Sentido da Docência

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Vamos apresentar esta lógica como sendo inexorável dizendo ao aluno: “seja o melhor”, “tenha um diferencial competitivo no mundo globalizado”, “garanta o seu”? Ou vamos ter coragem de despertar os educandos para a indispensável mudança que deve ocorrer?

“Estudar para ser isto que você é?” Alguns alunos chegam a indagar: “Professor, eu vou estudar para ser isto que o senhor é?”. Tal declaração funda-se no valor econômico, que é o hegemônico na sociedade hoje.

O professor que baseava o interesse de suas aulas nesta motivação extrínseca de ser alguém na vida está tendo sua segurança abalada, porque cada vez mais os meninos vão percebendo pessoas que não estudam e se saem bem, e, por outro lado, um grande contingente de pessoas que estudam, porém estão desempregadas ou mal remuneradas.

Há uma progressiva queda do mito da ascensão social através da escola, que foi um grande baluarte desde o início da escola burguesa (final do século XVIII, início do XIX): “vá para a escola e seja alguém (no sentido econômico) na vida”. O problema, a nosso ver, não é tanto o aluno fazer tal indagação, mas o professor, diante dela, não saber o que o responder!

Quando o professor tem claro para si a função social de sua atividade, os motivos de sua opção e permanência no magistério, pode revelá-los aos alunos, ajudando-os a ressignificarem sua presença e trajetória na escola.

Considerando aquela provocação do aluno citada acima, os termos da resposta do professor poderiam ser mais ou menos como os que seguem.

Quando você diz ‘estudar para ser isto que eu sou’, deve estar influenciado pelos valores da sociedade de consumo, que colocam o valor econômico como o maior ou único valor, e referindo-se ao meu salário, não é?

Pois é bom distinguir: uma coisa é o que eu ganho (ou aquilo que muitos professores ganham, fruto de uma relação de expropriação a que vêm sendo submetidos, como estratégia de desmonte profissional), que pode não ser suficiente para adquirir os bens que você considera indispensáveis. Outra, muito diferente, é o meu valor: isto não pode ser comparado com o que eu ganho! Estamos juntos há pouco tempo e você ainda não teve oportunidade de me conhecer melhor. Eu estou aqui por opção e não por medo da vida lá fora, por incompetência.

Note bem: o que estou falando é importante porque também na sua vida, num certo momento de sua trajetória, você terá de fazer uma opção profissional, e qual será o seu critério? Escolher a profissão onde se ganha mais? Será esta a melhor opção? Se o meu projeto fosse simplesmente ganhar mais, eu tenho conhecimento e capacidade para conseguir isto sem ser na escola. Não que eu queira ganhar mal; não é isto, tanto é que estou lutando nas instâncias certas para reverter este quadro. O que quero dizer é que estou aqui inteiro, por opção. Eu sei porque estou aqui, e tenho algo muito importante para vocês, que dificilmente encontrarão em outro lugar. Em outro lugar vocês podem encontrar informações, todavia provavelmente não as encontrarão marcadas por sentido, desejo, projeto, perspectiva, criticidade, totalidade, historicidade, tal como eu e meus colegas nos propomos a trabalhar com vocês, a partir da nossa competência e do nosso compromisso.

Não quero impor projeto algum a vocês, mas ajudar cada um a construir o seu. Tenho convicção disto. A escola compra o meu tempo, mas não compra o melhor de mim. O melhor de mim eu dou a quem eu quero. E é isto que quero partilhar com vocês: a busca de um sentido digno para a existência, através do conhecimento, do desenvolvimento humano pleno e da alegria crítica!”

Que sentido tem a vida se não podemos imprimir na realidade nossos sonhos, nossos projetos?

Que sentido pode ter a vida quando há tanto sofrimento, tanta dor, tanta incompreensão, injustiça? (o problema da presença do Mal). Ora, será que um dos sentidos básicos não é justamente nos colocarmos nesta luta por um mundo melhor?

A opção de ser professor passa por uma concepção de vida, de sociedade! O sistema social é altamente excludente, não havendo condições para que todo ser humano tenha uma vida digna.

Já há muitos anos, Josué de Castro denunciava uma tendência cruel que vem se confirmando: passamos a ter dois tipos de pessoas na sociedade: os que não comem porque não têm o que comer, e os que não dormem, de medo dos que não comem! (cf. 2003: 130).

A questão nuclear não está nesta constatação, mas justamente na postura diante dela. Este é o divisor de águas. Vamos apresentar esta lógica como sendo inexorável dizendo ao aluno: “seja o melhor”, “tenha um diferencial competitivo no mundo globalizado”, “garanta o seu”? Ou vamos ter coragem de despertar os educandos para a indispensável mudança que deve ocorrer?

 Eticamente, um novo paradigma se impõe: não se trata mais de estudar simplesmente para poder garantir o seu lugarzinho no bonde da história. Trata-se, isto sim, de estudar a fim de ganhar competência, buscar naturalmente seu espaço, mas se comprometer também em mudar o rumo deste bonde, ou seja, ajudar a construir uma sociedade onde haja lugar para todos!

(Do Texto “Para Não Desistir da Docência)

Autor: Celso Vasconcellos, professor, escritor e palestrante

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Edição: Alexsandro Rosset

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