Enquanto a celebração do outro nos ofender, não teremos entendido absolutamente nada do que seja graça, muitos menos, do que seja amor.
Três parábolas contadas por Jesus. Na primeira encontramos a tese. Na segunda, a antítese. Na terceira, a síntese.
Na primeira delas, Jesus fala de um pastor que tinha cem ovelhas, mas perdeu uma. Quem tem cem e perde uma, teve um prejuízo de 1%. Certamente que em pouco tempo aquela ovelha seria reposta através da procriação. Mas em vez de se conformar, aquele pastor deixa as 99 no deserto e sai à procura da que se extraviou. Portanto, ele se expõe ao risco de perder as demais. Elas não ficaram na segurança de um redil, mas no ambiente inóspito do deserto. Ao encontrar a ovelha perdida, colocou-a sobre os ombros e a levou-a de volta para casa.
Uma pergunta que me vem à mente é: por que ele teve que carregá-la nos ombros em vez de simplesmente guia-la de volta? Há, pelo menos, dois motivos plausíveis. Ou ela estava machucada sem condição de caminhar com suas próprias patas, ou ela era tão rebelde que se fosse deixada solta voltaria a se extraviar. Sua alegria foi tão grande que resolveu convidar os vizinhos para uma festa em celebração por haver reencontrado sua ovelha.
Na segunda parábola, uma mulher perdeu uma de suas dez moedas. Portanto, sua perda foi de 10%. Não era uma moeda qualquer, mas uma dracma. Diferentemente do pastor da parábola anterior, ela não precisou sair de seu domicílio para procurar o que perdera, pois a moeda havia sido perdida dentro de sua própria casa. Para encontrá-la, ela acende a candeia, varre a casa e a busca persistentemente. Não daria para encontrá-la de luz apagada. E para encontrá-la, ela teria que varrer a casa, isto é, livrar-se do lixo acumulado.
Quanto mais se acumula lixo no ambiente doméstico, mais difícil será encontrar nele o que se procura. A exemplo do pastor, ela também convoca suas amigas e vizinhas para uma festa em comemoração à moeda encontrada. Talvez, ela tenha tido que usar todas as dez moedas e algumas a mais para bancar tal festa. Faz sentido isso? Não se trata do valor da moeda em si, mas do valor do encontro.
As duas primeiras parábolas são contadas em forma de pergunta. “Que homem dentre vós…”, e “Qual a mulher que…”. A primeira fala de uma perda externa. A segunda, de uma perda interna. Na primeira, se busca. Na segunda, se procura.
Mas a terceira parábola nos apresenta a síntese das anteriores. Em vez de começar a nova parábola com uma pergunta, Jesus recorre a uma antiga fórmula de se introduzir uma estória, bem ao estilo “era uma vez…”.
“Certo homem tinha dois filhos…” O mais novo reivindica a sua parte na herança. O pai resolve repartir tudo o que tem entre os dois. O primeiro aproveita a grana para sair de casa e viver todas as aventuras que sempre almejara experimentar. O outro se manteve ao lado do pai. De primeira mão, a impressão que se tem é de que apenas o filho caçula se perdeu, desperdiçando sua parte na herança na farra. Porém, no desfecho da parábola, deparamo-nos com o seu irmão mais velho igualmente perdido, negando-se a participar da festa em comemoração à volta de seu irmão.
O pródigo era a ovelha extraviada, que só caiu em si depois de haver perdido tudo e só restar-lhe a comida dos porcos para saciar sua fome. O mais velho era a moeda perdida dentro de sua própria casa. A diferença é que o pastor perdeu 1% de seu rebanho. A mulher perdeu 10% de seu dinheiro. Mas aquele velho pai perdeu 100%. Não apenas por haver repartido o patrimônio inteiro com os seus dois filhos, mas por havê-los igualmente perdido. Um, fora de casa. Outro, dentro.
Foi necessário que o mais novo saísse de casa para que se revelasse quão perdido estava o que permaneceu. Foi necessário que o que estava fora retornasse para que o que estava dentro também fosse achado pelo pai.
Todas as três parábolas terminam em festa. Mas somente na última, alguém se nega a participar. Apesar de apresentar razões morais que justificassem sua decisão em não festejar, a bem da verdade, a razão era outra.
O tal bezerro cevado oferecido como churrasco foi apenas a gota d’água. Uma vez que seu pai já havia repartido seu patrimônio entre os dois filhos, e que o primeiro havia desperdiçado sua parte, concluímos que o dinheiro que bancava aquela festa pertencia ao mais velho. Seria como se a mulher que encontrara a moeda perdida resolvesse gastar todas as suas moedas para celebrar seu achado, ou se o pastor que recuperara sua ovelha decidisse matar as noventa e nove para dar uma churrascada em comemoração à ovelha resgatada.
De fato, o filho mais velho parece coberto de razão. Aquela festa não era justa. Não do ponto de vista da justiça humana. Porém, há que se considerar que a justiça divina extrapola nosso senso de justiça própria. A própria graça em si subverte a nossa lógica baseada em méritos e deméritos.
Celebrar o retorno do perdido servia para revelar a perdição de quem jamais se permitira partir. Como bem disse Paulo, “não há um justo sequer. Todos se extraviaram.” Tanto os que estão dentro, quanto os que estão fora, tanto os que procuram, quanto os que são procurados, tantos os que voltam com suas próprias pernas, quanto os que precisam ser carregados nos ombros.
Todos somos igualmente carentes da graça de Deus. Ninguém é melhor do que ninguém. O valor que possuímos não é intrínseco, mas atribuído pelo amor. Em outras palavras, não somos amados porque temos valor. Nosso valor decorre do fato de sermos amados.
E por fim: enquanto a celebração do outro nos ofender, não teremos entendido absolutamente nada do que seja graça, muitos menos, do que seja amor.
Autor: Hermes C. Fernandes
Edição: Alex Rosset