A formação humanista de Sebastião Salgado é o combustível que move seu olhar
para encontrar as falhas éticas que dizimam fatias da humanidade, quilômetros de florestas, assim como nossa sensibilidade para reconhecer o que realmente tem valor.
Ele é um homem de formação marxista, luta pela causa em que acredita baseado em setenta anos de lucidez, sensibilidade e um amor duradouro por sua mulher e parceira a arquiteta Lélia. Foi ideia dela reflorestar a fazenda dos dois em Minas Gerais, que encontraram devastada, após voltarem do exílio. Hoje é uma reserva invejável.
Foi de Leila que Sebastião ganhou a primeira máquina fotográfica, o que o encorajou a abraçar sua paixão pela fotografia. Com a máquina começou uma trajetória de denúncias sociais contra a vida e a saúde do planeta e das pessoas. Seu olhar de compaixão alcança questões graves como a causa indígena, dos sem-terra, do êxodo de refugiados, de bombeiros banhados em óleo combatendo as chamas dos poços de petróleo do Kwait.
O Sal da Terra: Sebastião Salgado.
A formação humanista de Sebastião Salgado é o combustível que move seu olhar para encontrar as falhas éticas que dizimam fatias da humanidade, quilômetros de florestas, assim como nossa sensibilidade para reconhecer o que realmente tem valor. Sebastião dá-nos o epíteto de “cruéis conosco mesmos”.
Uma das marcas fortes da minha trajetória é o impacto que a série “Terra” provocou em mim e que conheci quando meus filhos ainda eram crianças. Comprei o livro com a coleção de fotos e textos, que não tive coragem de mostrar no primeiro momento a eles, tal a brutalidade que transparece nas fotos dos acampamentos de sem-terra.
As imagens de crianças sofridas e de seus pais movidos pela esperança, mas massacrados por um dia a dia miserável me fizeram guardar o livro por algum tempo. Logo as crianças o descobriram e hoje ele figura na biblioteca do nosso filho mais velho, o que me enche de orgulho.
Hoje não vejo o fotógrafo como um subversivo, nem um homem de esquerda, contrariando o que pensava dele na época de Terra. Vejo-o como alguém que lê o mundo como ele realmente é.
Temos acompanhado a transformação do Mar Mediterrâneo em um cemitério de crianças e adultos, que procuram desesperadamente um lugar para viver. Eles refletem o que Salgado retratou em Êxodos, outra obra de impacto. Acerca desse trabalho ele escreveu: “Minhas fotos foram tiradas porque pensei que o mundo inteiro devia saber. É meu ponto de vista, mas não obrigo ninguém a vê-las. Meu objetivo não é dar uma lição a ninguém nem tranquilizar minha consciência por ter despertado algum sentimento de compaixão em outrem. Fiz essas imagens porque eu tinha uma obrigação moral, ética, de fazê-las. Alguns me perguntarão: em tais momentos em que estou diante de alguém que está morrendo é quando decido ou não se tiro a foto”.
Ler o mundo está ao alcance de todos nós. Ter uma visão global e estar atento ao outro é algo cheio de possibilidades. No entanto, a maioria de nós está longe de conseguir a abrangência de Sebastião Salgado, para ver o que acontece in loco, denunciar e fazer alguma coisa mundialmente visível. Mas temos o aqui e o agora.
Cada um de nós tem sonhos, aspirações, sensibilidades. Cada um de nós ainda acredita poder agir para corrigir injustiças. Resta-nos olhar para os lados, arregaçar as mangas e fazer deste mundo um lugar melhor, a começar pela nossa própria casa, pela nossa família, pelo nosso quarteirão, pela nossa cidade.
Fernando Morais entrevista Sebastião Salgado.