Seremos todos imigrantes em Marte?

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Dentro em breve Marte será povoada. Não iremos ver este descalabro, mas a nossa descendência… provavelmente.

O que é uma vergonha completa, nós, como humanos que somos e criados, preferimos gastar bilhões para habitar em meio a pedras e poeira, abandonando uma natureza exuberante que nos cerca. Mas que tanto nos incomoda, por certo.

Qualquer cachoeira em nosso interior, aqui muito próximo, é mais linda do que qualquer paisagem de Marte. Claro que precisamos respeitar gostos e escolhas.  Há candidatos para se mudar para lá e passear pelas suas ruas com trajes que os permitam respirar. E sem passagem de volta. Mais de 200 mil pessoas já se inscreveram. ¹

Fico imaginando estas mesmas 200 mil plantando um pé de angelim em alguma beira de estrada: o quanto não fariam diferença ao seu redor. E como vamos salvar o Planeta com tantos querendo ir embora? O que a nossa Terra tem de errado para ser hostilizada ou abandonada?  É ingratidão na veia ou mal da criação? ²

Temos tudo por aqui, desde sempre: ar fresco e puro, de graça, sol e sombra, ambos de graça, ventos e marés, tudo, sempre sem custar um vintém.  Mas parece não está bom. 

Algum tempo atrás li que uma senhora de Bento, indignada que estava, vociferava contra as mudanças climáticas. Isso porque o Rio das Antas teimava em sair do seu leito. E a culpa era de barragens imaginárias ao longo do rio.

_E tem gente que ainda acredita nisso? Gritava.

A história está mais contaminada por guerras ou destruição da natureza do que na construção de paciência, paz ou plantios. E isso reflete essa busca insana pelo desconhecido, pela aventura, por não estar ou sentir perfeição na beleza de nossa casa e na magnífica camada de ozônio que a protege, por exemplo.

Vamos para Marte, então! Lá não haverá rios a contaminar nem matas a destruir.  Já foi tudo destruído mesmo, acho!  Ou, qual Criador, como nós o cremos, teria inventado um deserto, até lindo, digamos, somente para o prazer do seu olhar?  O que fazer por lá se nem borboletas veremos voando?

Vamos construir foguetes mais rápidos do que nunca e queimar combustível à vontade. Mas não é querosene de fora que nos levará pra lá.  É daqui mesmo.  Tungado do solo a qualquer custo e queimando ao ar livre até a exaustão, estas mesmas naves dependem em tudo do que a nossa velha amiga Terra pode ser rapinada por baixo.  E por cima.

Voar é fácil, quando o gás é ainda farto e sugado do solo. Quando acabar, como as naves voltarão?

Nunca se causou tanto dano à casa que nos acolhe. Mas estamos começando a dar conta de que a natureza tem boa memória. Vendo as chuvas e ventos, diariamente, sobre as cidades do país, devidamente permeabilizadas, somos confrontados com temporais que, em minutos, fazem de ruas, rios, de pedestres, vítimas.  Pessoas e carros são arrastados, em um clima que nunca se deixa controlar. E vemos nossos governantes ficando mestres em justificar os desastres.  A culpa será da natureza, querem apostar? Vamos para Marte! Lá, sequer os rios subirão.

A Revolução Industrial ficou registrada como o maior desastre ambiental do Planeta.  Poderíamos conquistar a mesma coisa, sem a devastação ocorrida. Mas sempre nos foi mais fácil, primeiro, destruir.

Pois é.  Por estas e outras razões é que os livros de história têm de ser queimados, quando um líder ou um governo tenta se impor sobre seus súditos.  A história é mestra implacável e não negocia. Basta olhar em terras devastadas por conflitos ou pela exploração sem medida e ver que ali mesmo foi necessário abandonar tudo. Ou observar o Rio Paraguai, que a cada ano diminui a sua vazão. Isso não nos incomoda?

Salvo a afirmação do ex-ministro Pedro Malan, ou de quem a tenha dito, ‘no Brasil, até o passado é incerto’. A história é única e não se dobra as preferências de quem a conta.  Ela é fluida como a água e continua a escorrer, sem se importar com o perfil de quem a conta.

E o que vemos é isso: a destruição gerando mais destruição, a poluição afetando nosso cérebro, a ambição desmedida excitando a desigualdade e rios e fontes secando por toda parte. Há lições preciosas não aprendidas no manejo e convivência com o nosso chão e nossas mentes.

Quem se importa?

Há muitíssimo mais pessoas de olho no dólar e nos índices de rentabilidade diários do que na devastação do nosso meio. E a cada árvore que vem abaixo é um lamento plantado para um futuro que bate à porta. Não que somos tão apaixonados assim, por ipês ou jamelões, mas é que adoramos respirar, não é mesmo?

Aqui no litoral, hoje, seguramente, o calor bateu os 40. Há cheiro em demasia pelas esquinas, em lixeiras que não suportam mais seus descartes.  As redes de esgoto, ralas e mal instaladas não suportam os níveis desmedidos de construção em curso.  Há mau cheiro pela beira-mar, nestes dias de calor, que devem nos lembrar os verões em Marte.

Continuamos com a nossa saga em perseguir um crescimento que não se sustentará a médio prazo. E até um dia específico foi criado para sabermos que exaurimos o planeta de todas as formas, mas não repomos a seu tempo:  o Dia da Sobrecarga da Terra. ³

Alguém aí tem dúvida de que após a tomada do novo planeta, em dois ou três anos, não será iniciada a mesma destruição?

Ahh, espero que não culpem os imigrantes de lá! Com o seu degredo imediato, uma vez que embarcaram na ilegalidade.  Sua pena?  Voltar à Terra, à força, acorrentados em naves movidas à cascalho, para aqui sofrerem as agruras de um sol a 50 graus. 

Estamos com temperaturas que não nos fazem sentir saudades do futuro, em liberdade poética.  Tudo parece secar e muito mais rápido que os prognósticos da ONU.

Mas a mensagem do Norte foi clara:  perfurem, perfuram, perfurem.  Obstinados por petróleo e dinheiro, vamos ter um retrocesso fatal para nosso clima. Tomara que não, claro.  Mas a história…ela não falha.

A senhora de Bento bem que poderia passear pela cidade e continuar a sua cruzada contra as mudanças climáticas; com guarda-chuva em mãos, claro. E muita corda para se amarrar e não ser levada pelas águas: porque as chuvas de agora caem aos baldes. 

Bem! Deve estar cansada um bocado com o calor de hoje.  Porque amanhã tem mais.

Boa viagem a todos!

Referências:

¹ G1, 10/09/2013 e Veja, 06/05/2016. Projeto da Empresa holandesa, Mars One. (Total de 202.586 candidatos de 140 países). Ida à Marte, sem volta.

² “Disse o Senhor: farei desaparecer da face da terra o homem que criei…porque me arrependo de os haver feito.” Gênesis 6:7

³ WWF

Autor: Nelceu A. Zanatta. Também escreveu e publicou no site “O que nos impacta ao vermos uma mulher idosa revirando lixo”?: www.neipies.com/o-que-nos-impacta-ao-vermos-uma-mulher-idosa-revirando-lixo/

Edição: A. R.

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