Rápido olhar sobre a Amazônia

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Sendo objetivo: floresta preservada
vale mais que terra desmatada.

Pensar a Amazônia – equivocadamente ainda hoje entendida como o “pulmão do mundo”, denominação que bem cabe às algas marinhas, responsáveis pela produção de 54% do oxigênio do mundo – num contexto amplo, isto é, sob a esfera política, social, econômica e ecológica, requer, à primeira vista, que se faça lacônica e generosa reflexão sobre boa parte da riqueza natural (vastíssima diversidade de fauna e flora) ali existente.



É urgente que os governos dos países amazônicos, especialmente o Brasil, adotem medidas sérias para salvar uma região determinante no equilíbrio ecológico do planeta”, diz o documento da CNBB.



Para início de conversa, estamos falando de uma área de 5,2 milhões de Km2 (61% do Brasil e 14% da população brasileira, 29 milhões de pessoas concentradas em áreas urbanas), incluindo nove estados e 3 importantes e ricos biomas, Amazônia e partes do Cerrado e do Pantanal.

Pensar o bioma Amazônia, onde está a maior floresta tropical em biodiversidade do mundo (contemplando 10% de toda a biomassa do planeta), significa observar com elevada atenção nada menos que 49% do território brasileiro; isso representa, pasmem, 16 vezes o tamanho do Estado de São Paulo.

Pensar, pois, a maior floresta tropical do mundo (com 30 mil espécies de plantas e 30 milhões de espécies animais) significa reconhecer que essa “nossa” especial riqueza é capaz de levar umidade para toda (vale o grifo) a América do Sul (abriga-se ali 20% dos recursos hídricos de todo o planeta), influenciando no regime de chuvas na região e contribuindo para estabilizar o clima global.

De passagem, urge lembrar que a floresta funciona como uma bomba de água que abastece a atmosfera com o vapor que forma as nuvens e mantém as chuvas; e qualquer desregulação das chuvas, como é fácil notar, impacta diretamente o agronegócio, afetando assim os destinos do nosso país que tem 90% da agricultura dependente de chuva (apenas 10% das lavouras brasileiras são irrigadas).

É aqui, na maior floresta tropical do mundo, que se tem o maior e mais volumoso rio, o Amazonas, com extensão de 6.800 km, desbancando assim o Nilo, com 6.695 km e o Yangtzé, com 6.300 km. É aqui – cumpre frisar sempre que possível – que está também uma das maiores sociodiversidades culturais do mundo, com diversas etnias e povos não contatados, alguns em regime de isolamento (107 grupos ao todo).

Detalhe: estima-se que aproximadamente vivem na região amazônica mais de 460 mil índios, divididos entre 225 sociedades indígenas, com mais de 180 línguas.



A campanha #PovosDaFloresta é protagonizada por 25 lideranças de nove povos indígenas da Amazônia, comunidades quilombolas do Vale do Ribeira (SP) e ribeirinhas da Terra do Meio, no Pará. Com sua força e beleza, a campanha saúda a diversidade de povos que vive e protege as florestas e lembra que são as florestas que regulam o clima, produzem a chuva para a agricultura e abrigam a maior biodiversidade do planeta, potencial fonte de novos medicamentos e curas.


Há um ponto que não se pode deixar escapar à compreensão: a Amazônia (o ecossistema mais biodiverso da Terra) tem algo de muito especial que, à luz de boa sabedoria, não deixa de surpreender a todos. Não raras vezes, há sempre novas descobertas acontecendo.

Veja-se a propósito que, entre 2010 e 2013, foram descobertas mais de 400 novas espécies de animais e plantas na região, aumentando sobremaneira a extrema necessidade de preservar este bioma e toda a sua biodiversidade (isto é, a exuberância da vida na Terra). Ao longo desse período mencionado, foram descobertas, ao todo, 258 espécies de plantas, 84 de peixes, 58 de anfíbios, 22 de répteis, 18 de aves e uma de mamífero, numa surpreendente média de duas descobertas por semana. Algo que se soma às mais de 1,2 mil novas espécies de animais e plantas identificadas e listadas pelo conhecimento científico.

Toda essa riqueza – que não para por aí – é digna de relevante nota: a Amazônia possui uma série de riquezas minerais mal exploradas economicamente. São metais como ferro, zinco, alumínio, nióbio (usado principalmente na produção de ligas de aço de alta resistência) e ouro que estão presentes no subsolo amazônico em quantidades variáveis.

Especificamente em relação ao nióbio, tema que frequentemente ocupa o noticiário nacional, o Brasil possui 98% da reserva global. Somente a reserva de Araxá e Tapira, em Minas Gerais, com 75% da quantidade disponível, tem material o bastante para mais de 200 anos de exploração.

E a história segue: as mais ricas e variadas espécies da Amazônia, cabe destacar, também são importantes pelo seu uso para produzir medicamentos, alimentos e outros tantos produtos. São mais de 10 mil espécies de plantas da área que possuem princípios ativos para uso medicinal, cosmético e controle biológico de pragas.

Serve de exemplo: em 2017, pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo, mostrou que a planta “Unha-de-Gato”, além de ser utilizada para tratar artrite e osteoartrose (doença relacionada com a lesão degenerativa da cartilagem articular), ainda reduz a fadiga e melhora a qualidade de vida de pacientes em estágio avançado de câncer.

Fora isso, produtos típicos da floresta são comercializados em todo o Brasil, como açaí (90% das exportações dessa fruta se destinam aos mercados dos EUA e Japão; Alemanha, Bélgica, Reino Unido, Canadá, França e outros compram os 10% restantes), guaraná (já transformado em referência cultural), frutas tropicais, palmito, fitoterápicos, fitocosméticos, couro vegetal, artesanato de capim dourado e artesanato indígena.

Há ainda produtos não madeireiros que apresentam elevado valor de exportação: castanha-do-brasil (ou castanha-do-pará), jarina (o marfim vegetal), rutila e jaborandi (princípios ativos), pau-rosa (essência de perfume), resinas e óleos, entre outros.

No entanto, vale observar o seguinte: embora venha se tornando um assunto quase familiar, boa parte dos brasileiros – algo que deve ser lamentado – ainda desconhece a importância real da Amazônia para o equilíbrio planetário, bem como os mais sérios problemas e ameaças (desde a destruição da floresta em si à fragmentação de seus ambientes aquáticos, como a interrupção e desvio dos cursos dos rios para a construção de barragens e, notadamente, a prática de desmatamentos criminosos – algo como dois campos de futebol desmatados a cada minuto) que recaem sobre esse fundamental ecossistema do planeta.

Note-se, ademais, que isso exige comentários detalhados. De acordo com estudo divulgado pelo Observatório do Clima, o desmatamento (que representa hoje a liberação de 200 milhões de toneladas de carbono por ano, 2,2% do fluxo total global, grifo meu, MEO) vem causando cada vez mais impactos graves na diversidade de espécies. Estima-se que a Pan-Amazônia (outro grifo meu: entre 2000 e 2017, a Amazônia inteira, e não apenas a parte brasileira, perdeu 29,5 milhões de hectares de floresta, o equivalente a área territorial do Equador) já tenha perdido 11% de sua cobertura.

Criminosamente, isso causou perda de 7% no habitat das espécies. Para 2050, a projeção com políticas de controle de desmatamento mostra 21% de redução da floresta (e 19% na diversidade); sem controle, isso vai a 40% (e 36% de perda de diversidade).

Todo esse descompasso, como é plausível imaginar, eleva a necessidade de se conhecer em detalhes o que se passa com a Amazônia para que se procure, na medida do possível, mitigar todos os impactos possíveis.

A propósito, Vera Maria Fonseca de Almeida, em artigo escrito especialmente para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), alerta que:

O Brasil não conhece essa Amazônia real, porque sua realidade não é avaliada, tampouco divulgada. O Brasil, todavia, precisa perceber a Amazônia hoje, não só como uma paisagem, não como um bioma somente, não só como uma fronteira… A Amazônia é uma região geográfica deste país comportando as características vitais de qualquer ambiente ocupado pelo ser humano, quer em sua vertente urbana, quer em sua vertente rural. Tem vida política, religiosa, comercial, industrial. Por isso também polui, também invade, também cresce desordenadamente e sua população sobrevive em favelas nas periferias das cidades. Nela também há violência como em qualquer outra região do país. Há, porém, um aspecto que a torna diferente das demais regiões. Essa diferença resulta tanto de sua configuração geofísica como da história de sua colonização. Nela, são os rios que imperam e são esses rios os detentores do ritmo de vida do homem, dos bichos e da própria floresta. Nesse mesmo rio está o principal meio de comunicação, de locomoção e de subsistência do amazônida.

Falando abertamente, há considerável desconhecimento de algo bastante representativo que está devidamente provado: a maior floresta tropical do globo consegue produzir mais riquezas se mantida de pé que derrubada.

Sendo objetivo: floresta preservada vale mais que terra desmatada. Há uma boa gama de ótimos estudos mostrando que os serviços ambientais proporcionados pela Amazônia – ou serviços ecossistêmicos, como são conhecidos – como regulação do clima, oferta de água, manutenção da fertilidade do solo e prevenção da erosão, geram mais recursos econômicos (ganhos) que a substituição da vegetação nativa por culturas como a soja ou a pecuária.

No entanto, a destruição da Floresta Amazônica, notadamente em termos de áreas desmatadas, continua sendo prática comum. São odiosos e inaceitáveis os números conhecidos de destruição em toda a região: apenas entre agosto de 2017 a julho de 2018, foram derrubadas cerca de 1.185.000.000 (um bilhão, centro e oitenta e cinco milhões) de árvores.

E repare bem que, depois de acentuada queda nos registros de desmatamento, caindo de 27,8 mil km² em 2004 para 4.600 km² em 2012, o menor índice da história brasileira (vide gráfico abaixo), dados do INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, considerando o período mencionado linhas acima (ago/17 a jul/18), mostram preocupante aumento de 15% sobre os 12 meses anteriores. Desde agosto de 2018, a devastação ilegal atinge, em média, 52 hectares da Amazônia/dia.

O novo problema, porém, é que dados mais recentes, isto é, dos primeiros 15 dias de maio de 2019, por exemplo, são os piores no mês em uma década – 19 hectares/h, em média, representando o dobro do registrado no mesmo período de 2018. O que se sabe é que foram perdidos oficialmente, em apenas uma quinzena, 6.880 hectares de floresta preservada na Região Amazônica.

Não bastasse isso, agora os registros de aumento das queimadas – notadamente de janeiro a agosto de 2019 – indicam que a tendência de crescimento da destruição da floresta segue em alta. Até o mês de agosto de 2019, o Brasil registrou – pasmem novamente – 131.327 queimadas florestais, segundo o INPE. 

Por fim, dito numa linguagem modesta, o que precisa ficar claro é o seguinte: todos esses trágicos acontecimentos terminam evidenciando certa coerência com as promessas do atual presidente da República de diminuir as políticas de proteção ambiental para facilitar, em partes e no todo, a exploração econômica da região e de seu impacto negativo.

E mais: apesar de o atual mandatário enxergar as críticas internacionais – principalmente as de líderes políticos do exterior – como uma espécie de complô, algo que em sua distorcida visão impediria o crescimento do Brasil, a verdade é que, goste-se ou não, estão em xeque as principais diretrizes ambientais dominantes no país nos últimos tempos.

Tristes e conturbados tempos. Tempos trevosos, para ser claro, explícito e definitivo.



Prof. Marcus Eduardo Oliveira
Autor dos livros “Economia Destrutiva” (ed. CRV) e “Civilização em desajuste com os limites planetários” (ed. CRV), entre outros. 
prof.marcuseduardo@bol.com.br
Economista, ativista ambiental e Mestre em Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina (PROLAM), da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Economia destrutiva (CRV, 2017) e Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018). prof.marcuseduardo@bol.com.br

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