Religiosidade popular: no braseiro da fé, esperança é minha luz

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Vou cantar minha fé com a voz do coração,
um sentimento movido pela gratidão.
Rio de graças que banha a minha emoção,

no choro incontido de um povo de pés no chão.
Prece cabocla serena de pele morena, da vida
vivida na simplicidade na dificuldade, na superação.
Amazonas, o templo sagrado da minha oração”.


Faço uso do verso da canção “Prece cabocla”, do Boi-bumbá Garantido, para falar da experiência religiosa do povo amazonense, sobretudo da região do rio Juruá.  É importante nos darmos conta que esta região, como outras regiões da Amazônia, teve influência dos nordestinos que foram para lá em busca de uma nova vida, na época da extração do látex da seringueira, a chamada Belle Époque. Estamos falando de um processo de miscigenação que ajudou a dar um novo “tom” à religiosidade popular nessa região.

O povo que aí vive possui dentro de suas práticas religiosas mais comuns o catolicismo. Neste universo amazônico é muito comum a crença nas mitologias que fazem parte do cotidiano do caboclo amazônida, como as lendas do boto, da mãe da mata, do curupira e nas crenças como o mau olhado e os encantamentos.

A religiosidade popular nasce justamente da conjugação de todo esse ambiente, vivido por todos no Amazonas: esse desejo de poder encontrar-se com o transcendental, o sobrenatural, que se dá nas várias manifestações da vida do povo.

E é na vida tão simples e cotidiana do caboclo amazonense que essa religiosidade se demonstra tão forte, seja na devoção aos santos católicos, seja na reunião das comunidades em momentos específicos para celebrar seus padroeiros, transformando-se em eventos que se caracterizam pela realização de festas religiosas ou festejos, como são popularmente chamados. Dessa maneira, as comunidades passam grande parte do ano ora envolvidas com a preparação, ora com a realização ou participação nesses acontecimentos religiosos, tanto na cidade como nas demais comunidades ribeirinhas.

Os grandes festejos que se destacam são os de São Francisco e São Pedro. Estes se caracterizam por serem manifestações de fé, de agradecimento por benefícios alcançados e de renovação dos pedidos feitos à imagem do santo protetor. Obviamente, a intenção deste texto não é dizer se isso é catequeticamente certo ou não, mas a expressão e devoção popular se mostram vivazes e pé no chão, fruto de uma bonita vivência das Comunidades Eclesiais de Base.

Outra característica que merece destaque é que o povo do rio Juruá cumpre suas promessas por meio de rituais, traduzidos, muitas vezes, na forma de festejos, almoços comunitários, missas, procissões e novenas. Assim, cada evento destes possui sua própria história e razão de existência, forma única de ser organizado e sua representatividade para a comunidade varia de uma para a outra. Nas comemorações dos festejos o sagrado e o profano estão presentes e, de certa forma, se entrelaçam a todo momento.

A religiosidade popular, enraizada na vida cotidiana recupera aquilo que o povo tem de mais profundo na sua alma e traz uma vivacidade da fé que ora é devoção, ora se mostra no comprometimento na vida das comunidades na atuação de leigas e leigos nos vários serviços pastorais.

Nestas experiências profundas com o sagrado, o povo dessa região encontra na fé o braseiro, que sacia a alma e arde nos pés, fazendo-o caminhar rumo a novos e melhores horizontes.

Fé é caminho, é meta, resistência, destino e encontro, expectativa e busca, risco e certeza, ousadia e liberdade de quem reza o terço nas procissões, faz invocações às entidades da floresta, ou banha-se com o perfume das encantarias.

É na fé e na esperança que o povo das margens do rio Juruá se mantém firme e sempre está aposto para lutar e vencer as adversidades cotidianas, perpetuando às futuras gerações o eminente desejo de prosseguir lutando e respeitando o princípio sagrado, essencial para a vida em harmonia.

No Braseiro, na brasa, no fogo, a fé conduz a vida do caboclo amazonense à esperança que jamais se apaga, “aprendendo a ouvir a mensagem de um Deus que nos fala na brisa, nas águas nas flores no chão”.




Autor: Fr. Igor Pereira msf
Coordenador Serviço de Animação Vocacional
Passo Fundo – RS

Fr. Igor Pereira trabalha no setor de Animação Vocacional da Província Brasil Meridional dos Missionários da Sagrada Família. Seu serviço é animar todas vocações, exercendo a função de despertar, acompanhar, animar e subsidiar vocações religiosas, sacerdotais e leigas. Faz também um itinerário com as juventudes a fim de levá-los à reflexão sobre projeto de vida e discernimento vocacional.

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