Há vários modos de entender o processo eleitoral em curso. O mais importante é nos perguntarmos qual seu significado para os/as mais pobres, para aqueles/as que estão, e há muito estão, à margem da “marcha triunfal do progresso”.
A maioria do povo brasileiro vive sem trabalho decente, sem educação de qualidade, sem saúde básica, sem moradia, sem comida, sem-terra, sem acessar direitos sociais básicos. A invocada liberdade econômica e o empreendedorismo meritocrático são fantasmas que servem para que sejam acusados de falta de iniciativa, culpados de sua condição.
Os/mais pobres são atacados/as pela desinformação, pela manipulação religiosa e política, pela massificação cultural. Vivem o medo e com medo, das armas, do crime organizado, das milícias e da polícia, sendo sumariamente eliminados em chacina e rotinas. E isso não é de agora. Mas, essa situação tem piorado nos últimos anos com o atual governo brasileiro.
No segundo turno das eleições presidenciais brasileiras estão em disputa projetos completamente distintos e que impactam com consequências graves a vida e os direitos do povo brasileiro, particularmente daqueles/as para os/as quais direitos e democracia ainda são, na melhor das hipóteses, promessas. Nesse sentido, temos acompanhado o recorrente esforço, de parcela da população adepta que de tudo faz para impedir o fortalecimento do projeto democrático e que quer a materialização de direitos.
O caminho trilhado, conforme manifestações públicas, é o de inviabilizar políticas públicas e liberdades asseguradas pelos pilares da democracia e que tendem a resultar em mais pobreza, mortes, perseguição, ameaça, dando seguimento ao ciclo de pobreza e de violência instaurado pelos protagonistas do projeto da morte.
Por isso, o significado mais profundo deste momento é exatamente esta disputa entre vida e morte. Melhor, entre quem estrutura a atuação da política para a manutenção, a produção, a reprodução e o desenvolvimento da vida, das mais diversas formas de vida; e quem prega à morte, achincalha o sofrimento alheio, age orientado pela necropolítica e o brutalismo que lhe é característico.
O projeto da vida se propõe a cuidar das pessoas, a garantir a efetividade de seus direitos, a preservar o ambiente natural, a valorizar a cultura popular, assegurar liberdade religiosa, a reconstruir laços de convivência, centrando-se na amorosidade e na alegria embasado pelos valores democráticos.
O projeto da morte está preocupado em reproduzir a violência e acumular dinheiro, a qualquer custo, ou melhor, ao custo da vida dos povos indígenas, da Amazônia, do povo pobre, forçando o tempo todo à crueldade do “cálculo do suportável”, para o que mobiliza o ódio e a tristeza, a eliminação do outro.
Os corpos das mulheres, de LGBTIAP+, de negros/as, de indígenas e povos tradicionais, de quilombolas, sem terras, sem teto, enfim, todos os corpos dissidentes, que não se “enquadram” nas normas convencionais e hegemônicas, aquelas próprias do “contrato da dominação”, estão em risco mais do que pelas “pautas de costumes”. E isso não é de agora.
Mas, a se manter o que aí está, os tornará ainda mais “alvo” de quem responde a diversidade com as “armas” da intolerância, do fundamentalismo e da supremacia das maiorias dominantes.
O voto popular não decide tudo nesta disputa. Mas encaminha a abertura de processos e de possibilidades para um ou para outro projeto. O momento é de convencimento para a escolha dos rumos do Brasil pelo livre exercício de direito ao voto. Exige ação para a mobilização ao máximo possível da vontade popular para participar ativa e intensamente do processo e da ação em defesa da vida.
O compromisso e o engajamento dos movimentos e organizações populares para fortalecer os processos de conscientização, organizar o povo, construir lutas tem sido central nessa disputa. E sendo vencedor o projeto da vida na eleição, precisaremos fortalecer ainda mais a participação popular para fazer o enfrentamento concreto das propostas de morte.
Afinal, a montanha de escombros a ser removida é gigantesca e os caminhos novos a serem construídos com redistribuição, com reconhecimento e com participação popular são imensos. Por isso, ao exercício do voto como parte desta luta agonística da qual cada votante é protagonista, já há que se somar fortalecimento da organização e da luta para fazer realidade o projeto popular e democrático de Brasil.
Vamos juntos/as, em Defesa da vida!
FONTE:https://www.brasildefato.com.br/2022/10/13/segundo-turno-no-brasil-vida-ou-morte
Autor e Autora:
*Paulo César Carbonari é doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil), pesquisador convidado voluntário NEP/CEAM/UnB.
*Euzamara de Carvalho é mestra em direitos humanos (UFG), assessora da Comissão Pastoral da Terra – CPT, jurista membro da Associação Brasileira de Jurista pela Democracia (ABJD).