O triste é que muitas vezes faltam as palavras para dizer o que se pensa. Não é nervosismo, é pura falta de vocabulário mesmo. É o momento de não economizarmos vocabulário e, se possível, articular a fala com sujeito, verbo e predicado.
A leitura é uma atividade laboriosa que exige paciência e concentração. O ato de ler é uma atitude política, que põe em diálogo o leitor e o escritor numa relação de falas sem som. A leitura é também um exercício cognitivo solitário de refinação do raciocínio. Assim, a ato de ler e o ato de pensar é uma motivação de encorajamento para o leitor frente à página escrita.
A leitura, além de exigir silêncio e escuta, é uma busca da nominose, a luz interior que é a superação dos entraves psíquicos. A leitura feita com acuidade é sempre um ato terapêutico, em que o autoconhecimento coincide com a auto-emancipação. O hábito da leitura nos tira da situação de normose, que é a patologia da normalidade, a omissão frente aos acontecimentos do cotidiano.
A normose inibe a inteligência, gerando no escritor o terror da página em branco e no leitor a indolência da página escrita. Assim, pode-se dizer que o ato de ler e o ato de escrever são atividades coincidentes que exigem do sujeito, decisão e vontade para superar a inércia cognitiva, que é o emperramento da inteligência.
O movimento intelectivo encerra uma dialética entre o ler, o pensar e o escrever.
O ler é o exercício cognitivo de captar o conhecimento, o desfecho de um raciocínio manifestado em um signo ou num escrito. O pensar é o trabalho transcendental interno da mente, na elaboração conceitual e sintética da sensibilidade e da inteligibilidade. Já o escrever é a manifestação externa da inteligência em silogismos ou em categorias, como resultado de elaboração da mente. A atividade de ler, pensar e escrever são habilidades exigentes e muitas vezes penosas.
Assista a interessantes pistas sobre o ler, o pensar e o escrever, vídeo “Penso, logo, resisto”, de Gabriel Perissé.https://youtu.be/P9maGSUZDy4?t=5
Ler e escrever não se faz “no meio da galera”. Como já foi dito, são atividades que exigem silêncio, concentração, raciocínio, solidão, etc. É muito difícil exercer estas atividades no meio de uma sociedade do ruído como a nossa.
O silêncio e a escuta estão sendo cada vez mais escassos e exigentes para a tarefa meditativa. O silêncio psicológico e o silêncio físico são determinantes para exercer a práxis do ler e do escrever. Só escreve e lê bem quem conseguiu superar estes dois tipos de ruídos, os quais ajudam a superar os entraves de ordem psíquica e epistemológica.
A acuidade intelectual exige capacidade de abstração e certo pudor no uso das palavras. Exige também imaginação e sensibilidade afetivo-ambiental. O exercício de escrever é, acima de tudo, aprender a cortar palavras. Já o ato de ler é, na verdade, o ato de reler. Por isso, o ato de ler, para ser completo, deve exigir o ato de escrever, que é sempre uma tarefa lenta e gradual.
Não existe leitura rápida. Ler é uma arte. E toda arte exige tempo e ritual. No entanto, se a prática da leitura exige tempo, a prática de escrever não é diferente, exige também tempo e paciência. Um texto bem escrito é fruto de muito treino e de muita teimosia, o que significa muitas horas de leituras atentas.
Escrever bem não é só dom, mas dedicação empenhada de quem se põe na arte da escrita. Assim, o ato de escrever precisa de cultura, de conhecimento, de pensamento e de qualidade crítica. Esta bagagem de conteúdos só se consegue com muitas e cuidadosas leituras.
Ler e escrever são duas “faces da mesma moeda”. Assim, como a arte de ler exige assiduidade, a arte de escrever exige perícia. Para escrever bem, não é determinante ter o domínio total da gramática ou das regras ortográficas. Se isto fosse o último critério todos os gramaticólogos seriam escritores, o que na experiência não confere.
Há pessoas que não conhecem as regras da gramática e são excelentes escritoras. Na verdade, escrever bem é sempre reescrever, o que significa achar as palavras adequadas para expressar com coerência o pensamento.
Mas muita atenção nisto tudo: a base do ler e do escrever é o ato de pensar bem. “Quem pensa bem e fala bem, tem condições de escrever bem. Quem pensa bem e escreve bem nem sempre tem condições de falar bem”, afirma o escritor Polito. Com isto não se quer afirmar que quem escreve bem não fale bem, longe disso. Apenas quer-se afirmar que o aprendizado não é simples e tão automático, ou seja, não se aprende por osmose, sem esforço e dedicação.
O cotidiano é uma escola permanente. Um ponto de apoio salutar para quem trabalha com a palavra escrita ou falada é adquirir o hábito de antes de falar organizar o raciocínio.
Na relação entre emissor e ouvinte, escritor e leitor, isto seria uma prática importante. No dia-a-dia, deveríamos ser observadores atentos das formas de nossa comunicação e das formas de comunicação das outras pessoas do nosso convívio. Isto significa ter consciência dos nossos erros e lutar para corrigi-los.
Para superar os entraves de comunicação, o ler e o escrever são um exercício interessante.
Ultimamente, na minha experiência de professor e de assessor, tenho me apercebido em situações muito embaraçosas, de ficar empacado em meu raciocínio, de interromper a fala e esperar que o outro termine a frase ou a entenda incompleta mesmo.
Há tempo que estou dedicando-me no trabalho da leitura e da escrita para me livrar deste vício. Quais são as consequências? O risco de não sermos compreendidos, o de sermos mal interpretados nas nossas intervenções discursivas. Urge exercitarmos a nossa capacidade de verbalização e de articulação.
A reflexão sobre a comunicação vai além do ler, do pensar e do escrever. Ultimamente, tenho observado que muitas pessoas detentoras de cargos importantes se comunicam por grunhidos, pela inflexão da voz, pelo gesto, usando frases inteiras sem verbos.
É importante, antes de falarmos em público, pensar no sentido das palavras que vamos usar e fazer uma filtragem no raciocínio, antes de expressá-lo publicamente. É bom variar os adjetivos e alternar o uso das palavras sinônimas. É melhor fazer isto do que cometer gafes ou “trombar” nos verbos. É chegada a hora de superarmos o tempo do gerúndio.
E, finalmente, não adianta ler livros, descobrir novas palavras, não saber seu significado etimológico e usá-las aleatoriamente para dar a impressão de ser erudito ou de metido a intelectual. Há uma rede de vocabulários ativos, mas não sabemos usá-los. É necessário ativar o vocabulário adormecido. E o domínio correto das palavras só se consegue com o uso e a correção etimológico-silogística. “Não há nada mais horrível do que a prática de ficar substituindo as palavras por “esta coisa”, “este troço”, aquela pecinha”, sem falar nos cacoetes: “Humm”, “anhann”, “pois é, né”, “sendo assim”, etc..
O triste é que muitas vezes faltam as palavras para dizer o que se pensa. Não é nervosismo, é pura falta de vocabulário mesmo. É o momento de não economizarmos vocabulário e, se possível, articular a fala com sujeito, verbo e predicado.
Assim, o ler, o pensar e o escrever passam a ser atividades que nos darão uma comunicação segura, para não corremos risco de sermos pegos de surpresa pela lógica clandestina.
Assista vídeo “Brincando com as palavras”, de Gabriel Perissé. https://youtu.be/zuHGzdH7fUE?t=102
Autor: José André da Costa, msf .