(Dedicado ao Rio Passo Fundo)
Marulhas
mas não enganas:
estás morto!
Rio de todas as águas,
profundidade comezinha
de quem atulhado
mal consegue ver o caminho,
através das águas turvas
nas curvas que faz.
Juntas todo o rebotalho
que o trabalho
– a faina inútil de todos os dias –
acumula e faz de ti lixeira.
Tuas pedras
se confundem com latas;
tuas margens incertas
têm capim
– até demais.
Sobre as quais
às vezes avança,
ponta de lança,
a alcançar quem o maltrata
o malbarata
com túneis, canais e desvios
enquanto o que há de bom nos rios
– peixes e água limpa –
ninguém consegue ver.
Pescar de tuas margens,
namorar molhando os pés,
lavar em ti a roupa
que de tão pouca
não consiga te poluir,
antes nos faça cheirar a natureza,
das profundezas de onde vens,
cantando desde as fontes
“habitando a distância de ermos montes
onde os momentos
são a Deus chegados.
E como criança avança
cidade adentro.
Vais de todos recebendo o que há de pior
– incurável desamor de quem até os filhos
sabe desamar.
Nos longes da cidade
por onde sais e te vejo passar
já não vais mais cantando
nem marulhando.
Vais embora a chorar.
(do poema Meu pensamento é um rio subterrâneo, de Fernando Pessoa)
Sobre as fotos: as imagens que ilustram esta poesia foram gentilmente cedidas pelo fotógrafo de nossa cidade, Diogo Zanatta. Foram captadas por suas lentes em setembro de 2011, revelando a situação dramática que o Rio Passo Fundo estava passando, sobretudo pelo acúmulo de toneladas de lixo nele depositados ao longo de seu percurso pela cidade. À época, esta triste realidade foi retratada por diferentes formas e meios de comunicação, através de reportagens, o que gerou grande comoção e engajamento para a retirada deste lixo acumulado. O Rio Passo Fundo, hoje, continua recebendo resíduos e esgoto em seu leito, gerando preocupações ambientais e sociais. Muito longe ainda de ser um rio que é bem tratado e conservado pela população passofundense.
Autor: Júlio Perez. Autor da poesia “Eu e os da minha geração”: https://www.neipies.com/eu-e-os-da-minha-geracao/
Belo poema Júlio! Meus parabéns por chamar a atenção sobre um tema tão recorrente e importante: a degradação de rios, córregos e nascentes nas cidades! A água, um bem tão precioso e vital, deveria receber atenção maior, não só do Poder Público, mas da sociedade com um todo!
Como admirador do Júlio, não estranho a beleza e oportunidade da obra. Como velho amante da Poesia, fico feliz que ela esteja em tão boas mãos, inclusive em imagens.
Alcy Cheuiche
Gracias, Cheuiche. Vindo de ti fico ainda mais lisonjeado, mestre que és na arte das letras. Grande abraço!
Muito bom