança começa a chorar e o pai ou a mãe chega para ela e diz “você só me faz passar vergonha na frente dos outros”.
A criança nunca nos fará vergonha na frente de ninguém se soubermos dar-lhes afeto e cuidados.
Se lhe dermos a atenção merecida e conversarmos com ela sobre como precisam se comportar diante de visitas, amigos ou na casa de algum conhecido. E se ainda assim a criança não conseguir compreender e acabar chorando devemos acalentá-la. Muitas vezes ela se sente entediada por não ter com quem brincar e estar rodeada somente de adultos que nem ligam para ela ou está com sono ou mesmo com saudades de casa. Sim, porque criança também sente saudades do seu lar quando fica muito tempo longe dele, principalmente quando é um lugar confortável e onde ela se sente segura e protegida.
As crianças se esforçam para nos oferecerem o melhor que elas podem fazer ou falar quando estão em processo de aprendizagem de fala. Se a sua criança chama um palavrão na casa de vizinhos ou amigos não a diga que ela lhe causou vergonha, mas procure descobrir como ela teve acesso aquele palavrão e com quem aprendeu porque tudo o que a criança diz ou faz é imitação do que ela vê. Não julgue a sua criança sem antes parar e pensar em como está se comportando na frente dela, em casa.
Se você é um pai ou uma mãe que quebra tudo quando está irritado ou joga tudo no chão quando é contrariado, a criança vai achar que aquilo é normal e todas as vezes que se sentir irritada ou for contrariada agirá igual a você.
Conviver com crianças exige uma autoavaliação de si próprio todos os dias. É buscar saber no que erramos para a criança agir com tanta agressividade na frente de estranhos a ponto de chegarmos a dizer-lhes que são uma vergonha para nós.
Uma outra coisa que envergonha as crianças é quando lhes dizemos “você faz tudo errado” ou “você não consegue fazer nada sozinho”. Sabemos que errar faz parte da aprendizagem. Só aprendemos errando. Já existe um ditado famoso “errar é humano.” Até as máquinas erram. Os robôs falham. Quem de nós não causa um erro quase todos os dias? Os nossos erros são aprendizagens que nos fazem crescer.
Devemos ajudar as crianças a não desistirem nunca de continuarem tentando e buscando soluções para as coisas que fazem. Elas não devem desistir no primeiro erro. E também precisamos estimulá-las a fazerem as coisas com autonomia, mas se elas pedirem a nossa ajuda estaremos sempre a disposição para ensinar-lhes. A criança pequenina depende dos pais e professores para quase tudo. Até mesmo para tomar banho é necessário a presença de um adulto ou também para fazer as suas necessidades físicas quando da ida ao banheiro.
Não queiramos que as nossas criancinhas ajam sozinhas em coisas que elas nem sabem como fazerem e sejamos gratos por nos pedirem ajuda quando for a primeira, segunda ou milésima vez que forem fazer tal coisa. O trabalho coletivo dignifica o homem. Não ser individualista é uma coisa que a criança deve aprender desde cedo. Aos poucos ela vai criando autonomia e se desapegando de você, papai, mamãe ou professor.
Uma outra fala dos adultos que deixa as crianças bastante envergonhadas é quando dizemos para elas “você já é grande o suficiente para aprender sozinho”. Ninguém aprende nada sozinho. Todos nós precisamos de ajuda para aprendermos algo mesmo que seja fácil. Mesmo que a criança já saiba ler as instruções do brinquedo ou de um objeto que gosta de usar e não quer mexer nele sem que o papai ou a mamãe o ligue. Ter alguém por perto para nos ajudar a fazer algo do qual temos medo de fazer errado pode ser mais confortável e até mesmo seguro.
Não deixemos as nossas crianças envergonhadas com as nossas falas ameaçadoras de “vou bater em você se continuar com medo”. Toda criança tem direito a ter medo, principalmente do escuro e de pessoas vestidas com roupas intrigantes das quais elas não estão acostumadas como palhaços, guardas de trânsito e até mesmo o velho e bom Papai Noel. O medo faz parte da essência do homem.
A criança não precisa guardar o medo no peito e demonstrar coragem quando na verdade está toda trêmula por ter de enfrentar uma situação da qual não está preparada. É preciso respeitar o seu tempo de maturidade.
E por último uma fala que escuto muito os pais dizerem para as suas crianças “vou deixar de amar você se continuar agindo assim”. As crianças se sentem tão envergonhadas quando escutam essa frase e tão assustadas com medo de perderem o amor dos pais ou dos seus professores que acabam fazendo algo que não gostam apenas para agradá-los.
Quando ameaçamos um adulto de que não o amaremos mais se continuar bebendo ou se drogando e vemos esse adulto fazer de tudo para não nos perder, dessa mesma forma acontece com as crianças, ou seja, elas fazem de tudo para não perder o nosso amor e nunca mais ouvirem esta frase ameaçadora.
Para muitos pais, responsáveis e professores algumas coisas ficam só nas ameaças e são supérfluas. Dizer que vai bater até a criança se cansar de chorar sempre, é num momento de raiva ou estresse porque muitos não fariam isso em sã consciência. O que quero alertar mesmo é que não causemos vergonha nas nossas crianças com as nossas falas, porque isso tende a prejudicar os seus crescimentos emocionais e físicos.
A criança envergonhada passa a desconfiar dos pais, começa a desacreditar no que lhes dizem e teme um ataque de fúrias dos que cuidam dela a qualquer momento.
É necessário muito cuidado para educar uma criança sem deixar nela traumas para o resto das suas vidas porque se choram não é porque são bebezinhos, mas porque estão necessitadas de colo e afeto.
E assim termino este pequeno ensaio com o poema da nossa querida Ruth Rocha intitulado “Pessoas são diferentes” que nos diz “São duas crianças lindas / Mas são muito diferentes! / Uma é toda desdentada, / A outra é cheia de dentes…” que cada criança tenha a sua individualidade e subjetividade respeitadas, pois somos todos diferentes no jeito de ser e pensar e ficamos envergonhados muitas vezes com um simples apertar de bochechas por pessoas estranhas ou nos envergonhamos quando nos dizem que precisamos aprender a crescer, como se crianças não aprendessem isso todos os dias.
Autora: Rosângela Trajano
Que reflexão! Imprescindível leitura para país e professores. Parabéns, querida Danda, você sempre brilhante! Abraços.
Um texto real bem fácil de se entender, porém, difícil de praticá-lo, pois nessa vida estressante que levamos, muitas vezes delegamos as nossas crianças às instituições, como também aos avós.
Belo texto, filha! As minhas amigas estão gostando muito!