Respeite as flores

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Precisamos respeitar – olhar com atenção – as flores. Sem essa percepção, que exige esforço, as ervas daninhas crescem e sufocam o jardim.

A palavra “respeito” tem origem no latim respicere, que significa “considerar atentamente” ou “olhar com atenção”. Como professor, procuro todos os dias observar meus alunos com atenção e respeito, especialmente aqueles que se destacam.

Mas por que dar uma atenção especial a esses alunos?

Porque, ao encontrar uma flor no jardim, não devemos pisá-la ou ignorá-la. Sei que nem tudo são flores na educação diária; há muitos desafios que podem abalar nossa fé na cultura e na educação.

Ainda assim, insisto: há flores, e muitas!

É preciso notá-las, percebê-las, e cultivá-las para que, com o tempo, formem um jardim.

Nesta manhã, por exemplo, fui em busca de uma menina de uma turma do quarto ano do fundamental, que, há alguns dias, vi lendo um livro. Ao final do meu período, ela estava mergulhada na leitura e, embora a tenha elogiado, não fui além disso. Em meio ao caos de planilhas, notas e atividades enfadonhas, esqueci quem era a aluna. Seu nome me escapou, mas a imagem dela com um grande livro ficou na minha memória.

E que livro! Não era uma obra simples ou comum. Era It, de Stephen King, um romance de terror com mais de mil páginas!

Pela manhã, fui à turma onde a vi lendo. Descobri quem era, mas, infelizmente, ela não veio à aula. Ainda assim, prometi a mim mesmo procurá-la nos próximos dias para tirar uma foto e escrever um texto, elogiando sua paixão pela leitura.

Isso pode parecer simples, mas não é trivial. Em alguns casos, talvez, não seja em vão. Ver as flores me faz bem. Fazer um gesto, por menor que seja, para valorizar e incentivar, é bom tanto para mim, como professor, quanto para o aluno.

Lembro-me de um caso semelhante nesta mesma manhã. Enquanto caminhava pelos corredores da escola, encontrei uma aluna que me disse estar terminando de ler Cândido ou O Otimismo, de Voltaire. Eu havia emprestado o livro para outra estudante, e elas trocaram a obra entre si.

Conversamos sobre a história, a personagem Cunegundes, o humor ácido e verdadeiro da obra. Discutimos a filosofia e a sabedoria nas desventuras dos personagens. Ela mencionou que não gostou das tragédias, mas achou engraçada a forma como eram contadas.

Ao final da nossa conversa no corredor, ela pediu:

– Não conte o final! Faltam quatro páginas para eu terminar a leitura.

No momento em que esta crônica está sendo publicada, tenho certeza de que ela já terminou o livro. Sendo assim, posso mencionar que, ao final de Cândido, o protagonista aprende uma lição importante; ao ouvir mais uma elucubração filosófica das muitas que aparecem na história, ele conclui:

– Tudo isso está muito bem dito, mas precisamos cultivar nosso jardim.

Voltaire, através de seu personagem, estava certo. Precisamos respeitar – olhar com atenção – as flores. Sem essa percepção, que exige esforço, as ervas daninhas crescem e sufocam o jardim.

Fotos: (flores/jardins): Nei Alberto Pies

Autor: Aleixo da Rosa. Também escreveu e publicou no site a crônica “Projeto Sofia: onde a leitura e a escrita ilumina os sonhos”: www.neipies.com/projeto-sofia-onde-a-leitura-e-a-escrita-iluminam-os-sonhos/

Edição: A. R.

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