Em vez de nos deixar de herança os momentos “pesados” de sua própria existência, minha avó optou por deixar, entre outras coisas, a paineira da foto.
Há simplificação nessa afirmativa acima e na similar que diz: “Um povo feliz não tem história”. Mas as duas nos levam a pensar:
- O passado não deve ser esquecido, é claro. Mas lembrar a todo momento dos sofrimentos vividos não nos “cura” deles.
- Temos o dever de ensinar às novas gerações não só os feitos positivos realizados pelos que nos antecederam, mas também as atrocidades, como o holocausto, a escravidão, as ditaduras, as guerras como agora a Rússia invadindo a Ucrânia, a opressão sobre as mulheres, os maus tratos as crianças e tantas outras.
- Mas esse ensino deve focar naqueles que bravamente lutaram para superar essas atrocidades. E refletir sobre medidas que possam evitar a repetição delas.
- E para superar nossos sofrimentos individuais precisamos contá-los para alguém que queira nos ouvir com atenção, que respeite nossas dores, que sinta conosco. Às vezes, é necessário contar mais de uma vez. E… pronto! Vamos em frente!
- A nossa “cura” depende muita mais do nosso presente do que do nosso passado. Bacon: “Na mente você só consegue apagar o velho escrevendo o novo”. Se passamos a gostar de alguma coisa, o nosso sofrimento diminui proporcionalmente ao nosso novo gostar. Temos de agir. Não fazendo nada é impossível a pessoa gostar de si. Quanto mais o presente se aproxima do que queremos, menos dói o passado.
- Portanto, as tristezas já vividas passam a ser um capítulo que continuará no nosso livro. Mas, agora, é a hora de escrever o capítulo do presente.
- E por que repassar aos nossos filhos e netos conflitos que ocorreram na família enquanto eles nem eram nascidos ou eram crianças? Por que vergar suas costas com eles?
Minha avó leu Milan Kundera e sua “insustentável leveza do ser”. Viu aí a declaração de que existe na vida leveza, mesmo que não se sustente. E em vez de nos deixar de herança os momentos “pesados” de sua própria existência, optou por deixar, entre outras coisas, a paineira da foto.
A “paineira da vó” nunca parou de crescer e joões-de-barro estão sempre construindo nela suas casinhas.
Autor: Jorge Alberto Salton
Edição: Alexsandro Rosset
Excelente reflexão. Os professores de História, como eu, deveriam refletir sobre estás colocações e mudar o enfoque da narrativa dos fatos passados. Dar relevância nas ações edificantes de luminares da humanidade que deixaram seus nomes na luta pelo bem comum. Grata Jorge Alberto Salto