As religiões não se interessam pelos “fatos” – científicos ou não – mas pela “verdade” que existe por trás destes fatos.
O espiritismo carece de comprovações, pelo menos daquelas exigidas pela ciência cartesiana. Ele é um sistema lógico, como a psicanálise. Nem tudo se pode comprovar, pelo menos não com o instrumental que possuímos. Não há ainda um fato científico que comprove – além de qualquer dúvida – a existência da alma ou a reencarnação.
Fortes indícios, como bem o sabemos, não são provas. Todavia, lembremos apenas que o ar já existia antes de sabermos do que ele é feito, assim como as estrelas quando acreditávamos que elas não eram mais do que furos na abóbada celeste. Se não posso provar a sobrevivência da alma, tampouco o ego, o superego, a alegria, a tristeza, o ciúme, a desconfiança ou o narcisismo podem ser reproduzidos em laboratório. Tais modelos de compreensão, todavia, nos auxiliam a explicar os buracos deixados pela ciência. Essa, por sua vez, tentará indefinidamente desvendar tais mistérios para um dia, quiçá, ser capaz de descortiná-los.
Não peço que acreditem em Deus ou nos espíritos, até porque não exijo isso sequer de mim. Entretanto peço um pouco de respeito com a forma com a qual as pessoas traduzem para si o enigma da existência.
Para além disso, pergunto por que a nossa necessidade de desaprovar as crenças alheias? Em que elas nos incomodam?
Para isso é importante entender do que é constituída uma crença. Uma crença é essencialmente uma linguagem, um idioma que se usa para ser compreendido pelos outros. É uma forma de expressar uma cosmologia teleológica que oferece sentido ao universo através de símbolos, metáforas e histórias. Por esta razão, as religiões não se interessam pelos “fatos” – científicos ou não – mas pela “verdade” que existe por trás destes fatos. Esta verdade, que carrega valores múltiplos e significados morais e políticos, é uma plataforma por sobre a qual transitamos e encontramos interlocução.
As religiões servem como a mais relevante e consistente amálgama social, para que os propósitos de convivência e cooperação – essenciais para a sobrevida de nossa espécie – possam encontrar expressão e difusão.
Os fatos, da forma como ocorreram no mundo real, são totalmente irrelevantes neste sentido.
O debate sobre o peso de Jesus, um judeu que falava para judeus numa Palestina dominada, não tem nenhuma importância ao se debater biblicamente o episódio em que “caminhou abre as águas”. Não é da física ou da matemática que trata a religião, pois estes são fatos do mundo físico. Ela se ocupa da “Verdade”, que preexiste e sobrevive à senescência da matéria. Não se analisa religião através da comprovação de suas histórias, mas a partir da compreensão histórica de suas premissas compartilhadas, seus valores e ideias.
Tratar a religião como uma série de “histórias bobas”, “fatos não comprovados” ou “manipulação” ou também “má ciência” é confessar a ignorância nas origens e no sentido último desses modelos de comunhão social.
Ao mesmo tempo, tentar entendê-la literalmente tratando os símbolos contidos como fatos para assim justificar desejos e aspirações momentâneas – políticas ou pessoais – é fundamentalismo, e ele nada tem a auxiliar no progresso do conhecimento.
Em outra oportunidade, já tivemos publicada neste site reflexão Desejos. “Sim, como dizia Sêneca, “a pobreza não vem da escassez de recursos, mas da proliferação dos desejos”. Toda a riqueza acima do limite das necessidades é governada pelos desejos, e estes são infinitos e incontroláveis”. Leia mais!
Autor: Ricardo Herbert Jones
Edição: Alex Rosset
Muito boa reflexão, Marcelo. Agradecemos!
Tal qual a ciência e demais áreas do saber, todo conhecimento humano será sempre o conhecimento humano. Interessado no humano indivíduo ou no humano coletivo. Interessado na vida humana e no ambiente humano de sua existência. Seja a religião interessada na verdade, tanto quanto a ciência, ambas são interessadas na verdade humana. E como humanos agimos. Como um ser que a exemplo de todos os outros seres, evolui em maior ou menor grau, resolvendo suas contradições existências sempre usando seus recursos alcançáveis em seu tempo. Ora, se a religião é ou não algo importante para a condição de vida humana, a própria humanidade se encarregará desse conhecimento, de dar ou não a atenção a sua própria criação, de sustentar ou não seus próprios desejos, anseios, lucubrações, etc… todas características do animal humano que segue e seguirá se comportando como animal humano por toda sua existência. Agora, se um dia transcenderemos a humanidade para algo que ainda não vislumbramos, isso é pura especulação, presente no mundo das ideias humanas, tanto quanto a religião e a ciência humanas. Tenho a impressão que a efemeridade humana ainda dita as regras do seu comportamento.