Essas catástrofes ambientais e socioambientais têm muitas causas. O modo pelo qual os humanos produzem e consomem, o sistema de produção capitalista essencialmente depredador, as formas de organização social e os fins éticos das sociedades e dos indivíduos estão na raiz dessas causas.
Estamos vivenciando a maior catástrofe ambiental da história do Rio Grande do Sul e iniciando mais uma Semana do Meio Ambiente que se repete a cada ano, pautando temas importantes, mas não mudamos nosso modo de pensar e de viver. A Lei Federal nº 9.795/1999 que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea) completou 25 anos de vigência na véspera das enchentes e está relegada pelas reformas educacionais recentes, pelos gestores públicos e pelas instituições ensino.
Até recentemente, a maioria de nós permaneceu alheia aos alertas que a comunidade científica vem, há muitas décadas, emitindo sobre as mudanças climáticas, o declínio da biodiversidade, a intoxicação dos organismos pela poluição químico-industrial, aquecimento global, as ilhas de calor e possibilidade de eventos climáticos extremos e intensos.
Em 2013 foi elaborado um documento denominado “Consenso científico sobre a manutenção dos Sistemas de Suporte da Vida da humanidade no século XXI”, assinado por mais de 1,3 mil cientistas, pesquisadores, ONGs, estudantes e demais cidadãos, que alertava:
A terra está rapidamente se aproximando de um ponto crítico (tipping point). Os impactos humanos estão causando danos alarmantes ao nosso planeta. Como cientistas que estudamos a interação dos homens com o resto da biosfera, valendo-nos de um amplo espectro de abordagens, concordamos que é imensa a evidência de que os humanos estão deteriorando os ecossistemas que suportam a vida. Predizemos também, com base na melhor informação científica disponível, que, mantida a via atual, a qualidade de vida humana sofrerá substancial degradação por volta de 2050.
Cooperar ou perecer
Na abertura da 27ª Conferência das partes (COP 27), em Shamrm el-Sheikh no Egito, em 2022, António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas sentenciou: “A humanidade tem uma escolha: cooperar ou perecer. Ou fechamos um pacto de solidariedade climática ou um pacto de suicídio coletivo”.
O cenário catastrófico produzido pelas enchentes no Rio Grande do Sul (RS) não é uma exceção, ao contrário, é uma reprodução, em larga escala, das tragédias em anos recentes no litoral paulista, na Baixada Fluminense, no sul da Bahia, em Recife e, há poucas décadas, em Santa Catarina.
Em todas as situações, há centenas de mortes, milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas, casas destruídas, empresas danificadas, cidades inteiras debaixo d’água e traumas de várias ordens.
O mais angustiante é que os estados, cidades e gestões não estão preparadas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, o que agrava os riscos e os impactos.
Essas catástrofes ambientais e socioambientais têm muitas causas. A maioria deriva das ações humanas no planeta e sobre a natureza. O modo pelo qual os humanos produzem e consomem, o sistema de produção capitalista essencialmente depredador, as formas de organização social e os fins éticos das sociedades e dos indivíduos estão na raiz dessas causas. E, ainda, a crise ambiental é concebida, também, como uma crise civilizacional.
Em 2020, na revista científica Nature, foi publicado um estudo que demonstrava que o total dos objetos construídos pela humanidade acabava de superar, pela primeira vez, a massa somada das formas de vida na Terra.
A transformação de matérias-primas naturais em artefatos humanos cresceu de forma tão vertiginosa que, a cada semana, os novos objetos feitos pela nossa espécie superam o peso corporal de cada pessoa viva hoje, afirmava o estudo.
A chamada massa antropogênica, como decidiram designá-la, ultrapassou a marca de 1,1 teratonelada (ou 1,1 trilhão de toneladas) em 2020 e tem dobrado de tamanho a cada 20 anos ao longo do último século, segundo os autores do estudo.
Esta catástrofe de maio no estado do RS é um evento climático potencialmente destrutivo demais para ser considerado como uma mera intercorrência climática, evento natural ou evento apocalíptico segundo a narrativa dos negacionistas.
Eventos climáticos extremos têm sido reportados com maior frequência em diversos locais no mundo, especialmente na presente década. Enchentes devastadoras ocorrem após períodos de estiagem, revelando uma crise de gestão hídrica a ser enfrentada pelo estado.
São 447 municípios atingidos, e no início de junho, o total de vítima fatais já ultrapassava 170, além de centenas de feridos, dezenas de pessoas desaparecidas e mais de 600 mil pessoas desalojadas. São ao menos 532 escolas danificadas, com centenas de milhares estudantes matriculados prejudicados.
Além das perdas ainda não contabilizadas de animais de criação, a perda parcial ou total de lavouras, comprometimento da indústria, a destruição de pontes, rodovias e a estrutura de cidades inteiras, levando o estado a decretar estado de calamidade pública.
O professor pesquisador Roberto Rafael Dias da Silva (Unisinos), lembra que ao estudarmos as implicações do Antropoceno, certamente conhecíamos que as ações humanas têm produzido efeitos globais.
O planeta sente um conjunto de transformações – pelo clima, pelas águas, pela paisagem – e, talvez em nosso estado estejamos descobrindo da forma mais dura: nós, humanos, estamos sentindo em nossos corpos a nova condição.
Nova agenda socioambiental
“Precisamos, agora, retomar a educação ambiental formal e não formal, integral, crítica, comprometida com a justiça climática, com a ética socioambiental e proteção de todos os seres vivos da natureza”
As políticas educacionais precisam trazer para o seu interior um novo direcionamento para tratar questões ligadas à justiça climática. Não um projeto, não um tema transversal, não uma cartilha para ser aplicada nas escolas: mas uma nova agenda na perspectiva socioambiental.
A maioria dos brasileiros e gaúchos se mostraram solidários para com o sofrimento alheio, porém, a maioria não se dispõe a questionar e lutar por mudanças que reduzam o aquecimento global, a crise ambiental, a promoção do consumo consciente, da justiça ambiental e o cuidado da natureza.
Entre tantas urgências e novas agendas que se apresentam no contexto atual é fundamental retomarmos a Educação Ambiental e Climática com a seriedade em todas as instituições de ensino, públicas e privada, da educação infantil a pós-graduação.
A Educação Ambiental foi praticamente extinta pelas recentes reformas educacionais nos currículos escolares. No seu espaço está sendo priorizada a educação financeira, empreendedora e inovadora, na perspectiva do sucesso profissional individual e do capital financeiro.
Precisamos, agora, retomar a educação ambiental formal e não formal, integral, crítica, comprometida com a justiça climática, com a ética socioambiental e proteção de todos os seres vivos da natureza.
Já há gestores educacionais propondo, mais uma vez, “rever os currículos”, repensar a “formação de professores para o mundo incerto e imprevisível” e intensificar a formação socioemocional dos estudantes reconstruir as mesmas escolas nos mesmos territórios.
É mais relevante e urgente retomarmos as políticas, os programas e os projetos de educação ambiental em todos as escolas e em todos os cursos nas universidades públicas, comunitárias e privadas, bem como nas empresas, ONGs, GTGs, meios de comunicação, centros comunitários e espaços comuns coletivos.
O Brasil tem uma política e um marco legal de educação ambiental bem desenhado e avançado. No papel. Não implementado. Agora, é necessário cessar de negligenciar e assumir a implementação disseminada da Educação Ambiental, desenvolvendo uma compreensão integrada do meio ambiente e suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.
É imperativo, também, que todas as instituições educativas assumam e incorporem a agenda das mudanças climáticas nos currículos de todos os níveis de ensino; que formem professores de todas as áreas do conhecimento para abordar o tema; que empoderem as juventudes para participarem das decisões da agenda climática e, integrem estratégias educacionais às políticas públicas sociais e ambientais.
A Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/1999) e a Política Estadual de Educação Ambiental (Lei nº 11.730/2002), atualizada pela lei nº 13.597/2010), já estabelecem que todos estudantes e cidadãos têm direito à educação ambiental, incumbindo:
– o poder público a definir e implementar políticas pública de EA;– às instituições educativas, promover a educação ambiental;– aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações;– às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores e,– à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores e atitudes voltadas para a prevenção.
As políticas e programas de Educação Ambiental, também, já estabelecem como objetivos primordiais: desenvolver uma compreensão integrada do meio ambiente e suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; estimular o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a questão ambiental e social; incentivar a participação comunitária, ativa, permanente e responsável na proteção, preservação e conservação do equilíbrio do meio ambiente; construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, empatia, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade; fortalecer os princípios de cidadania, solidariedade e autodeterminação dos povos tradicionais e comunidades locais, entre outros.
Educação ambiental
O Conselho de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS) elaborou e instituiu em 2021 as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Ambiental no Sistema Estadual de Ensino, por meio da Resolução 363/2021, após escuta ativa à sociedade, as redes de ensino e especialistas.
Essas diretrizes estaduais reafirmam e ampliam a concepção de que a “Educação Ambiental envolve o entendimento de uma educação cidadã, responsável, crítica, participativa, em que cada sujeito aprende com conhecimentos científicos e com o reconhecimento dos saberes tradicionais, possibilitando a tomada de decisões transformadoras, a partir do meio ambiente natural ou construído, no qual as pessoas e demais seres se integram”.
As diretrizes estaduais de Educação Ambiental estabelecem que as escolas públicas e privadas devem prever, em suas atividades pedagógicas prático-teóricas, a adoção do meio ambiente local, incorporando a participação da comunidade na identificação dos problemas e de suas causas.
Também preconiza a realização de ações de acompanhamento e de participação em campanhas de proteção ao meio ambiente; a incorporação do conhecimento e o acompanhamento de programas e projetos em curso, no âmbito de regiões, bacias e microbacias hidrográficas.
A orientação é também para que as escolas próximas a mananciais hídricos, como arroios, rios, áreas úmidas, lagoas, lagos e lagunas, bem como de áreas de recarga de aquíferos, deverão contemplar em seus trabalhos pedagógicos a proteção, a defesa e a recuperação destes corpos hídricos, em parceria com municípios, comitês de bacia, organizações não governamentais e outros.
As enchentes surpreenderam muitas comunidades exatamente por não conhecerem essas realidades e possibilidades.
O marco legal gaúcho determina que as escolas de educação básica e instituições de ensino superior, pertencentes ao sistema estadual de ensino, devem incorporar e abordar um conjunto de temas transversais, em seus currículos, tais como: desertificação e erosão; uso de agrotóxicos; queimadas e incêndios; resíduos sólidos; saneamento; conhecimento sobre o desenvolvimento de programas de microbacias; segurança alimentar, alimentação saudável, orgânica, vegetariana e natural; mudanças climáticas; direitos ambientais, direitos dos animais e direitos humanos; ecologia e gênero; agroecologia e racismo ambiental.
Temos consciência que a educação ambiental e climática não resolverá essas causas estruturais de natureza econômica, social, política e ambiental. Porém, ensina a pensar, refletir e desenvolver uma consciência crítica capaz de transformar os seres humanos que poderão repensar nossa forma de viver neste planeta terra que não somos donos e dependemos dele para existir.
Acúmulo e colapso ambiental
Nesta perspectiva, Luiz marques, pesquisador da Unicamp, autor de Capitalismo e colapso ambiental (Ed. Unicamp, 2016) e coautor de O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência (Ed. Elefante, 2023) reafirma a importância de todas essas estratégias, porém, adverte que sistema econômico capitalista é o maior responsável pela crise climática mundial e a ameaça real de vida humana no planeta terra.
“O sistema econômico capitalista triunfou porque se mostrou, de todos, o mais capaz de acumular riqueza, de criar excedente, e de se expandir. Mas, justamente porque prima por essas qualidades, justamente porque essas qualidades o definem, esse sistema econômico é prisioneiro delas. Ele não tem a liberdade de se autolimitar. Dito de outra maneira, ele é incapaz de não destruir, em sua engrenagem acumulativa, a riqueza biológica de nosso planeta e os equilíbrios do sistema Terra que o permitiam ao longo do Holoceno toda civilização. Hoje, a escolha é desmontar peça a peça essa engrenagem ou nos condenarmos a sofrer suas consequências, vale dizer, no melhor dos casos, nos condenarmos a condições de vida muito mais adversas que as que essa civilização da acumulação nos proporcionou”, afirma o autor à página 655 deste último livro.
Para Marques, o fato simples, incontornável e insofismável que constitui nossa agenda é que ao homem contemporâneo não resta outra alternativa senão tentar o que parece hoje, e talvez mais do que nunca, inverossímil, tentar superar o capitalismo, “se por isso se entende superar, ao mesmo tempo, a engrenagem insana da acumulação e a miséria filosófica do antropocentrismo”.
Educação ambiental e climática já para conscientizar e esperançar, ou seja, mudar!
Autor: Gabriel Grabowski, professor e pesquisador. Também escreveu e publicou no site “Crises climáticas e educação ambiental”: https://www.neipies.com/crises-climaticas-e-educacao-ambiental/
Edição: A. R.