Desde o último dia 30, está no ar a consulta pública do Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio, lançada no portal da Secretaria Estadual da Educação.
O documento, que deve balizar a aprendizagem na rede a partir de 2022, é um cavalo de Troia que traz em seu bojo a consolidação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) no estado.
A BNCC, vale lembrar, foi imposta aos atropelos pelo governo Temer, patrocinada por instituições privadas de ensino, fundações educacionais, gigantes do ramo dos livros didáticos, movimentos conservadores e think tanks internacionais, em um movimento articulado para abocanhar parte significativa do orçamento público.
No estado, a situação se repete. Um governo totalmente descolado do chão da escola e cujas políticas educacionais são gestadas por agentes privados tenta revestir de legitimidade uma redação repleta de falhas do início ao fim.
O documento base do Referencial Curricular Gaúcho, por exemplo, contou com a participação do sindicato patronal do ensino privado, o Sinepe, mas não com a representação dos trabalhadores(as).
Em outubro deste ano, a Seduc publicou um edital para selecionar docentes da rede interessados em trabalhar como redatores do Referencial. A procura foi tão baixa que sequer as vagas de suplência foram preenchidas em sua totalidade.
Outras iniciativas, como o curso de elaboração do Currículo Referência da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, que teria ocorrido entre abril e maio para coletar subsídios da comunidade escolar, foram abandonadas sem qualquer explicação.
Consultar, agora, a sociedade sobre o tema não representa uma súbita crise de consciência pela falta de diálogo. Trata-se de uma tentativa desesperada de implementar o Referencial Curricular Gaúcho sem alterações estruturais, apostando numa tosca fachada de debate público.
Mas contar com a participação de uma categoria massacrada em pleno dezembro, após um ano marcado por retirada de direitos, aprofundamento da miséria dos educadores(as), intenso assédio por parte das mantenedoras, sobrecarga de trabalho e adoecimento físico e psíquico, é contar com o enforcado apertando a própria corda.
Se o governo estivesse de fato preocupado com o direito à educação, usaria o pouco tempo que resta para discutir com a comunidade escolar de que forma se dará o ano letivo de 2021. Os esforços, neste momento, deveriam se concentrar em fomentar que as escolas realizassem diagnósticos e avaliassem o trabalho realizado durante o período pandêmico.
Em respeito ao princípio constitucional da educação como um bem público e universal, de responsabilidade do Estado, é urgente restabelecer a primazia da gestão democrática e da autonomia escolar. Quem deve definir o calendário letivo e a melhor forma de trabalhar o currículo é quem melhor conhece seu contexto e a realidade do alunado e recursos humanos: a própria escola.
O Departamento de Educação do CPERS defende o envolvimento de toda a comunidade escolar, incluindo pais e alunos(as), na defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade, com gestão democrática e comprometida com a formação integral do cidadão. Não há remendo que possa consertar uma proposta viciada em suas origens.