Sentir-se culpado é ruim, se sentir responsável é bom

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Alimentar o sentimento onipotente de culpa, culpar a si ou aos outros, é o pior que temos a fazer. Resignar-se frente a parva condição humana, assumir nossa responsabilidade pelos erros cometidos e buscar uma atitude reparatória é o melhor que temos a fazer.

Emma: a pior “solução”

Flaubert, em “Madame Bovary” (1857), conta de Emma, uma mulher que, por ser “adultera”, trouxe sofrimento ao marido Charles, aos familiares de ambos, à sociedade. Mas Flaubert descreve a história de vida da personagem e nos permite entendê-la: Emma cresceu com o único sonho de encontrar na vida uma relação amorosa idealizada.

Casa com Charles, um médico viúvo, mais velho, e não encontra a relação que idealizou. No casamento não se encontra. Fora do casamento também não. Mas é só o que Emma tem na vida. Tenta encontrar o que busca em um amante. A relação acaba mal. Tenta em outro, o final é ainda pior.

Como constatou Alain de Botton: “No momento em que Emma perde seu status na comunidade, derrama arsênico e se deita na cama para esperar pela morte, poucos leitores têm ânimo para julgar”. Emma não tinha “pitadas de psicopatia”.

Emma: a segunda pior “solução”

Vamos imaginar que Emma, em vez de cometer o suicídio, dá-se conta de que, ao procurar amantes, além de se colocar numa posição ruim na sociedade em que vivia, trouxe sofrimento para si mesma, para seu marido e demais familiares. E, percebendo isso, passa a sentir uma culpa avassaladora. E a culpa a deixa paralisada, infeliz e sem perspectiva. Tenta expiá-la da forma como se expiam as culpas: com atitudes destrutivas. Convém lembrar dos métodos “medievais”: subir escadarias de joelho, açoitar-se…

Emma: a melhor solução

Nós, leitores de Flaubert, não culpamos Emma porque percebemos sua reduzida capacidade naquele momento de sua vida. Fica evidente que Emma agiu não por maldade, mas pela limitação de só ter um sonho na vida e não conseguir percebê-lo irrealizável. E não encontrou outro interesse. Não conseguiu ir atrás de outro interesse. Mas, se fosse possível a ela perceber a melhor saída, como seria essa “melhor saída”?

Não se culparia, pois reconheceria que, naquele momento, “não podia agir de outra maneira”. Seria “culpada” se tivesse, naquele momento, poder, “cabeça” para agir diferente. Não tinha.

Volto a citar o ótimo livro “Sentimento de culpa”, de Guedes e Walz: “O sentimento de culpa é o sentimento de onipotência”.

Emma perceberia que, por suas limitações, agira mal, sem poder não agir mal. Mas reconheceria o erro. E se sentiria responsável por ele e procuraria reparar. Com o sentimento de culpa, iria atrás de saídas destrutivas. Com o sentimento de responsabilidade, poderia buscar reparações construtivas.

Em síntese, alimentar o sentimento onipotente de culpa, culpar a si ou aos outros, é o pior que temos a fazer. Resignar-se frente a parva condição humana, assumir nossa responsabilidade pelos erros cometidos e buscar uma atitude reparatória é o melhor que temos a fazer.

No entanto, culpar-se? Quem consegue ficar sempre focado? Ninguém, é claro. Ninguém é, de fato, infalivelmente onipotente. Assumindo nossa limitação, não vamos esperar e exigir de nós mesmos o que não podemos. Leia mais: https://www.neipies.com/a-culpa-nao-serve-para-nada/

Autor: Jorge A. Salton

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