Pacheco é um artista raiz, apaixonado por boa música e engajado culturalmente. É um artista da resistência, que teima em interpretar, na sua robusta voz, letras e canções libertárias de irmãos e irmãs hermanos e brasileiros/as que falam das vivências mais puras e singelas de sua gente.
Como nunca, a arte, a poesia e a boa música estão servindo de suporte para curar as dores da alma, em tempos de pandemia, de isolamento físico e social. Os artistas e as artistas vivem, de forma mais intensa e emblemática, as consequências do isolamento, pois se movem pelo público, por gente que os aplauda, que os abraça e que estimula a viverem de arte.
“O artista não vive de vento”. O artista precisa sobreviver, por pão e comida à sua mesa. Neste contexto de crise sanitária, política, econômica e social, reconhecer e valorizar os artistas de nossa cidade, da região, do estado e do país significa também apontar os rumos que nossa nação tomará na pós pandemia.
Acreditamos que a boa arte, seja através da música, do teatro, da novela, da poesia, aliadas à convivência harmoniosa com a natureza, poderão ajudar-nos na superação de traumas, devolver-nos a felicidade e a liberdade das boas convivências e dos significativos encontros porque, afinal, somos seres sociais.
Conheçamos agora Ricardo Pacheco, da forma mais autêntica, por ele mesmo.
SITE NEIPIES: Donde veio esta sua vontade de fazer arte através da música? Como, quando e porquê decidiste empenhar tua vida como cantor e músico?
PACHECO: Acho que a vontade de fazer arte através da música veio pela vontade de mudar o mundo, de achar que existia alguma coisa errada com a forma do ser humano. A forma de enxergar seu semelhante estava cada vez mais distorcida e que eu poderia fazer alguma coisa e os “FESTIVAIS DE MÚSICA” me davam a impressão de que esse poderia ser um caminho, achava que seria “CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO” que eu poderia deixa de ser um “SEM LENÇO E SEM DOCUMENTO” e que só poderia mudar a “RODA VIVA” se eu não “ME ENTREGASSE PROS HOME DE JEITO NENHUM AMIGO E COMPANHEIRO”, foi o que “desde piá fui aprendendo, a ser valente, não ter medo e ter coragem”!
Uma frase que ouvi recentemente de um grande mestre e compositor, pouco antes de ele nos deixar, e mesmo assim em seu leito convalescido Sr. JOÃO CASTANHO (autor de PICASSO VELHO), recordando suas inúmeras aventuras do passado ao lado do meu também saudoso pai AURÉLIO PACHECO que devem estar juntos, como sempre estiveram fazendo as suas em outras paragens, deu uma pequena pausa e disse: “é Pachequinho, as coisas boas acabam…mas as ruins também”!
SITE NEIPIES: O que mais te realiza e o que ainda te desafia nesta vida de artista?
PACHECO: O que mais me realiza, encoraja e desafia é poder lutar contra o “RACISMO, O NEGACIONISMO E O EGOÍSMO” em um período como esse.
Tenho uma filha negra, sou pobre e creio na ciência… isso me dá muita força.
Colocar o dedo nas feridas dos hipócritas que bradam por “Tradição, Família e Propriedade” de dentro de seus “templos religiosos” e saindo dali vão correndo para o “ponto de travestis” ou em exitosos “prostíbulos”, invariavelmente, lotados de grandes carrões e camionetas de último modelo e fazerem “sexo na pista” sem prevenção alguma e voltando para seus felizes lares. Dos “falsos moralistas” que batem nas suas esposas, ao feminicídio e à triste realidade de que, nos últimos dez desses crimes ocorridos no RS “NÃO” existia sequer um registro de queixas crime nas delegacias contra o autor.
A vergonha de ter representantes políticos que “espancam” suas companheiras no meio da rua, vendem mandatos, apoiam genocidas e doentes mentais e fazem “sessão solene no puteiro” e falam em “moral e bons costumes”.
SITE NEIPIES: Cantas e tocas porquê? Quais são tuas fontes na escolha do repertório?
PACHECO: Minha família sempre foi muito musical, via que a música exercia um poder extremamente agregador dentro da nossa casa fosse quando nosso pai pegava o acordeom e ficávamos a sua volta ou quando todos os domingos na casa da nossa avó “EDI” sagradamente aquela gaita passava de mão em mão com nosso pai, Tio Sadi Silveira, (meu padrinho abençoado que nos deixou a pouco também), Tio Romeu Ribeiro, que voltara de um tempo morando no Nordeste e nos trazia modas de viola com temas lindos falando do sertão ou quando recebíamos a visita do amigo da família Miguel Pereira o nosso querido “TIATA’, grande músico do grupo “Os Tropeiros de Passo Fundo” o que nos lisonjeava muito, Tio Ião e Tio Joãozinho no “chocalho” e na ‘caipirinha’ unidos por um amor e uma amizade sem explicação aos meus inocentes olhos.
Então resolvi que queria aquilo para mim (AMOR E MÚSICA), meu irmão Juarez começou a tocar e estudar violão e consegui me aproximar das cordas e não nos separamos até hoje!
SITE NEIPIES: Vivestes por alguns anos na nossa capital Porto Alegre. Como descreverias o ambiente cultural de nossa capital? Que lembranças e boas vivências de arte e de música guardas nas tuas doces lembranças?
PACHECO: Cheguei em Porto Alegre na metade dos anos 80 onde existia um acaloramento na cena cultural e musical, começava naquele momento um movimento de amor pela cidade onde se adquiriam “hábitos saudáveis” com relação à “ECOSISTEMA E DIREITOS HUMANOS’ e isso me fascinava.
Ainda existiam muitos costumes acorrentados aos grilhões do individualismo e do conservadorismo e isso me dava mais “gana” de viver naquele lugar de pessoas tão diferentes e me parecia ter um “PROJETO COLETIVO E DE CULTURA DO OUTRO” do qual eu queria muito me aliar e ajudar a escrever aquela história, como creio humildemente que contribui.
Busquei ajuda com um amigo de meu pai: “Algacir Costa” grande músico passofundense e pai do hoje fenomenal Yamandú Costa que já estavam na capital com seu grupo “Os Fronteiriços” e de carreira consolidada nos palcos portoalegrenses.
Algacir me apresentou à “PULPERIA”, Casa de shows e gastronomia campeira onde tocavam: Os Fronteiriços, José Cláudio Machado, Lucio Yanel, João de Almeida Neto e todos os grandes nomes do “nativismo” do RS e passei a fazer a abertura das noites da “PULPERIA”. Recém chegado do interior fui “adotado” por uma família que até hoje tenho uma relação de “IRMÃE”: Ilce Borges da Silva, figura maior nas questões de vida que Deus me presenteou e que moravam na “Cidade Baixa” bairro boêmio da capital onde existia um circuito de casas noturnas onde eu poderia exercer minha profissão de opção e dividir “GUITARRA, AMOR E VERSOS”!
Vieram os festivais, que são uma emoção ímpar: CANTO DA LAGOA, FESTIVAL DE MÚSICA DE PORTO ALEGRE, FESTIVAL DO TRABALHADOR, MUSICANTO LATINOAMERICANO DE NATIVISMO, TERTÚLIA… aí um novo caminho como compositor e intérprete de trabalhos inéditos que me renderam muitas experiências e alegrias. Tocar e conviver com YAMANDÚ COSTA…até hoje é uma dádiva!
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL – UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL, produções e emoções, fazer parte do CD do FÓRUM com Bebeto Alves, Gelson Oliveira, Tom Zé, Zé Caradípia, Leonardo Ribeiro, Raul Elwanguer, Pery Souza, Serginho Moah… foi inesquecível…
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 10 ANOS foi outro movimento. Agora fazendo parte da equipe da MSDOIS PRODUTORA com minha abençoada amiga Sandra Narciso, onde pude estar com Eliades Uchoa (BUENA VISTA SOCIAL CLUB), Vicente Feliú (Cuba) e Daniel Viglietti, Agarrate Catalina, Daniel Drexler (UY)….
SITE NEIPIES: Como avalias o ambiente cultural de nossa cidade, Passo Fundo, para artistas que, como tu, vivem, resistem e fazem boa arte? Nossa cidade reconhece e valoriza seus talentos locais?
PACHECO: Nosso ambiente Cultural local ainda é jovem e volátil, nos últimos anos temos tido alguns avanços nas Políticas Públicas de Cultura, mas ainda estamos longe de termos uma efetividade nos compromissos sociais que a CULTURA tem que ter com seu povo.
Temos um legislativo apático nas questões culturais que ao invés de valorizar a cultura local fez recentemente uma “Moção de Repúdio” contra um programa de televisão porque falou mal do “Teixeirinha” que sequer nasceu próximo a Passo Fundo.
Quanto ao reconhecimento, não tenho o que me queixar particularmente porque tenho, graças à DEUS, o reconhecimento das pessoas que eu gostaria de ter e ao mesmo tempo o desprezo daquelas que também gostaria.
Temos alguns veículos de comunicação comprometidos com as administrações públicas, porque são divulgadores patrocinados pelos poderes e são pagos para não falarem mal dos seus patrões. Poderiam fazer um papel fiscalizador e denunciador. Existem na cidade alguns comunicadores preconceituosos e homofóbicos e que fazem o andamento do processo civilizatório retroagir a “TEMPOS MEDIEVAIS” com seus comentários, conceitos e pensamentos ignorantes. A humanidade teve avanços nos últimos 100 anos que não eram sequer falados a milhares de anos e que não tem mais como retroceder.
Essas coisas acabam atravancando as possibilidades de um MOVIMENTO CULTURAL, onde cultura gaúcha é valorizada e a cultura nacional como o carnaval que deveria ser em um plano mais amplo não é reconhecida e como diria o maestro TAU GOLIN: “E os cavalos cagando pela cidade’.
Existem outros veículos de comunicação diferenciados, peleando para esclarecer a população com informações contra o achismo e a personalização das ideias e posicionamentos equivocados.
SITE NEIPIES: Nasceste no contexto da ditadura militar. Quais são suas lembranças daquele período da história do Brasil? Alguma comparação com os tempos de agora?
PACHECO: Nasci no ano de 1968, 62 dias antes do Ato Institucional nº 5, ano em que morreu “Martin Luther King”, acho que recebi uma descarga de energia e isso me povoou de forças para lutar contra tudo que essas duas situações representam.
Sou “FILHO DO COVEIRO”, meu pai Aurélio e minha mãe Sueli se aposentaram como “zeladores do Cemitério Municipal da Vila Petrópolis”, ali aprendi a ter outra relação com a vida e com a morte, enterrei e desenterrei muita gente. Me criei na graxa e sempre quis mudar essa realidade.
Fui forjado por grandes guerreiros e intelectuais da nossa terra Emerson Brotto, Marco Aurélio Weissheimer, Marcos Mussolini, meu abençoadíssimo hermanito Luís Carlos de Cesaro que nesse dia de Corpus Christi em que respondo essa entrevista faz nove anos de sua passagem.
Quanto as semelhanças da época com a atualidade acho que tem uma diferença muito grande que é o “falso moralismo dos falsos profetas e a ignorância”, as mesmas pessoas que querem o retrocesso. “se ele viesse”, seriam os protagonistas dessas mesmas atrocidades que elas defendem, pois, acham que se feitas por eles não é errado! Sonegam impostos, falsificam atestados e documentos, estacionam o carro em vaga de deficiente, falsificam álcool gel em tempos de pandemia ….e são cidadãos de bem!
Então creio que a “burrice e o mau caratismo”, ainda é o problema maior.
SITE NEIPIES: Qual é o papel da arte e dos artistas no Brasil no atual momento histórico?
PACHECO: O papel da arte e da cultura hoje está se mostrando tão vital e essencial para a humanidade nesse momento quanto o “SUS”, tenho certeza de que se não fossem os dois hoje o nível de mortes e atrocidades seria escandalosamente maior! VIVA A ARTE E O SUS!
SITE NEIPIES: Como tens suportado, durante a pandemia, viver o isolamento físico e social, sem público para apreciar, apoiar e aplaudir a tua música?
PACHECO: Isolamento social e Home office são rotinas diárias que essa sociedade medíocre está conhecendo agora, junto de seus filhos e familiares que praticamente não sabiam que eram.
Para nós, artistas, isso é uma condição imposta desde sempre. Ficamos trancados em quartos horas e dias a fio, tirando música, estudando, ensaiando, decorando textos, fazendo contatos para agendamentos de trabalhos por sermos gestores de nós mesmos.
Amamos o que fazemos e não vamos para o trabalho de mau humor porque nosso chefe é um FDP, vamos com tesão e capacidade de resiliência para começar tudo de novo.
Quero ver esses incompetentes C de cachorro que ganham tudo de mão-beijada dos papaizinhos sobreviverem nessa situação.
SITE NEIPIES: Como os artistas como tu tem sobrevivido financeiramente nestes tempos de isolamento?
PACHECO: A dificuldade sempre existiu e nunca foi fácil sobreviver de arte em um país que é líder mundial em ignorância, onde a “pasteurização” da cultura se transformou em um mercado tão forte e aniquilador onde as “gordinhas gueludas” passaram a dar tanto valor a realidade terrível do papel das mulheres em nosso mundo, onde a “MIGA” barraqueira e sem amor próprio e que bebe e sobe na mesa assume seu lugar ridículo!
Hoje uma nova realidade se apresenta nas possibilidades de “LIVES”, mesmo tendo que concorrer com os sucessos de “BULLINGS” das músicas “Caneta Azul” e o ridículo “baitaquismo” sustentados mais uma vez pela ignorância e pelo preconceito!
Graças a DIOS tenho algumas outras fontes de renda, mesmo sendo na área da cultura e entretenimento, como Produção Cultural, o teatro através do GRUPO RITORNELO, a gastronomia onde faço um pacote de “BÓIA E MÚSICA”, mas que ficam prejudicadas com o afastamento social exigido no momento”.
SITE NEIPIES: Avalias que a pandemia do Covid 19 está mais para uma guerra ou para uma crise?
PACHECO: Sem dúvidas “uma guerra”, a guerra da “ignorância, da ganância, da falta de empatia e do negacionismo” contra a “ciência”. A crise política e corrupção existem no nosso histórico desde o governo de “César” porque o ser humano é “corruptível”.
SITE NEIPIES: Na tua trajetória pessoal e social, trabalhastes também na política, através da militância e da assessoria parlamentar. Que lições tiras destas experiências?
PACHECO: Tive a oportunidade de trabalhar ao lado de grandes guerreiros, assessorando-os ou simplesmente lutando ao lado deles em batalhas a favor da “DEMOCRACIA” e que aprendi muito: Beto Albuquerque, Jauri Oliveira, Jussara Cony, Juliano Roso, Flávio Lammel, Edegar Pretto…
As lições são duras diante da realidade da política, o “sistema” é uma engrenagem que se tiver uma peça que não esteja funcionando dentro da sua “dinâmica” essa peça é imediatamente substituída e a “roda continua a girar”.
Penso que o “bom político para a sociedade” é o político “sem cargo”, aquele que faz o “corre para resolver as coisas na comunidade” a partir do momento que ele é agraciado com um “cargo” se faz qualquer coisa para mantê-lo, aí se vai o boi com a corda.
SITE NEIPIES: Donde vem tua paixão pela cozinha? Fala-nos do teu projeto Feijoada com Pacheco?
PACHECO: Minha paixão pela cozinha mais profissionalmente começou durante o governo Tarso Genro onde foi criado um Grupo de Trabalho de Gastronomia Regional e tive oportunidade de conviver com “CHEF’S” de cozinha maravilhosos com o intuito de criar uma identidade local para nossas “bóias campeiras” com insumos e produtos do nosso RS e meu compadre Edegar Pretto me pediu para que fizesse uma “FEIJOADA PACHECÔNICA” para seus convidados em comemoração ao seu aniversário, respondi que sim e perguntei-lhe para quantas pessoas seria e ele respondeu que seriam umas 40, topei na hora e quando chegou no dia tinham mais de 120 pessoas, daí prá frente virou festa e participei de vários FESTIVAIS DE GASTRONOMIA” chegando a servir mais de 400 pessoas em um evento e hoje a “PACHECÔNICA” é um sucesso que já foi até para Montevidéo – UY.
SITE NEIPIES: Quais são seus desejos e expectativas para o pós pandemia? Seremos melhores?
PACHECO: As máscaras caem nas crises e desumanidades e esse elemento “máscara” está fazendo com que as pessoas voltem a um hábito fora de moda e que muitas pessoas tinham deixado de lado que é: “olhar nos olhos dos outros”, como disse o grande poeta argentino “PIERO”:
“HABLAR MIRANDOSE A LOS OJOS, SACAR LO QUE SE PUEDE AFUERA,
PARA QUE ADENTRO NAZCAN COSAS NUEVAS, NUEVAS, NUEVAS”.
E nesse contesto só podemos ser melhores com avanços e coisas novas e não retrocedermos à costumes velhos e retrógados que temos milhares de provas na história de que “não” deram certo. O hábito da generosidade e da solidariedade que sejam ‘MUI BIÉN VENIDOS’.
SITE NEIPIES: Que mensagens gostarias de deixar a teus amigos artistas?
PACHECO: Que não queiram transformar seu filhos em médicos e doutores, façam-nos ser “ARTISTAS”! PRECISAMOS DE MAIS E MAIS ARTISTAS!!!
SITE NEIPIES: Uma frase que defina Ricardo Pacheco.
PACHECO: “Se as armas e os homens calassem seus gritos de morte e ao som de um violão adoçassem seus temporais, um sonho parceiro seria bem mais do que um sonho: seria um beijo do mundo na boca da paz”! (Carlos Omar Vilella Gomes)
SITE NEIPIES: Uma música que cante o mundo como ele deveria ser.
PACHECO: Música “Alma e na voz” – Pirisca Grecco e Carlos Omar Vilella Gomes.
SITE NEIPIES: Uma receita de boa comida ou de um bom programa para estes tempos difíceis de isolamento físico e social?
PACHECO: A receita de boa comida para esse tempos de pandemia que recomendo é nossa feijoada pachecônica e outras bóias que temos feito para levar para casa e o programa é assistir as nossas lives e dos nossos artistas locais e se possível contribuir para a nossa subsistência nesse período!
Agradeço de coração a oportunidade e SEGUIMOS A LUTA!
Matéria produzida por jornalista Gerson Costa Lopes aborda outros aspectos da vida e da música de Ricardo Pacheco, em 2018. Veja mais aqui.