Estamos disputando uma escola voltada à vida, que supere a banalização da morte. Isso que vai prevenir essas atrocidades.
A violência na e contra as escolas com atentados acontece há 23 anos no Brasil. São pelo menos 23 atentados, incluindo o último de Blumenau, considerando o estudo da UNICAMP (2023), conduzido por Telma Vinha, incluindo algumas chacinas covardemente marcadas na nossa história como a de Realengo e Suzano. São 40 vítimas fatais. Até uma professora de 71 anos.
Em geral, envolve autores alunos e ex-alunos das escolas atingidas nos atentados. Eles expressam ter vivido bullying na escola e tem entre 10 e 25 anos de idade, são homens, brancos e jovens e atacam preferencialmente mulheres, meninas e até mesmo bebês e pessoas com deficiência (caso Barreiras/BA).
De acordo com o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, desde o início dos anos 2000 ocorreram 16 agressões armadas, das quais quatro no segundo semestre de 2022. Ao todo, 35 pessoas morreram e 72 sofreram ferimentos. Esse é o novo fenômeno de violência contra as escolas. É um fenômeno complexo e multifatorial.
Nas redes, no submundo digital (na “machosfera”) e na superfície os autores destes crimes expressam ódio, cultuam símbolos supremacistas, armas letais, armas brancas e tem sido seduzidos por aliciadores digitais que só os aceitam com o código da misoginia. Eles passam a ser percebidos, valorizados e estimulados a atacarem escolas nestes fóruns e jogos online.
O caso de Realengo (2011) que vitimou 12 pessoas, 9 meninas, por exemplo, é tido como o símbolo maior da misoginia que eles são capazes de fazer e do que estimulam que seja feito. Misogonia é bastante relata por pesquisadoras como a Adriana Dias, Lola Aronovich, Marie Declercq, Nina Santos, Manuela DÁvila. Isso precisa ser barrado já!
São aproximadamente 500 células extremistas identificadas, 10.000 pessoas aproximadamente em todo país, conforme matéria do Fantástico de 16 de abril de 2023. O problema é que em redes – sem nenhum tipo de restrição e filtro de palavras, tudo pode ser dito, eles se multiplicam, se potencializam e organizam esses ataques absurdos, inclusive com anúncios prévios.
Todavia, as respostas às ameaças e aos atentados estão sendo dadas e a prevenção social e a repressão qualificada garantindo uma série de medidas como o canal de denúncias Escola Segura e a qualificação da investigação e esclarecimento de redes de aliciadores digitais.
Mais de 300 prisões e mais de 1000 pessoas conduzidas a delegacias em face de investigações no período de 5 a 20 de abril de 2023 a partir do protagonismo do Governo Federal e da Polícia Federal. Foram ainda mais de 2.593 BOs lavrados; 270 buscas e apreensões de armamentos letais e não letais, de material de apologia ao Nazismo; 1.738 casos em investigação, com identificação de grupos neonazistas; 812 solicitações feitas por autoridades policiais às redes sociais para manutenção de conteúdos, para investigações, ou de remoção.
O que se viu é que as plataformas hoje colaboram muito mais que há duas ou três semanas atrás. Isso é resultado da Portaria 351/2023, do Ministério da Justiça, que fixou regras no âmbito da Internet sobre a operação Escola Segura. E há inúmeras decisões judiciais em andamento de investigação de redes sociais, conforme coletiva de imprensa do Ministro Flávio Dino no dia 20 de abril.
No RS, Governador anunciou um aumento de 2000 policiais militares para a ronda escolar no estado. E há várias prisões significativas das polícias civis como a de Maquiné (símbolos supremacistas cultuados por família de jovem envolvido com possível ameaça de atentado) e de Montenegro (compartilhamento de fake news).
A FGV alerta que os discursos de ódio nas redes começaram a ter uma linguagem bem mais jovem, com gírias de jovens com menos idade e dizem que houve aumento de perfis, mais recentemente, o que também preocupa em relação ao alcance e violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Dia 20 de abril parece ter virado uma lenda urbana graças a essas ações articuladas de denúncia, informação, inteligência policial nas redes, policiamento ostensivo em áreas de mais medo por parte da população e ações governamentais mais bem articuladas e integradas. Medidas que deram resultado, pois não houve atentados em escolas, com flagrantes riscos e anúncios localizados.
Mas, muitas crianças e adolescentes deixaram de ir à escola, não puderam ir à escola por conta do medo, seus e das suas mães e pais, da sociedade. Outras levaram facas, canivetes para se defender. Direito à educação violado pelo medo e pela insegurança pública.
O medo é o pior dos conselheiros, mas foi legitimo não levar o filho na escola com tamanha propagação de fake news e discursos de ódio que acompanhamos e vimos sendo compartilhados. A impressão era de que na escola de todo mundo iria acontecer um atentado. Era a mesma figura do pinterest divulgada em todos os lugares do país, mas vinha como se fosse acontecer um atentado na escola do meu filho, na escola ao lado, na cidade vizinha. Tudo anunciado!
Medidas como botão do pânico, escolha de Porto Alegre/RS, evidenciando pouco o trabalho da Guarda Municipal que ficou invisibilizada, apesar de feito o seu trabalho, caem na questão de somente responder ao medo, a sensação de insegurança que está elevada. Na minha opinião, é uma perspectiva reducionista, que reforça essa lógica de armamento, de violência, de soluções simplistas.
As tecnologias podem é compor um conjunto de medidas, uma abordagem mais ampla, integrada com segurança pública voltada para resultados. Mas não são a solução em si mesma.
Igualmente, temos um cenário de desqualificação dos professores, de perseguição, de patrulhamento ideológico em uma ideia delirante de que existiria uma ideologia de gênero. Aí entra o ´escola sem partido`, escola cívico-militar, homescholling. E o cenário é de estimulo à cultura bélica, que é uma marca do último governo, onde tivemos o aumento de mais de 500% na população CAC (caçadores, atiradores e colecionadores) autorizada a usar armas de 2018 para 2022.
Percebo que violência contra as crianças e adolescentes no país é uma situação presente e grave, mas pouco evidenciada. De acordo com a última edição do Anuário de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de até 19 anos foram mortos de forma violenta no país. Pela pesquisa PENSE, IBGE, 2019, 14% dos estudantes deixaram de ir para a escola por medo no trajeto. Vítimas pela insegurança dos seus direitos.
Do ponto de vista da segurança pública voltada para a prevenção social e situacional das violências, é trabalhar com gestão da informação, com policiamento e ações baseados em evidências. E por isso eu tenho sugerido a criação de observatórios da segurança escolar, que poderia ter um em cada escola junto a um núcleo de mediação de conflitos ou de práticas restaurativas.
Esse observatório que pode ser da escola, mas também do município, pode construir essa política e induzir um policiamento baseado em evidências, cruzando indicadores criminais, indicadores de violência, trabalhando riscos reais e ampliando essa noção do que seria violência na escola.
Acredito muito em projetos de educomunicação e direitos humanos.
Fundamental a busca ativa dos alunos com baixa frequência ou evadidos, a articulação com o sistema de proteção social, conselho tutelar, ministério público, defensorias, guarda municipal, etc. Todos envolvidos numa estratégia articulada, integrada, integral, ajudando a prevenir essas situações e compartilhando informações e ações em prol do direito à educação de todos.
Uniforme é uma medida básica de proteção e pode ajudar nesse controle de acessos, assim como garantir estrutura física das escolas, mas o problema é grande: 95% das escolas estaduais gaúchas, por exemplo, tem algum tipo de problema estrutural, como denúncia feita ontem nos meios de comunicação. Investimento já!
A implantação de uma educação crítica voltada aos direitos humanos, tema proibido nos últimos quatro anos, e distante desse patrulhamento ideológico e desse modelo da pedagogia do quartel imposta pelas escolas cívico-militares, escola-sem-partido é o caminho para construirmos um caminho de mediação, de cidadania e paz nas escolas.
Estamos disputando uma escola voltada à vida, que supere a banalização da morte. Isso que vai prevenir essas atrocidades. Uma escola aberta, que tenha clima, gestão democrática, diálogo, escuta e empatia.
A violência na escola nasce do emparedamento do gesto, da palavra, como explicou o sociólogo José Vicente Tavares dos Santos. Quando não é possível falar, quando não se é visto, quando não se pertence… É daí que nasce a violência e também a criminalidade. 40% dos que praticam bullying nas escolas podem se envolver com a criminalidade na vida adulta. É na escola que se previne violência e crime!
Columbine e Blumenau nunca mais!
Autora: Aline Kerber, Mãe. Socióloga. Conselheira CME de PoA. PresidentA de Honra da AMPD. Vereadora Suplente pelo PSOL PoA.