Razão e emoção constituem o nosso viver humano. Não nos damos conta que todo sistema racional tem um fundamento emocional.
Somos seres eminentemente emocionais, embora abundem referências de que a nossa racionalidade é o que nos distingue dos outros animais. E os argumentos neste sentido são tantos e tão bem justificados que, sem uma maior reflexão, até acreditamos neles. Inclusive, insistimos que o que define nossas condutas como humanas é elas serem racionais, fazendo com que vivamos uma cultura que desvaloriza as emoções em função de uma supervalorização da razão. Nada mais falso que isso, conforme demonstra a biologia do conhecimento e as teorizações formatadas pelo neurobiologista chileno Humberto Maturana.
Por emoções, na teoria de Maturana, há que se entender os diferentes domínios de ações possíveis, nas pessoas e nos animais, e as distintas disposições corporais que os constituem. É em função das disposições corporais que emoções são fenômenos próprios do reino animal. E o que chamamos de humano é basicamente o entrelaçamento do racional com o emocional, na linguagem, fazendo desabar o imperialismo da razão.
O peculiar do humano não está na manipulação, mas na linguagem e no emocionar. Acima de tudo, aceitar que não é a razão que nos leva a ação, mas a emoção.
A emoção fundamental que define o ser humano é o amor. E, no contexto da biologia do conhecimento, o amor é entendido como a emoção que constitui o domínio de ações em que nossas interações recorrentes com o outro fazem do outro um legítimo outro na convivência.
Parece complicado de entender, mas não é. Basta a adoção de uma postura reflexiva no mundo em vivemos, com respeito por si mesmo e pelos outros, deixando de lado o sentimento de competição, marcado pelo eufemismo mercadológico da “livre e sadia competição”. A competição não é e nem nunca poderá ser sadia, porque se constitui na negação do outro.
A competição é um fenômeno cultural e humano e não, como se supõe, uma característica biológica intrínseca. Queiramos ou não, a vitória se constitui na derrota do outro.
A competição se ganha com o fracasso do outro. O derrotado tolera o vencedor esperando por uma oportunidade de revanche. Assim, a tolerância é uma negação do outro suspensa temporariamente. Em razão disso é que foi cunhada a expressão: “as vitórias que não exterminam o inimigo preparam a guerra seguinte”.
O que chamamos de racionalidade, quase sempre, não passa de uma atuação baseada em premissas previamente aceitas, a partir de certas emoções (aceitas porque sim, porque agradam a alguém, aceitas pela preferência de alguém, etc.). A discordância entre pessoas se dá quando a diferença está nas premissas fundamentais que cada um tem sobre determinados temas. Em que cada qual aceita ou rejeita algo não a partir da razão, mas da emoção. São exemplos clássicos, discussões ideológicas ou religiosas.
As premissas fundamentais de uma ideologia ou de uma religião são aceitas a priori e, portanto, não tem fundamentação racional. Não existindo erro lógico nos argumentos, estes são, obviamente, racionais para aqueles que aceitam as premissas fundamentais em que eles se baseiam; reforça Humberto Maturana na sua teoria. Por isso, em situações de conflitos ou de discordâncias, os chamados discursos racionais não convencem ninguém quando o que se fala e o que se escuta tem como referência emoções diferentes.
Nem todas as relações ou interações entre seres humanos são sociais. É o caso daquelas baseadas na obediência, na exclusão, na negação e no preconceito, pois negam a condição biológica básica de seres dependentes do amor, que é aceitar os outros como legítimos outros na convivência. As relações hierárquicas, quase sempre, não se fundamentam na aceitação mútua e sim na negação mútua. Essas são instituições e práticas baseadas meramente no argumento da racionalidade e da obrigação. Nada mais que isso.
Razão e emoção constituem o nosso viver humano. Não nos damos conta que todo sistema racional tem um fundamento emocional. Um chefe mal humorado, por exemplo, vive num domínio emocional no qual só são possíveis certas ações e não outras. É com base nisso que a secretária, amigavelmente, costuma avisar aos incautos: “hoje, nem ouse pedir um aumento!”
Sem a aceitação do outro no espaço de convivência não há fenômeno social. Razão pela qual, na vida, a maior parte do sofrimento humano vem da negação do amor ou da emoção que permite a aceitação do outro como legítimo outro na convivência.
Autor: Gilberto Cunha
(Do livro A ciência como ela é, 2011.)